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quinta-feira, 31 de maio de 2018

A Guerra no Ultramar - Estado Português da Índia - V


A resistência à dominação portuguesa na Índia manifestou-se no contexto da descolonização europeia. Após a independência indiana concedida pelos britânicos, em 1947, Portugal recusou-se a aceder ao pedido da Índia para rescindir a sua posse. A atitude era condenada pelo Tribunal Internacional e pela Assembleia das Nações Unidas que se pronunciou a favor da Índia. Em 1954, após a descolonização francesa Pondicherry, a União Indiana anexou os territórios de Dadrá e Nagar Haveli, que desde 1779 faziam parte doEstado Português da Índia.

A Índia impediu Portugal de deslocar militares para a sua defesa, acabando por anexar formalmente os enclaves em Agosto de 1961, após vários protestos pacíficos, com o governo português liderado por António de Oliveira Salazar a recusar-se a negociar. Em Dezembro de 1961, a União Indiana invadia os territórios de Goa, Damão e Diu. De 18 para 19 de Dezembro de 1961 uma força de 40.000 soldados a Índia independente conquistou Goa, numa acção armada - feita por terra, ar e mar, que durou cerca de 36 horas - acabou com o domínio Português de 451 anos em Goa encontrando pouca resistência, e integrou o Estado Português da Índia no seu território. 

O último governador do Estado Português da Índia, o general do Exército Português Manuel António Vassalo e Silva caiu, junto com a guarnição portuguesa em Goa, quando da invasão indiana. Vassalo e Silva, com cerca de 3000 homens em armas, teve de se render (e ficaram temporariamente prisioneiros, e em «maus lençóis») perante as forças indianas que contavam com cerca de 40000. Teve no entanto ordem de Oliveira Salazar para que não se rendessem e lutassem até à morte. Como Vassalo e Silva «decidiu» a rendição, face às circunstâncias, foi expulso das Forças Armadas Portuguesas, tendo sido reintegrado após o 25 de Abril.

E no ano seguinte tomava a Ilha de Angediva. À época, o Conselho de Segurança da ONU considerou uma resolução que condenava a invasão, o que foi vetado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. A maioria das nações reconheceram a acção da Índia, no entanto, Salazar recusava-se a reconhecer a soberania indiana sobre os territórios, mantendo-os representados na Assembleia Nacional até 1974, altura em que se deu a Revolução dos Cravos. A partir de então, Portugal pôde restabelecer as relações diplomáticas com a Índia, começando pelo reconhecimento da soberania indiana sobre o antigo Estado Português da Índia. No entanto, aos seus habitantes que o pretendessem foi dada a possibilidade de manterem a cidadania portuguesa.

quarta-feira, 30 de maio de 2018

Paco Bandeira - lá longe onde o sol castiga mais



Musica e canção dedicada a quem andou na Guerra Colonial

Guerra do Ultramar IV

A Guerra no Ultramar - Moçambique


Em Moçambique, o movimento de libertação, denominado Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), efectuou a sua primeira acção nos dias 24 e 25 de Setembro de 1964, num ataque a Chai, na província de Cabo Delgado, estendendo-se posteriormente ao Niassa, Tete e para o centro do território. Porém, um relatório do Batalhão de Caçadores 558 refere acções violentas a 21 de Agostode 1964, na região de Cabo Delgado, como indica o relatório do Batalhão de Caçadores 558. O mesmo relatório refere que, três dias depois, um padre da Missão de Nangololo tinha sido ferido mortalmente. Estas acções foram atribuídas a grupos de guerrilheiros MANU e da UDENAMO.

A 16 de Novembro do mesmo ano, as tropas portuguesas sofriam as primeiras baixas no Norte de Moçambique, região de Xilama. A organização e armamento dos guerrilheiros evoluía rapidamente. Também o acidentado terreno, a baixa densidade das forças portuguesas e a fraca presença de colonos facilitaram a acção da Frelimo, que alargava a sua acção para Sul, na direcção de Meponda e Mandimba, mostrando intenção de ligar-se a Tete, atravessando o Malawi, que apoiou, nos primeiros anos, o trânsito e refúgio de guerrilheiros.

Até 1967, a FRELIMO mostrou-se menos interessada pela região de Tete, exercendo o seu esforço nos dois distritos do Norte, onde a utilização de minas terrestres se destacou de forma particular. No Niassa, a intenção da FRELIMO era simultaneamente criar uma zona livre, e uma zona de passagem para Sul, em direcção à Zambézia

Já em Abril de 1970, a actividade militar da Frelimo aumentou de forma significativa, devido à presença de Samora Machel em Cabo Delgado, onde apresentaria os planos de ofensivas a executar em Junho e Julho.

Até 1973/74, as atenções viravam-se para Cabora Bassa. Os últimos tempos de guerra caracterizaram-se pelo avanço da FRELIMO para Sul, registando acções na zona de Chimoio e agitação das populações de origem europeia. O general Kaúlza de Arriagadisponibilizava-se para continuar o comando, mas impunha condições que o Governo de Lisboa não aceitou. Terminada a sua comissão em Agosto de 1973, foi substituído pelo general Basto Machado. A situação continuaria a deteriorar-se até aos designados "acontecimentos da Beira", em Janeiro de 1974, quando as populações brancas de Vila Pery e da Beira se manifestaram contra a incapacidade das forças portuguesas de suster a situação, já esgotada de efectivos e sem possibilidade do reforço dos meios de combate.

terça-feira, 29 de maio de 2018

Guerra do Ultramar III







A guerra na Guiné colocou frente a frente dois homens de forte personalidade: Amílcar Cabral e António de Spínola, responsáveis pela modelação do teatro de operações na Guiné. Em 1965 dá-se o alastramento da guerra ao Leste (Pirada, Canquelifá, Beli). Nesse mesmo ano, o PAIGC realizou missões no Norte, na região de São Domingos, onde, até ao momento, apenas actuava a FLING, que se via a braços na luta, depois da OUA ter canalizado o seu apoio para o PAIGC. Este, em sequência da sua crescente afirmação internacional, viria a receber apoio militar cubano, que duraria até ao final da guerra.

Pode-se dizer que as forças portuguesas desempenharam, na Guiné, uma força defensiva, mais de manutenção das posições que propriamente de conquista das populações, limitando-se, de uma forma geral, a conter as acções do PAIGC. Por isso, esta época infligiu um grande desgaste para os portugueses, constantemente surpreendidos pelos guerrilheiros e pela influência destes junto da população que, entretanto, era recrutada para o movimento.

Control do PAIGC

Com as decisões de António de Spínola, as forças portuguesas ganhavam um carácter mais ofensivo. Entre 1968 e 1972, sob o comando deste general, conseguiriam manter a situação sob controlo e, por vezes, levar a cabo acções de confirmação das posições estratégicas. Mais: agora lutava-se subversivamente, utilizando a manipulação propagandística que iria afectar os níveis mais altos da hierarquia do PAIGC. Porém, a situação pendeu rapidamente para o lado do PAIGCcarece de fonte que, não obstante o assassínio de Amílcar Cabral, não diminuiu a actividade operacional.

Em Março, o aparecimento dos mísseis anti-aéreos Strela-2 (russo: 9К32 "Cтрела-2"; código NATO: SA-7 Grail), de fabrico soviético, obrigaria as tropas portuguesas a reavaliarem o esforço de guerra. Durante algum tempo, o suporte aéreo ficou, assim, indisponível, o que teve graves repercussões nas tropas, mesmo a nível psicológico.

Marcelo Caetano, em conflito com Spínola, dispensou o general do cargo de governador, que seria ocupado por Bettencourt Rodriguesa 21 de Setembro de 1973. Três dias depois, o PAIGC declarava a independência do novo estado, em Madina do Boé. Curiosamente, nem Spínola nem Bettencourt estavam no terreno durante esta ocorrência.

segunda-feira, 28 de maio de 2018

Guerras do Ultramar II

A Guerra no Ultramar - Angola

Em Angola, a sublevação da ZSN foi efectuada pela União das Populações de Angola(UPA) — que passou a designar-se como Frente Nacional de Libertação de Angola(FNLA) em 1962. A 4 de Fevereiro de 1961, o Movimento Popular de Libertação de Angola reivindicou o ataque à cadeia de Luanda, onde foram mortos sete polícias. A 15 de Março de 1961, a UPA, num ataque tribal, deu origem a um massacre de populações brancas e trabalhadores negros naturais de outras regiões de Angola. Esta região seria reocupada mediante operações militares de grande envergadura que, porém, não conseguiram conter o alastramento das acções de guerrilha a outras regiões de Angola, como Cabinda, o Leste, o Sudeste e planalto central. Ao MPLA, que desempenhou um papel fundamental, há a acrescentar, a partir de 1966, a acção da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA).


