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domingo, 26 de dezembro de 2010

Zau Evua - Testemunhos

Dum nosso companheiro da CCAC105 que esteve em Zau Évua em 1972, aqui fica um seu testemunho, desde Luanda a Zau Évua.

"Após umas duas/três semanas de permanência naquele regimento, aguardando o meu próximo destino, incorporo, em Março desse mesmo ano que em regime de rendição individual ia render a CCAÇ 105/71 instalada em Zau-Évua.
Munido da respectiva guia de marcha eis-me a caminho da desconhecida Zau-Évua. Nunca dela tinha ouvido falar, nem sabia onde se localizava. Assim, num Sábado desse mês de Março, pelas 04h00 da manhã, apresentei-me de arma e bagagem na Manutenção Militar sita na Estrada de Catete onde o MVL [Movimento de Viaturas Logísticas] era formado.
O M.V.L. era constituído por diversos camions civis fretados, para além das próprias Berliets do exército. A logística consistia no transporte de víveres, combustíveis diversos, madeiras, vário tipo de equipamentos, maquinaria, etc., etc., a fim reabastecerem os diversos interesses civis e militares instalados nas rotas de cada M.V.L.
Apresentei-me ao graduado que comandava a escolta militar de protecção ao M.V.L., tendo perguntado como é que iria. Após uma resposta que no contexto me pareceu estúpida, acabei por ir na cabine de um dos camions civis. Mais tarde fiquei a saber que esse era o “procedimento normal”, ou seja, ir ou vir à boleia.
Os preparativos não me foram estranhos, pois já tinha visto os mesmos quando me enviaram para Ambriz. A novidade era a “boleia”, pois na ida e vinda de Ambriz foi sempre num Unimog.
Escolta pronta, um Unimog à frente, seguido de uma Berliet já preparada com sacos de areia na carroçaria para que quando entrássemos a sério na zona de guerrilha e nas chamadas “estradas/picadas” ela pudesse entrar em acção no rebentamento de minas anti-pessoal, caso as houvesse, camions civis, mais um Unimog, mais camions, Unimog, camions e a fechar mais um Unimog. Pelo meio iam mais duas Berliets carregadas. Refiro que o Unimog da frente e o de trás iam reforçados com artilharia mais pesada que os do meio, para o que "desse e viesse".
Tudo pronto saimos tendo como destino Ambrizete onde ficaríamos aquartelados até a noite/manhã de Domingo.
Passamos Cacuaco, Quifangondo, Porto Quipiri e após a Fazenda Tentativa o M.V.L. e a protecção militar dividiram-se. Uma pequena parte do M.V.L. seguiu para Ambriz e a outra para Ambrizete - via Caxito. De Freitas Mornas, um posto avançado do exército, veio um grupo de combate que reforçava a escolta para Ambrizete, considerando que uma parte da que saiu de Luanda acompanhou o M.V.L. com destino a Ambriz.
Ambrizete distava de Luanda cerca de 300 km e era uma Vila bem simpática, arejada, limpa, já de mim conhecida quando da minha permanência em Ambriz.
De vez em quando, aproveitando a saída de uma patrulha, “desenfiava-me” até lá, pernoitava num hotel perto das instalações militares e depois regressava no anonimato. Como relato nos temas dedicados a Ambriz, não tinha controlo e era-me fácil sair, mas sabia que na retaguarda tinha o apoio dos meus camaradas da vivenda do comando, major Santiago Maia.
Chegamos a Ambrizete ao fim da tarde, mas ainda com o Sol a aquecer as águas límpidas do Atlântico. Enquanto a escolta e outros militares rumavam para o aquartelamento, eu instalei-me no tal hotel onde já algumas vezes tinha ficado nos “desenfianços" de Ambriz. Não me recordo do nome do hotel, apenas lembro-me que a proprietária era tratada de “madrinha”. Porquê não sei, nem nunca me interessou, pois entrava e saia sem querer saber de pormenores.
Depois de um bom banho retemperador e de me ter trajado à civil, desloquei-me até ao restaurante Brinca n’Areia que ficava no areal perto da praia, a fim de degustar uma boa lagosta ou os famosos lagostins de Ambrizete. Já antes tinha recebido a informação de que retomaríamos a marcha no dia seguinte, Domingo, por volta das 04H/04H30