Matas de Agola

Com motivações essencialmente tribais, e dirigidos de forma autocrática por Holden Roberto, a actividade da UPA caracterizou-se pela guerrilha rural, realizada por pequenos grupos armados, e pelo massacre de populações, como já se previa na sua primeira acção. Com catanas e algumas espingardas, os canhangulos, procuravam apoderar-se das armas das fazendas e postos administrativos atacados. Não manifestaram interesse em consolidar o domínio territorial, conseguido nos primeiros dias, nem foi apresentado qualquer programa político.

Em Angola, os efectivos militares contavam, no início de 1961, com 5000 militares africanos e 1500 metropolitanos, organizados em dois regimentos de infantaria — um em Luanda e outro em Nova Lisboa (actual Huambo) — cada um com dois batalhões de instrução e outro de atiradores) e um grupo de cavalaria, sediado em Silva Porto. A densidade média era, portanto, de um soldado para cada 30km². Imediatamente disponíveis para acorrer à zona afectada estavam apenas mil soldados europeus e 1200 africanos.

domingo, 27 de maio de 2018

Guerras do Ultramar - I

Guerras do Ultramar

Entre 1960 e 1974 estiveram envolvidos nas guerras do ultramar, cerca de um milhão e meio de soldados portugueses. Infelizmente, as razões políticas que se opunham a essas guerras, têm tido até hoje mais força, do que o sacrifício de todos aqueles lhe nelas foram obrigados a participar, e a vozes que se ouvem contando a origem e a história dessas guerras , são infelizmente, as daqueles dos que por objecção de consciência ou por comodidade pessoal, saíram para fora de Portugal e nelas não quiseram participar. Durante os tempos de Oliveira Salazar, afixaram-se pelas paredes de Portugal, muitos cartazes de propaganda, em que entre muito outras coisas se puderam ler de Camões, canto IV, estrofe XXXIII :

"Dizei-lhe que também dos Portugueses / Alguns traidores houve algumas vezes"

Claro que Camões não se referia ao século XX, mas sim àqueles portugueses, que nos tempos de D. João I, se passaram para o lado de Castela e combateram contra os interesses nacionais de Portugal. É certo que hoje se pode aceitar que para esses portugueses, a noção de respeito pela sucessão dinástica era mais importante que a noção de pátria portuguesa,compreendendo a sua tomada de posição nessas guerras. 
O que seria inaceitável, era que esses portugueses que combateram por Castela, tivessem escrito a história lusitana sob o seu ponto de vista, esquecendo ou minimizando aqueles que realmente, combateram e sofreram por Portugal. Assim os combatentes das guerras do ultramar, deverão deixar de se esconder como se fossem criminosos e gritar orgulhosamente como os espartanos de Leónidas - dizei a Portugal, que morremos, por obedecer às suas ordens -. 
"Para lá dessa dimensão de combatentes ao serviço de um regime iníquo eles foram e são, sobretudo, portugueses que na sua juventude se viram roubados aos campos e à fome para embarcarem na maior aventura da sua vida.
Partiram sem pedir nada, combateram ao serviço do País, morreram ou regressaram em silêncio à vidinha de sempre, aquela que só puderam reatar depois da interrupção forçada pela guerra. Não são portugueses de direita nem de esquerda, são uma geração sacrificada que deve ser respeitada."


Monumentos aos mortos em Oeiras



"...Os Homens só morrem quando a Pátria se esquece deles.."

Em Fevereiro do ano 2000, 26 anos depois de terem terminado as guerras do Ultramar, o Presidente da República, Dr, Jorge Sampaio, descerrou no Monumento aos mortos nas Guerras do Ultramar, junto à Torre de Belém em Lisboa, cerca de 180 lápides com os nomes gravados dos cerca de 9.000 portugueses mortos em combate. É impressionante e digno de uma romagem de reconhecimento pelo seu esforço, e respeito pelo seu sacrifício.

sexta-feira, 25 de maio de 2018

Angola - quartel dos Dragões de Angola passa a património Nacional

O Quartel dos Dragões de Angola passa a património nacional de Angola

Foto da Internet

O edifício foi construído em 1959 "é um testemunho físico de importantes acontecimentos da história recente" de Angola
O antigo Quartel dos "Dragões de Angola", infantaria a cavalo do Exército português, construído no período colonial no município do Cuíto, na altura conhecido como Silva Porto, foi classificado pelo Governo angolano como Património Histórico-Cultural.
A decisão consta do decreto executivo 58/18 de 20 de abril, assinado pela ministra da Cultura de Angola, Carolina Cerqueira, conferindo a classificação ao imóvel, que ainda alberga funções militares das Forças Armadas Angolanas, na província do Bié.
Em 1966, durante as Guerra Colonial partiram deste quartel no centro de Angola as últimas unidades a cavalo do exercito convencional

Segundo informações do decreto-lei acedido pela Lusa, "o Quartel dos Dragões é um edifício de 1959 e um exemplar do movimento modernista, assim como um testemunho físico de importantes acontecimentos da história recente" de Angola.

Os designados "Dragões de Angola" chegaram a movimentar 400 cavalos
Em 1966, durante a guerra colonial, partiram deste quartel no centro de Angola as últimas unidades a cavalo de um exército convencional, já numa altura em que o país assistia à mecanização completa de meios. Nesse ano foi constituído um pelotão de Dragões (tradicional infantaria a cavalo), integrado no Grupo de Cavalaria n.º 1 (GCav1), com sede em Silva Porto, atual Cuíto, capital do Bié.
O sucesso das unidades criadas para atuar no interior leste de Angola, utilizadas em batidas e no apoio às forças regulares, levou à formação de uma companhia de atiradores de cavalaria dentro do Exército português.
Os designados "Dragões de Angola" chegaram a movimentar cerca de 400 cavalos, importados da Argentina e da África do Sul.

1961: O ano do início da Guerra no Ultramar


1961: O ano do início da Guerra no Ultramar Há 50 anos, o país embarcou na guerra colonial. O conflito sangrento, que se prolongou por 13 anos, começou em Angola.



O ano de 1961 foi o pior do salazarismo. Em Janeiro, depois da constipação, a gripe atacou fortemente o presidente de Conselho. A debilidade de saúde de Oliveira Salazar podia ser interpretada como mau presságio. E com razão de ser. O ano decorreu difícil na metrópole - com o lento início do fim do Estado Novo - e nas colónias, com o eclodir da guerra, onde morreram 8803 militares portugueses e 15 507 ficaram portadores de deficiência permanente. A guerra começou a desenhar-se em Angola. Ao massacre da Baixa do Cassange, sucede a 4 de Fevereiro o assalto às prisões e à esquadra da PSP na capital angolana. A 15 de Março, deflagraram sangrentos ataques no Norte.

PRIMEIRO MASSACRE O dia ficou na história como feriado nacional em Angola: 4 de Janeiro de 1961. Milhares de agricultores da antiga Companhia Geral de Algodão de Angola (Cotonang) teriam sido mortos - reclamam os angolanos - pelos militares portugueses, na Baixa do Cassange, distrito de Malange, como resposta a manifestações exigindo melhores condições de trabalho e a abolição do trabalho forçado. O então segundo-sargento miliciano José Moura (hoje com 76 anos), da 3ª Companhia de Caçadores Especiais, a única tropa portuguesa no terreno àquela data, conta: "Não houve mortos nenhuns feitos pela nossa Companhia até ao dia 2 de Fevereiro. Nesse dia, estávamos na Baixa do Cassange, mas não matámos ninguém. Quem lá estava também era a PIDE, a fazer interrogatórios, e se mataram alguém... é possível." Já a 11 de Janeiro de 1961, estala a revolta - instigada por emissários da União dos Povos de Angola (UPA), vindos do ex-Congo Belga. A onda de rebelião varre toda a Baixa do Cassange, causando a morte de um capataz da Cotonang. No dia seguinte, um pelotão da 3ª Companhia de Caçadores Especiais, comandado pelo tenente Silva Santos, é rodeado por um grupo numeroso de revoltosos. O chefe deste grupo só se dispõe a falar ao tenente se as suas forças depusessem as armas. O que veio a acontecer. Silva Santos levou os líderes daquele grupo ao chefe de posto administrativo de Milando. E assim se acalmaram os ânimos. Os dias seguintes foram de tensão, mas não ficaram marcados por confrontos. Em Malange, no dia 1 de Fevereiro à noite, os militares da 3ª Companhia são chamados ao quartel, quando alguns, entre eles José Moura, estavam no cinema a ver o filme ‘Orfeu Negro'. Um comerciante de Cunda Ria-Baza tinha estado reunido com o comandante da Companhia, contando-lhe da aproximação de uma invasão daquela localidade pela UPA. Era já uma da madrugada do dia 2 de Fevereiro quando, debaixo de fortes chuvadas, partiu para Cunda Ria-Baza um ‘pelotão menos' - com cerca de 20 homens - da 3ª Companhia de Caçadores Especiais. Ao amanhecer, os militares ouvem a ira popular: "Vai-te embora, branco." Por volta das 11h00, os Caçadores chegaram à povoação. "Mandei instalar a metralhadora no telhado de um prédio colonial de um comerciante" - recorda José Moura. O pelotão dividiu-se em dois sectores, presumindo a passagem dos revoltosos. Um dos grupos militares, comandado pelo segundo-sargento Moura, abrigou-se atrás do murete da varanda do mesmo edifício. "Veio um numeroso grupo. Eu disparei para o ar, umas duas ou três vezes, a pistola-metralhadora FBP, dando sinal para eles pararem. Mas não obedeceram. Faço então uma rajada para o meio do grupo, o que também não os impediu de avançar. Dei ordem a um soldado atirador especial, e ele disparou sobre o líder do grupo, que era uma espécie de feiticeiro. O tiro foi certeiro." O grupo, que tinha sofrido 11 baixas, dispersou e não foram disparados mais tiros. "O fulano que ia catequizar aquele povo [o feiticeiro] dizia para eles não temerem, que as balas dos brancos eram de água" - recorda. Ali permaneceu aquele pelotão, aguardando pela chegada da 4ª Companhia. No dia 3, chega a Malange o major Rebocho Vaz, vindo de Luanda, com um pelotão para formar o Batalhão Eventual. E já no dia 5 - depois do ataque à esquadra de Luanda, a 4 -, é a vez de chegar a Malange a 4ª Companhia de Caçadores Especiais, que parte de imediato para Cunda Ria-Baza ao encontro daquele pelotão da 3ª Companhia. Pelo caminho, cruzam--se com um grupo rebelde que pretendia assaltar a povoação de Quela. "As nossas tropas circundaram uma sanzala, e dois cabos da 4ª Companhia foram atingidos mortalmente por fogo amigo" - diz José Moura. "São as duas primeiras baixas da guerra", defende. No meio de todos os acontecimentos, o centro de transmissões do Comando Militar de Angola envia uma mensagem ao comando-chefe da Defesa Nacional, relatando os primeiros episódios na Baixa do Cassange: "Malange informou [dia 4, às 23h30] comerciante branco digno de confiança saído Riobaza [dia 4, às 17h00] comunicou força localidade teve actuar fogo abatendo 11 indígenas grupo 150 entre quais uma espécie de feiticeiro agitador já referenciado. (...) Nenhuma baixa nosso lado. Um indígena antes morrer declarou ter sido enganado vistas nossas armas dispararem balas e não água como propalavam(...)." Os acontecimentos na Baixa do Cassange estenderam-se até Março. Nesta altura, a Força Aérea intervém. Logo a 6 de Fevereiro, um Lockheed PV-2 Harpoon bombardeia a região. O número de mortos terá ultrapassado os sete mil. 

O PÂNICO EM LUANDA José Dinis (hoje com 90 anos) saiu de Luanda no dia 4 de Fevereiro às sete da manhã. Regressava ao Uíge, pela estradas dos Dembos, com a mulher e os dois filhos no carro. Àquela hora da manhã não se ouviam tiros. Durante a madrugada, um grupo de patriotas angolanos - gente do MPLA e da UPA - desceu dos musseques com 200 homens de catanas e canhangulos em punho, atacando objectivos da estrutura colonial portuguesa como grito de revolta. Gritavam: "Viva Angola!" Tentaram sem êxito tomar de assalto a Casa de Reclusão Militar, o edifício dos Correios e ainda ocupar a Emissora Oficial de Angola. Em simultâneo, assaltaram a cadeia da PIDE no bairro de São Paulo, além da 7ª Esquadra da PSP - esta acção pretendia libertar presos políticos que, constava, iriam ser transferidos para o Tarrafal, em Cabo Verde. Estes grupos queriam também chamar a atenção dos jornalistas estrangeiros que se encontravam em Luanda na cobertura do assalto ao paquete ‘Santa Maria'. José Vítor Silva, que hoje é advogado em Faro, com 56 anos, nasceu e foi criado em Vila Alice - um bairro de colonos europeus endinheirados, localizado a cerca de 500 metros da 7ª esquadra. Conta que, após o assalto ao ‘Santa Maria', a 22 de Janeiro, em Luanda fervilhava o boato de que um ataque estaria iminente. No dia 3 de Fevereiro, às 17h00, pressentindo o pior, o pai de José pega na mulher e nos dois filhos e leva-os para a casa de um familiar que morava mais perto ainda da PSP. Julgavam eles que seria a melhor maneira de se protegerem. "Recordo-me de ouvir tiros, que deveriam ser das pistolas-metralhadoras FBP dos polícias, como reacção ao assalto à esquadra. Ouvimos também tiros disparados por um português que vivia numa casa contígua à porta lateral, que dava acesso às cadeias da esquadra, por onde entraram os angolanos" - recorda José. Os acontecimentos instalaram o medo nas famílias de europeus, que representavam cerca de um terço dos 300 mil habitantes da capital. Manuel Fonseca (hoje com 57 anos) vivia num bairro cercado por musseques: "Não ouvimos nenhum tiroteio. Mas, no dia seguinte, pairava o medo de que as populações dos musseques nos viessem atacar", conta. Organizaram-se em grupos para se refugiarem no centro de Luanda. "Imagino que tenham ficado cerca de 20 pessoas por apartamento. Os homens ocupavam uma sala e as mulheres e crianças ficavam nas outras. Estavam connosco, ao todo, cerca de 60 a 70 pessoas" - conclui José. As horas que se seguiram aos ataques foram de "caça ao homem". Muitos revoltosos foram presos - em rusgas feitas por duas companhias de caçadores, polícias, elementos da PIDE e cipiaios (polícias da administração portuguesa). A 22 de Março, foi detido - e depois deportado para Portugal - o cónego da Sé Catedral de Luanda, Manuel Mendes das Neves, de quem se dizia ter sido ele a dar ordem de revolta. Os ataques de 4 de Fevereiro resultaram num elevado número de feridos e quatro a cinco dezenas de mortos entre os elementos atacantes. Por parte dos portugueses, morreram sete polícias e um soldado. "Gerou-se o pânico. Enquanto decorriam as cerimónias fúnebres, eu vi um africano ser morto mesmo ao pé de mim. A polícia matou-o" - recorda José Vítor Silva. "Ouviam-se tiros... Havia um sentimento de represália a quem tivesse a cor negra." A partir daí, as pessoas passaram a fazer sentinelas às casas e aos bairros. 

FOTÓGRAFO DE GUERRA Fernando Farinha (hoje com 70 anos) não lia jornais, porque, dada a distância a que se encontrava de Luanda, nem lhe passavam pelas mãos. Tinha 19 anos e estudava na Escola de Regentes Agrícolas de Tchivinguiro, antiga Sá da Bandeira. Quando em Março viajou, de férias, para Luanda, foi surpreendido. O director do jornal ‘O Comércio' - seu grande amigo - perguntou--lhe se queria ir para o aeroporto ouvir e fotografar as pessoas que chegavam do Norte. aterrorizadas. "Nem sequer sabia fotografar" - diz. A 21 de Março, foi criada uma ponte aérea que transportou para Luanda mais de 3500 portugueses residentes no Norte. Como relata um cartaz de acção psicológica alusivo aos acontecimentos de 15 de Março, que se iniciaram na zona dos Dembos e da fronteira com o antigo Congo Belga: "Dia da chacina de milhares de portugueses de todas as cores e etnias não foi esquecido!" Este dia marcou para sempre o início da rebelião dirigida pela UPA, no Norte de Angola - numa altura em que o MPLA se tentava afirmar - mobilizando os negros bacongos, de catanas na mão, para a chacina. Atacaram povoações, postos administrativos e fazendas. Mataram brancos e angolanos que trabalhavam nos cafezais. "Senti pena daquela gente que estava ali: a umas, tinha-lhes morrido o marido; os filhos; outros nem sabiam da família. Era uma grande catástrofe" - conta Fernando Farinha, recordando-se do aeroporto. Tornou-se repórter de guerra. E vai para o Caxito, onde estava estacionado o 1º Esquadrão de Cavalaria - os "Dragões de Silva Porto". "O alferes Marinho Falcão aceitou levar-me com eles numa escolta a uma coluna de automóveis civis. Mais tarde, quando chego ao Úcua, apercebo-me de que estão a preparar uma grande operação militar: a recuperação de Nambuangongo", conta o fotógrafo. Esta vila, a 200 quilómetros de Luanda, estava transformada no quartel-general da UPA. A Operação Viriato, que se iniciou a 10 de Julho, ficaria marcada como uma das mais emblemáticas do Exército, envolvendo centenas de militares, neste início de guerra. "No caminho Úcua-Nambuangongo, andámos sempre debaixo de fogo. Íamos pela estrada e de repente era uma chuva de tiros. Durante os ataques, se eu vi dois ou três guerrilheiros, foi muito. Eles eram rápidos e estavam bem escondidos", prossegue Fernando Farinha. No dia 9 de Agosto, o Batalhão de Caçadores 96 reconquistou Nambuangongo e, às 17h45, três soldados hastearam a bandeira de Portugal na torre da igreja, bastante danificada. Foi o primeiro ponto estratégico a ser recuperado, mas ainda havia muita Guerra Colonial pela frente, que Fernando Farinha acompanhou até 1974. Este era apenas o início do fim. "PARA ANGOLA, RAPIDAMENTE E EM FORÇA!" No dia 11 de Abril seguia-se a tentativa de golpe de Estado do ministro da Defesa, o general Botelho Moniz, que pretendia substituir Salazar por Marcelo Caetano e encontrar uma solução para a guerra em Angola, que prometia alastrar a Moçambique e Guiné. Antes da concretização do golpe, Salazar - que tardava a enviar tropas para o teatro de operações - fez uma remodelação governamental e assumiu ele próprio a pasta de Botelho. Dia 14, na televisão, Salazar dirige-se ao País para dizer: "Para Angola, rapidamente e em força!" Passava um mês sobre os massacres no Norte de Angola. Desde 1960 que esta colónia portuguesa tinha apenas 5000 militares do recrutamento local e 1500 enviados por Lisboa. Até ao final do ano, com a nova ordem de Salazar, seriam 33 mil homens. Ao longo dos anos, ficou sempre por responder a pergunta de que se Salazar tivesse reagido antes, teriam ou não sido evitados os massacres de 15 de Março.
 CRONOLOGIA

quinta-feira, 24 de maio de 2018

Ao lado dos portugueses, combatiam em Angola... de arco e flecha

Eram bosquímanos e odiavam os independentistas da UNITA, FNLA e MPLA. Exímios pisteiros, moviam-se na noite, matavam com setas envenenadas e foram o terror do inimigo. Eram os Flechas


 Se perguntar a um português o que tem a dizer sobre os bosquímanos é provável que obtenha uma resposta vaga sobre África, mas se acrescentar que os protagonistas do famoso filme Os Deuses Devem Estar Loucos (1980) eram bosquímanos produz-se então uma ideia mais clara deste povo 
simpático, franzino e primitivo.

E, ainda, se o seu interlocutor for um ex-combatente em Angola, é possível que a palavra "bosquímano" lhe traga outras razões para sorrir. E que a seguir lhe fale dos Flechas. Prepare-se para o ouvir, porque a história é boa.
Começou tudo em 1967, ia a guerra pela Independência em Angola com meia dúzia de anos. Os Flechas nasceram no Cuando-Cubango, província no Sudeste do país onde o MPLA e a UNITA já combatiam a potência ocupante.
Era necessário à PIDE um melhor trabalho no terreno e a ideia de criar uma tropa especial de bosquímanos surgiu de uma conversa entre Óscar Cardoso (ver caixa) e Manuel Pontes, ex-administrador português na região, figura respeitada entre os locais
.
Amarrados como escravos

Os bosquímanos tinham as aptidões para a tarefa e tinham sobretudo um motivo: odiavam de morte os bantus, a etnia dominante na região subsahariana.


Fernando Cavaleiro Ângelo, oficial da Marinha de 47 anos e autor do livro agora lançado, Os Flechas – A Tropa Secreta da PIDE/DGS na Guerra de Angola (editora Casa das Letras), diz à SÁBADO que os bantus tratavam os bosquímanos como inferiores, "há registos, por exemplo, de os terem amarrados, como escravos". A aliança entre portugueses e bosquímanos era o clássico chavão inimigo do meu inimigo, meu amigo é.
Começaram por ser apenas oito, depois foram 60 e chegaram a passar os 1.000. As missões eram simples, como detectar acampamentos inimigos e recolher informações (papéis, mapas e planos).

Matar não era uma pioridade, mas os Flechas matavam. Baixos e esguios, no confronto físico não teriam qualquer hipótese – como matavam, então?
Daqui nasceu a reputação dos Flechas. Como o mato era o seu terreno há milhares de anos, "alimentavam­-se do que a terra dava. A primeira vez que lhes deram rações de combate, comeram os plásticos... Foi uma lição: tinham de os deixar no estado primitivo", diz o autor do livro.
Rápidos e silenciosos na noite, não gostavam de ter brancos ao seu lado. "Em missões conjuntas com portugueses, tiveram de proibir o uso de after-shaves e espumas da barba. Eram logo detectados pelo cheiro."



Ainda que numa fase posterior os portugueses os tivessem treinado com pequenas armas de fogo, as flechas envenenadas com que matavam animais no mato eram o seu segredo na Guerra Colonial. "O veneno atacava o sistema nervoso central, os inimigos ficavam paralisados, de olhos abertos, a ver a morte a chegar."



Após o fim da guerra, os Flechas foram perseguidos (alguns mortos) e refugiaram-se em territórios da actual Namíbia.


O cérebro


Óscar Cardoso, 81 anos, é o pai da criação dos Flechas. A sua vida dava um filme. Estudou no Colégio Moderno, entrou na Legião Portuguesa e fez tropa na Índia. Regressou a Portugal, entrou na GNR e depois, em 1965, na PIDE. Foi destacado para Angola em 1966. Foi preso no 25 de Abril, mas fugiu numa saída precária e foi para a Rodésia (hoje Zimbabwe).

Texto originalmente publicado na edição da SÁBADO n.º 671 de 9 de Março de 2017.


quarta-feira, 23 de maio de 2018

Investigar a guerra colonial

Historiador quer investigar a guerra colonialEm 17/3/2015

O historiador Nuno Pereira defendeu a necessidade de realizar uma investigação sobre a memória da guerra colonial, "um dos maiores tabus da história portuguesa", enquanto há ainda testemunhas vivas.

O historiador Nuno Pereira defendeu esta terça-feira a necessidade de realizar uma investigação conjunta, por especialistas africanos e de Portugal, sobre a memória da guerra colonial, enquanto há ainda testemunhas vivas. “A história oficial diz pouco. É preciso aprofundar os factos (…), devemos aproveitar que ainda há muitas testemunhas”, disse à agência Lusa o historiador, que participa hoje numa conferência sobre a luta pela independência das ex-colónias portuguesas de África.


Para o historiador, é fundamental desenvolver uma investigação de história e um trabalho de memória sobre este período, em parceria com investigadores dos países africanos e de Portugal. Segundo Nuno Pereira, a guerra colonial é “provavelmente um dos maiores tabus da história portuguesa”.

Na sua apresentação, o historiador, especialista em militância política, vai abordar os movimentos de solidariedade internacional da Suíça nos anos 1960 e 1970 que apoiaram as lutas de libertação em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau.

Na conferência participa ainda o secretário executivo da Comissão Económica para África da ONU, o guineense Carlos Lopes, que vai abordar o papel e herança de Amical Cabral, o pai das independências da Guiné-Bissau e Cabo Verde.

Por ocasião dos 40 anos de independência das ex-colónias portuguesas de África, a associação de estudantes de história da Universidade de Genebra, a associação Atelier – história em movimento, o Centro Europa Terceiro mundo, e a Comissão de gestão de taxas de Universidade de Genebra organizam dois dias de debates dedicados à solidariedade internacional e aos movimentos independentistas.



segunda-feira, 21 de maio de 2018

Desertores da Guerra Colonial

Mais de oito mil soldados desertaram da Guerra Colonial


O número de militares do Exército Português que desertaram entre 1961 e 1973 ultrapassou os oito mil, segundo uma investigação que vai ser apresentada num colóquio sobre deserção e exílio.

O número de militares do Exército Português que desertaram entre 1961 e 1973 ultrapassou os oito mil, segundo uma investigação dos historiadores Miguel Cardina e Susana Martins que vai ser apresentada num colóquio sobre deserção e exílio.
“Este número, baseado em fontes militares, é um número que peca por defeito e refere-se ao período entre 1961 e 1973. É bastante acima de oito mil e é um número importante porque, até agora, não tínhamos dados sobre o pessoal já incorporado”, disse à Lusa Miguel Cardina, um dos autores da análise histórica sobre o fenómeno da deserção da Guerra Colonial.
Miguel Cardina antecipou à Lusa algumas das conclusões do estudo que será apresentado na próxima quinta-feira na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, em Lisboa.
Tínhamos algumas referências a números mas eram parcelares e faziam eco de um certo tipo de deserções. O que nós vamos mostrar é que a deserção é um fenómeno mais complexo do que aquilo que se considerava”, explicou.
Os historiadores do Centro de Estudos Sociais (CES), da Universidade de Coimbra, vão apresentar os dados finais do estudo no colóquio “O (as)salto da memória: histórias, narrativas e silenciamentos da deserção e do exílio”, que se realiza na quinta-feira.
De acordo com os investigadores, o número definitivo do novo estudo sobre militares que desertaram da Guerra Colonial “pode pecar por defeito” porque ainda não é possível contabilizar os dados referentes a todos os territórios e o estudo tem como base apenas fontes do Exército.
O Código de Justiça Militar definia como desertor aquele que não comparecia na instalação militar a que pertencia num prazo limite de oito dias.
Segundo Miguel Cardina, para compreender o fenómeno da recusa de ir à guerra, além dos militares que desertaram, é preciso também considerar os refratários – jovens que faziam a inspeção mas que fugiam antes da incorporação – e os faltosos, que nem sequer faziam a inspeção militar.
“Temos dados que indicam que entre 1967 e 1969 cerca de dois por cento dos jovens que são chamados à inspeção foram refratários. Este número é certamente superior ao número dos desertores. Os faltosos são aqueles que nem sequer se apresentam à inspeção. Dados de 1985 do Estado-Maior do Exército indicam que cerca de 200 mil terão abandonado o país. Na década de 1970, cerca de vinte por cento dos jovens que deveriam fazer a inspeção já não se encontravam no país”, indicou o historiador do CES.
Para Miguel Cardina, o “processo de afastamento e fuga” da estrutura militar deve ser estudado com profundidade e, por isso, o estudo começa pelos desertores – porque não existiam números conhecidos até ao momento – mas frisou que é preciso considerar as outras categorias: os refratários e os faltosos.
“Temos de colocar estas três categorias na mesma equação, sabendo que elas são diferentes e têm uma ligação com o fenómeno da guerra, também ela diferente. É natural que, no quadro dos faltosos, a guerra possa estar presente mas não tem o mesmo peso que tem nos refratários e também nos desertores”, explicou.
Segundo o historiador, o “fenómeno dos faltosos” cruza-se com o fenómeno da emigração, sendo que uma boa parte destes jovens não estavam a “fugir da guerra” mas também da falta de perspetivas de futuro, ou seja, “a guerra podia ser” uma das motivações para o ato de emigrar.
A primeira conclusão do estudo indica, sobretudo, que a Guerra Colonial tem ainda aspetos de natureza historiográfica que é preciso aprofundar e torna evidente que a temática do exílio, da deserção e da recusa da guerra precisa de ser estudada.
Para o historiador, a ação do Movimento das Forças Armadas (MFA), em 1974, “é sem dúvida central” mas o processo revolucionário que se desencadeia logo a seguir só pode ser compreendido se percebermos que havia forças políticas e sociais que vinham a construir uma outra forma de olhar o país e a construir uma contestação à ditadura e à guerra colonial.
Sobre os militares que desertaram, Miguel Cardina indicou que “todas as histórias de fuga são individuais” e que, por isso, devem ser tidos em conta os portugueses que vão para a África e que desertam das colónias, refugiando-se em Argel ou na Europa, assim como os africanos incorporados nas forças portuguesas.
Cardina frisou que, nos anos finais do conflito colonial, há um fenómeno de africanização das tropas, “porque havia pouca gente e, por isso, havia necessidade de soldados para a guerra”, verificando-se que muitos africanos incorporados na tropa portuguesa constituem, em muitos casos, um fluxo específico de deserção.
O colóquio foi organizado pela Associação dos Exilados Portugueses (AEP61-74), Centro de Documentação 25 de Abril, Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA) e Instituto de História Contemporânea.
Presentes, além de Miguel Cardina e Susana Martins, os historiadores Rui Bebiano, do Centro de Documentação 25 de Abril, Victor Pereira, da Universidade de Pau, em França, e os historiadores Irene Pimentel, Sónia Ferreira, Cristina Santinho, Sónia Vespeira de Almeida e Cristina Santinho.

sexta-feira, 18 de maio de 2018

Museu do Combatente

MUSEU DO COMBATENTE - Forte do Bom Sucesso (Junto à Torre de Belém)
Considerações Gerais - A história de Portugal, desde a sua fundação, em 1143, até aos nossos dias, foi sempre cimentada no terreno através de construções mais ou menos sumptuosas, conforme os feitos e as disponibilidades, monumentos, padrões etc.

Estes marcos históricos mantêm viva a história de Portugal e, consequentemente, o nome daqueles que se bateram por Portugal nos mais diversos campos (culturais, militares, religiosos, etc.). Se percorrermos Portugal de Norte a Sul constatamos o que referimos anteriormente e, por isso, há necessidade de se dar continuidade a esses marcos históricos que lembram aos presentes o que foi Portugal até aos nossos dias e aos vindouros o que foi Portugal no tempo dos seus ascendentes. Dentro dessa continuidade tomou-se imperioso passar "à pedra" a memória daqueles que tombaram em defesa de Portugal no antigo Ultramar e homenagear todos aqueles que serviram Portugal como simples combatentes. Foi assim que nasceu a ideia de construir em Lisboa um "Monumento aos Combatentes do Ultramar" monumento nacional, por envolver todos aqueles que lutaram ao serviço de Portugal, enquanto que ao nível de muitos concelhos já existem monumentos equivalentes mas com características regionais uma vez que apenas abrangem os naturais desses concelhos.



O Monumento
 - Objectivos
Para que se pudesse conceber o Monumento houve que definir objectivos, sendo os mais importantes, os seguintes:
  1. Cumprir um acto de justiça, de homenagem àqueles que, como Combatentes, serviram Portugal no ex-Ultramar português;
  2. Exercer uma acção cultural e pedagógica de exaltação do amor a Portugal;
  3. Traduzir de uma forma simples, mas duradoura e pública, o reconhecimento de Portugal a todos esses combatentes

Local de Construção

Uma vez definidos os objectivos a tomar em conta no projecto do Monumento, houve que escolher o local em que este deveria ser implantado. Assim, e com a concordância do Exmo. Senhor Ministro da Defesa Nacional, do Estado-Maior do Exército, do IPPAR e da Câmara Municipal de Lisboa, foi decidido construir o Monumento junto ao Forte do Bom Sucesso, tomando em consideração o seguinte:
  1. Grande dignidade e tradições ímpares ligadas à nossa epopeia do Ultramar;
  2. Fácil acesso ao público;
  3. Fácil acesso a altas entidades, nacionais e estrangeiras, para a realização de actos solenes de homenagem à memória dos nossos Combatentes;
  4. Espaço adequado para a colocação de forças militares a integrar nas cerimónias de prestação daquelas homenagens;
  5. Possibilidade de integrar o Monumento no Forte do Bom Sucesso, constituindo este um complemento do próprio Monumento onde poderão ser instalados órgãos didácticos e de apoio que permitam evocar a acção dos nossos Combatentes ao longo da nossa história e mostrar outros aspectos tais como, toda a monumentalidade da zona em que se situa o Monumento.

Implementação e execução do Monumento

Para o efeito foi constituída uma Comissão Executiva em 1987/07/09, por mérito próprio, pelas Liga dos Combatentes, Sociedade de Geografia de Lisboa, Sociedade História da Independência de Portugal, Associação de Comandos, Associação dos Combatentes do Ultramar, Associação da Força Aérea Portuguesa, Associação dos Especialistas da Força Aérea Portuguesa, Associação dos Deficientes das Forças Armadas. A presidência da Comissão foi atribuída à Liga dos Combatentes que promoveu todas as diligências, angariação de fundos, projecto, concurso público de adjudicação e execução. A obra foi iniciada em 1993 e inaugurada em 1994/01/15 em acto público presidido por Sua Excelência o Presidente da República. 
Os objectivos a contemplar e a escolha do local, tendo em consideração os parâmetros referidos anteriormente, conduziram à solução em presença, que procura traduzir, através de um simples pórtico de grande dimensão o seguinte:
  1. Grande pureza formal e simbólica;
  2. Grande simplicidade e carácter unitário;
  3. A união entre todos os povos envolvidos na guerra do ex-ultramar português, sem constrangimentos nem ressentimentos.

A homenagem a todos que morreram por Portugal, é feita através das lápides colocadas na própria parede do Forte em que, a par das lápides nominativas, elaboradas, segundo as listas oficiais por anos e por ordem alfabética, existem duas lápides com o escudo nacional em que, na primeira, se faz referência a todos os combatentes envolvendo mesmo aqueles que, eventualmente, não constem nominativamente das lápides já referidas e na segunda, lhes é prestada a homenagem de Portugal. A frieza da geometria do Monumento é quebrada pela "chama da Pátria" que, ao manter-se sempre acesa, simboliza a perenidade de Portugal e a sua continuidade através dos séculos. Todo este conjunto, Monumento propriamente dito, e a sua envolvente, utilizando já as paredes do Forte, constituem um todo, que simboliza a homenagem de Portugal a todos os Combatentes que ao longo da nossa história defenderam os ideais nacionais e a continuidade de Portugal como País independente.

quarta-feira, 16 de maio de 2018

SPM - Serviço Postal Militar

O Correio durante a Guerra Colonial 
José Aparício 

Com a deslocação para África de grandes efectivos militares a partir de 1961, as Forças Armadas Portuguesas foram confrontadas com a necessidade óbvia de fazer chegar "O Correio" a todos os locais onde estivessem estacionadas unidades militares. 
Naturalmente, a grande maioria das forças do exército encontrava-se dispersa no mato em grandes áreas, onde não havia estações dos correios normais, muitas vezes em locais isolados e inóspitos, alguns de muito difícil acesso. 
Do antecedente o Exército Português tinha a experiência vivida na Flandres durante a 1ª Grande Guerra, quando foi criado, aprovado, e posto em execução o "Regulamento do Serviço Postal do Corpo Expedicionário Português - CEP" que serviu as tropas portuguesas em França em 1917 e 1918. 
No final dos anos 50 início da década de 60, houve necessidade de tornar operacional a Chefia do Serviço Postal da Divisão quando o Exército constituiu e tornou operacional a divisão "Nuno Álvares" integrada no SHAPE. O activar deste serviço nas grandes manobras que então ocorriam durante todo o mês de Setembro em Santa Margarida, e que envolviam cerca de 10,000 militares, aconteceu nas manobras de 1960. Para exercer as funções de chefia desse serviço postal, o Estado Maior do Exército requisitou aos serviços dos Correios um seu funcionário qualificado que graduou em Capitão, e que desempenhou com toda a eficiência a sua missão. Terminadas as manobras este quadro dos CTT regressou à sua anterior situação. 
Quando em 23Jun61 foi decidido criar um serviço de correios militar, o general Câmara Pina, Chefe do Estado Maior do Exército, requisitou de novo aos CTT o mesmo funcionário a quem, depois de graduar de novo em capitão, encarregou expressamente de organizar e pôr em funcionamento um Serviço Postal Militar no Ultramar. 
Nasceu assim o Serviço Postal Militar (SPM) tendo sido o seu primeiro responsável e Chefe do Serviço o capitão miliciano graduado ERNESTO LOURENÇO DIAS TAPADAS, que até ao fim desenvolveu um trabalho notabilíssimo. 
Aproveitando a experiência adquirida pelo Exército português na 1ª Grande Guerra, adaptou o que achou por conveniente, percebeu rapidamente todo a problemática envolvente, e estabeleceu o seu plano de acção eliminando com muita habilidade e diplomacia todas as dificuldades que foram surgindo com os 2 colossos monopolistas, que eram os CTT Continentais e os CTTU do Ultramar, e também com os serviços de Alfandega metropolitanos e ultramarinos. 
A definição dos códigos de endereços foi a tarefa imediata a que a Chefia do SPM se dedicou e que se tornou determinante para o lançamento do serviço. 
Esses códigos eram constituídos por 4 dígitos, dos quais os primeiros 3 definiam a unidade militar, e o ultimo a província ultramarina. Assim, inicialmente o digito 1 correspondia à Índia, o 2 a S Tomé, o 3 a Macau, o 4 a Moçambique, o 5 a Timor, o 6 a Angola, o 7 a Cabo Verde, o 8 à Guiné, e o 9 à Metrópole. 
Devido ao cada vez maior número de unidades em Africa, o critério inicial teve de ser rapidamente alterado, e a atribuição dos IP (indicativos postais) passou a ser feita, pelo EME para as unidades mobilizadas no continente, e pelos respectivos Comandantes Militares nos diferentes territórios para as unidades ali organizadas, mantendo-se sempre o ultimo digito definidor do território de destino. 
Um problema entretanto surgido foi com os navios da Armada que quando saíam das suas localizações iniciais, e navegavam para outros territórios, e de e para a metrópole, recebiam a correspondência com atraso. Para resolver o problema, o 4º digito 1, que inicialmente dizia respeito a Índia, passou a ser atribuído aos navios da Armada, em substituição dos dígitos recebidos inicialmente conforme os locais onde se encontravam 
Após algum tempo, a atribuição de todos os IP foi atribuída a Chefia do SPM. 
Entretanto em Agosto de 1961, depois de difíceis e complicadas reuniões entre o Secretariado Geral da Defesa Nacional , a Administração Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones (CTT) e os Correios Telégrafos e Telefones do Ultramar (CTTU), foi aprovado o celebre "aerograma", considerado um impresso-carta, isento de porte e de sobretaxa aérea, e que era constituído por 1 folha de papel com o peso máximo de 3 gramas, dobrável em 2 ou 4 partes, mas de forma que as suas dimensões depois da dobragem não excedessem os limites máximos de 150x105 mms, e mínimos de 100x70 mms. 
As regras estabelecidas para o endereço a colocar em toda a correspondência a enviar para as unidades expedicionárias obrigavam a que dele apenas constasse o nome, posto, e numero e o indicativo de SPM atribuído. 
A organização geral do SPM consistia numa Chefia em Lisboa, pelo menos uma Estação Postal Principal em cada território, e dentro destes tantas Estações Postais Secundarias quantas as que se revelaram necessárias face ao respectivo movimento postal, e ao numero de PMCs (Posto Militar de Correio), cada um destes apoiando ate 2500 homens. No fim da cadeia, havia em cada unidade um (EDPU) Encarregado da Delegação Postal da Unidade normalmente o(s) cabo(s) escriturário(s) da(s) unidade(s), que recebiam formação especifica para essas funções. 
Em 21Jul61 entrou em funcionamento em Luanda a Estação Postal Militar Principal nº 6, menos de um mês depois da criação do SPM! Quando se iniciaram as hostilidades na Guine e em Moçambique já ali se encontrava completamente operacional o SPM. 
O SPM foi um serviço totalmente constituído por milicianos, nele tendo servido 202 oficiais e 504 sargentos. O seu quadro foi constituído inicialmente apenas por funcionários dos CTT e CTTU, graduados em oficiais e sargentos conforme a sua posição hierárquica nos seus serviços. A partir de 1966 o recrutamento passou a fazer-se entre oficiais e sargentos milicianos da metrópole a quem era dado um curso específico no Centro de Instrução do SPM no Forte do Bom Sucesso em Lisboa. 
O serviço prestado pelo SPM foi notável. Muito para além dos números impressionantes de milhões de aerogramas, cartas, encomendas, vales do correio e valores declarados, por eles tratados e enviados; durante os anos de guerra a expedição média diária foi de 10 toneladas de correio(!!!) para um total transportado de 21 mil toneladas. 
É que nunca falhou, mesmo nos locais mais perigosos difíceis e isolados, e os prazos médios entre a expedição e a recepção eram mínimos. 
Só quem ali viveu esses tempos pode testemunhar o alvoroço e a alegria da chegada do correio, o conforto e ajuda que todos sentíamos pelas noticias da família e dos amigos. 
O SPM foi extinto em 10 de Julho de 1981, cessando toda a sua actividade em 31 de Dezembro de 1981. 
Com a discrição com que iniciaram os seus trabalhos, assim os terminaram, como se nada de especial tivessem feito, naturalmente sem reconhecimento público assinalável. 
O SPM que escolheu como divisa do seu guião "A vida por uma mensagem" bem a honrou ate ao fim. 
Ao Capitão Miliciano ERNESTO TAPADAS, e a todos os que integraram o SPM durante toda a sua existência, é devida uma enorme gratidão por milhões de portugueses; por todos os que, de 1961 a 1975, serviram na Índia, em Africa, em Macau e em Timor, e também por todas as suas famílias que em Portugal mitigavam as saudades e as suas angustias com as noticias dos seus filhos tão longe. 

Os que estiveram na guerra nunca os esquecem! 

Nota: 
A informação relevante acima descrita foi retirada do livro "Historia do Serviço Postal Militar" de Eduardo Barreiros e Luís Barreiros, ISBN 972-9119-65-1

domingo, 13 de maio de 2018

Memórias das Guerras Coloniais



Miguel Cardina, investigador do Centro de Estudos Sociais de Coimbra, venceu uma bolsa do Conselho Europeu de Investigação para estudar a evolução das memórias das guerras coloniais e de libertação. (05-09-2016)

Uma bolsa do Conselho Europeu de Investigação no valor de 1,4 milhões de euros foi atribuída ao investigador do Centro de Estudos Sociais (CES) de Coimbra Miguel Cardina para estudar a evolução das memórias das guerras coloniais e de libertação.
A bolsa do Conselho Europeu de Investigação foi atribuída a Miguel Cardina para concretizar o projeto de investigação “Memórias cruzadas, políticas do silêncio: as guerras coloniais e de libertação em tempos pós-coloniais”, que terá uma duração de cinco anos, anunciou esta segunda-feira o CES da Universidade de Coimbra, em nota de imprensa.
O projeto vai ser realizado em Portugal, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, propondo-se fazer uma “história das memórias das guerras coloniais e das guerras de libertação”, disse à agência Lusa o investigador Miguel Cardina.
A guerra e a luta pela independência deixaram “marcos e legados de diferentes naturezas” e que “têm uma história que se prolonga até aos dias de hoje”, sublinhou.
“Vamos analisar as marcas desse passado e a sua evolução ao longo das décadas, fazendo uma história das inscrições memoriais”, bem como “das políticas do silêncio”, analisando aquilo que poderá ter sido “seletivamente” lembrado e o que foi esquecido “em cada um dos países”.
Para isso, será feita uma análise a material tão diverso como manuais escolares, discursos políticos feitos ao longo dos últimos 40 anos, monumentos ou notícias.
Serão também feitas “entrevistas a antigos combatentes das diferentes forças que estavam no terreno” e será analisado “material disponível na internet”, visto que com o surgimento das redes sociais e blogues “democratizou-se a possibilidade de as pessoas contarem a sua história e articularem memórias”, afirmou Miguel Cardina.
O objetivo será fazer “um retrato detalhado de como a memória foi evoluindo ao longo destas quatro décadas” e analisar a relação de cada sociedade com o seu passado, em torno de “fenómenos tão marcantes que acabaram por construir nações e remodelar relações de nações com o território”, realçou o investigador.
Neste concurso para a bolsa “Starting Grant” do Conselho Europeu de Investigação, que procura apoiar jovens cientistas europeus, contabilizaram-se “3.000 candidaturas”, informou o CES.
Miguel Cardina era à data vice-presidente do conselho científico do CES, tendo recebido o prémio CES para Jovens Cientistas e o Prémio Victor de Sá de História Contemporânea pela sua tese de doutoramento Margem de Certa Maneira. O maoísmo em Portugal: 1964-1974.

sexta-feira, 11 de maio de 2018

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Os filhos "proibidos" da guerra colonial





Os filhos "proibidos" da guerra colonial

A guerra colonial foi um dos períodos mais negros da História de Portugal que ceifou a vida a milhares de jovens obrigados a embarcar para África para defender o império, orgulho do regime fascista. Muitos deles deixaram por lá lá filhos, alguns dos quais procuram ainda hoje reconhecimento e cidadania. 
Por Marana Borges.
1 de Março, 2016 

“Os militares eram o símbolo do poder colonial: homens, brancos, fortes; elas, mulheres, africanas, negras".

Eles são filhos da guerra. Têm pais portugueses, mães africanas. Os pais eram jovens soldados ao serviço de um país que, em plena metade do século XX, ainda se esforçava por conservar as colónias em África; as mães, mulheres pobres que em geral lavavam a roupa das tropas portuguesas durante a guerra na Guiné-Bissau, Angola e Moçambique. Por vezes, colonizador e colonizada apaixonavam-se; outras vezes, elas ofereciam serviços sexuais em troca de dinheiro ou comida. Os filhos nascidos dessa situação são muitos. Centenas. Talvez milhares. Nunca ninguém os contou. Sem registo do pai biológico, vivem estigmatizados nos seus países, onde são conhecidos como “restos de tuga”.

A barreira do medo

Quarenta anos após as guerras coloniais travadas por Portugal nos territórios africanos, alguns destes filhos começam a reivindicar suas origens. Tarefa difícil. Com o aumento da violência e a eclosão da guerra civil nos territórios que conquistaram a independência, as mães queimaram a pouca documentação que pudesse servir para identificar os pais dos seus filhos. Cartas, fotos, até certidões. Temiam as perseguições e frequentes assassinatos contra qualquer suspeito de ter colaborado com a ex-metrópole. Dos filhos, geralmente registados em nome de outro pai, também guardaram segredo. Mas se os apelidos podiam esconder a origem portuguesa, a cor da pele denunciava-a. Vistos como “brancos” no país natal, muitos pagaram caro por isso.

O Império português, glorificado até à exaustão pelo fascismo. No mapa de 1934

Um deles é Fernando Hedgar da Silva. Camionista,vive na Guiné-Bissau. Dedicou grande parte de sua vida à procura do paradeiro do pai. Não teve sucesso. Aos 48 anos, ainda se sente discriminado, “meia pessoa”. “Todo o filho tem o direito de conhecer quem o gerou”, disse por telefone ao Opera Mundi. Em 2014, foi à Embaixada de Portugal na Guiné, que lhe comunicou ser o pai quem devia reconhecer o filho, e não o Estado. O cônsul, contudo, prometeu analisar o caso e depois entrar em contato com ele Fernando ainda espera uma resposta. Agora está à frente de uma associação com 50 desses filhos, e reclama o direito à cidadania portuguesa.

Sem registo do pai biológico, vivem estigmatizados nos seus países, onde são conhecidos como “restos de tuga”.

Uma questão particular ou de Estado ?

Esta batalha depende da forma como se interpreta a questão, ou seja, estamos perante um assunto particular ou de Estado. Aosamerasians, como ficaram conhecidos os filhos de mulheres vietnamitas com militares norte-americanos nascidos durante a Guerra do Vietname (1955-1975), a quem os Estados Unidos concederam, nos anos 80, após um intenso debate público, o estatuto de imigrante. Não houve exigência em provar a paternidade – bastavam os traços físicos. Cerca de 26 mil filhos emigraram para os Estados Unidos, apesar de apenas 3% deles terem logrado reencontrar seus progenitores.

Mas em Portugal – que enviou para o continente africano cerca de um milhão de militares durante os 13 anos de guerra colonial (1961-1974) – o assunto ainda é tabu. Contatado pelo Opera Mundi, o ministério de Negócios Estrangeiros, responsável pelas relações externas do país, absteve-se de comentar o caso, alegando que este “nunca foi confrontado com essa questão ou com situações concretas”.

A primeira (e única) pessoa a dar projeção nacional ao tema foi Catarina Gomes, repórter do jornalPúblico, com uma série de reportagens(link is external), uma das quais obteve este ano o Prémio Internacional de Jornalismo Rei da Espanha. Descobriu o assunto por acaso, durante um trabalho de campo para escrever um livro sobre a guerra colonial. Depois, criou um canal online para receber informações sobre pais e filhos(link is external). Assim encontrou António Bento, que aceitou o convite para regressar a Angola e conhecer o filho que deixara ainda na barriga de sua parceira de então, por quem se apaixonara aos 23 anos.

Do machismo às desigualdades sociais e económicas

António é um caso raro de um pai à procura do filho. Procurou-o toda a vida. A maioria dos ex-combatentes colocou uma pedra sobre o assunto. Casado, com duas filhas e residente numa pequena cidade de 11 mil habitantes na região do Alentejo, a 85 km de Lisboa, António fez da sua paternidade um assunto público. Participar na reportagem do jornal foi a única forma de superar os custos de uma viagem impossível para alguém que, aos 63 anos, está desempregado. Do encontro com o primogénito, hoje sargento de 40 anos com quatro filhos, lembra com voz emocionada. “Sou sentimental, choro ao ver o final de uma novela, imagine como fiquei ao conhecer o meu filho depois de tanto tempo?”


O momento da partida dos militares para a guerra.

A principal razão para a maioria dos pais esconderem o passado, segundo António, é o medo de fragilizar o ambiente familiar atual: “Muitos nunca disseram às suas esposas que tiveram um filho antes”. Ele disse, e não foi fácil. Agora junta as poucas economias e aguarda a reforma para poder ver o filho mais uma vez. Mas fá-lo discretamente: “Esse assunto continua a ser tabu, a ser só meu.”

O drama da paternidade revela outros tabus como o machismo, o racismo, a desigualdade social e económica. “Os militares eram o símbolo do poder colonial: homens, brancos, fortes; elas, mulheres, africanas, negras. Muitas não voltaram a casar ou foram escondidas do meio social”, conta a jornalista Catarina Gomes. Se os “filhos do vento”, como também são chamados, tivessem tido mães brancas, ricas, europeias, continuaria a ser tão difícil encontrar os seus pais portugueses? Ninguém se atreve a responder.

quinta-feira, 10 de maio de 2018


Os factos aqui relatados são verídicos e provenientes do testemunho real de um ex-combatente da Guerra do Ultramar: o meu avô, Fernando da Conceição, que gentilmente se disponibilizou para os relatar, assim como para partilhar algumas das suas recordações desse período em que esteve na Guerra.

Com esta partilha dá-se a conhecer algumas das experiências que, assim como o meu avô, tantos outros homens viveram e que os marcaram para o resto das suas vidas.
Pretendo, deste modo, prestar uma sentida homenagem a todos estes grandes heróis, que são muitas vezes esquecidos, sobretudo pelo passar do tempo que vai deixando essa época cada vez mais longínqua.
Contudo, todos estes homens não deixaram de ser grandes lutadores. Não foi por regressarem do combate que deixaram de lutar, porque ainda hoje todos lutam contra as memórias sangrentas dessa altura! Todos eles são, ainda hoje, os mesmos heróis de antigamente!

Capítulo I – O embarque


Postal ilustrado com o "Paquete Vera Cruz"

Foi no dia 11 de janeiro de 1969. Partiu o meu batalhão juntamente com mais três, com destino a Luanda (Angola). Tudo juventude, cerca de 21 anos. Todos forçados a ir e, quem sabia, não mais voltar. Mas tínhamos de ir e não havia volta a dar. Restava-nos a ínfima esperança de voltar a ver aqueles que ali à nossa frente se encontravam.
Muitos familiares de todos os que partiam, menos os meus... Senti-me sozinho e um pouco desamparado. Aconchegavam-se em abraços apertados, beijos desesperados, choros angustiantes, uma amargura cortante que se impunha em todos os corações. Talvez até fosse melhor estar sozinho... Sim, talvez fosse melhor. Não teria de me despedir novamente de familiares e amigos, porque como diz o velho ditado “longe da vista, longe do coração”. Estivera com eles quinze dias antes, conforme a autorização que tivera para tal. E esses dias tiveram de servir para aproveitar o máximo que pude junto desses meus mais queridos. Confesso que me soube a pouco, mas foi bom. Deu-me algumas forças para regressar à Amadora, para depois seguir viagem. A viagem!... Essa tal que me viria marcar muito mais do que eu esperava, deixando cicatrizes profundas não só no corpo, como também no coração. Ai esse!... Tão mutilado que ele ficou. Nunca mais fui o mesmo e, às vezes, ainda me pergunto quem seria eu sem A viagem!...
Uma vez passados esses quinze dias junto da família e amigos, regressei, então, ao Quartel da Amadora. Todos nós que partiríamos para a guerra estávamos mentalizados do que iria acontecer... Não o suficiente, é certo. Contudo, sabíamos do que poderia suceder e só isso bastava para cortar a nossa respiração. O clima era de tensão e desespero. Só que não adiantava... Iríamos para o combate, independentemente de tudo.
Saí do Quartel para o cais da Rocha, onde já estava o Vera Cruz à nossa espera. Quando lá cheguei, olhei-o e admirei-me com a sua enormidade. Tive medo. Era aquilo que me iria arrancar do meu país, dos meus mais queridos, da minha vida... Para me levar ao meu maior pesadelo! Para me roubar de quem eu era!... Nunca mais fui o mesmo.
Antes de embarcarmos, mandaram-nos formar para ouvirmos um general a falar. Assim o fizemos. Nesse momento, fez-se silêncio. Comoveu-se-me o coração, mas exteriormente não perdi a postura. Olhei pelo canto do olho e vi o comandante do meu batalhão a dirigir-se a nós e a posicionar-se à nossa frente. Foi então que ele começou a falar e proferiu uma frase que me marcou e nunca mais me saiu da cabeça: “Vamos para a guerra.”; eu ouvia-o com atenção. “Nós vamos todos. Mas não voltamos todos.”; arrepiei-me. Todos sabiam bem isso... Mas não esperávamos ouvi-lo em voz alta. Senti um nó a formar-se na garganta e engoli em seco. Seria eu que não voltaria? Seria o meu colega do lado? Seria o meu amigo mesmo à minha frente?... Poderia ser qualquer um de nós.
Desesperei. Mas não havia volta a dar... Íamos mesmo todos. E nem todos regressariam.
No fim desse discurso, fomos entrando no Vera Cruz. Muitos apressavam-se para ir acenar às suas famílias e amigos, num último adeus, lá do cimo do barco. Eu, antes de entrar, hesitei. Benzi-me e, fechando os olhos, ali fiz a minha promessa com todas as minhas forças. Promessa essa que cumpriria assim regressasse. Sim, eu teria de regressar. Tinha deixado muito para trás... Tinha o meu grande amor à minha espera e eu voltaria para ela. Não podia desiludir aquela mulher, porque ela já tinha um pedaço de mim e eu já tinha um pedaço dela. Pensaria no aconchego dos seus abraços, no calor dos seus beijos e na doçura do seu olhar, porque isso me dava alguma esperança. E eu precisava disso, para além de muita fé e coragem!
Entrei e estava pronto a ir (que remédio!). Todos estavam empoleirados na lateral do barco virada para a multidão que estava em terra, de tal modo que o peso daqueles tantos homens fez com que o barco se inclinasse um bocado. Tal era o barulho que se ouvia no exterior, como era o barulho que ecoava por mim adentro, como gritos que ficavam presos no meu corpo, reprimidos por mim.
O Vera Cruz ecoou três apitos ensurdecedores e começou a mover-se. A viagem estava prestes a começar. Os lenços brancos agitavam-se, acenando, nas mãos dos militares e nas mãos das pessoas em terra. Lágrimas. Gritos. Dor. E um vazio gélido e agoniado. Pouco a pouco, afastávamo-nos. Dali a momentos, deixaríamos de ver terra e estaríamos sós, entre céu e mar, rumo a um futuro aterrorizante e desolador. Havia nos nossos corações um frágil fio de esperança, alicerçado na fé de que, talvez dali a dois anos, pudessemos estar de volta à nossa Pátria. Mas também havia muito medo do que ainda teríamos de enfrentar...

Através do testemunho de Fernando da Conceição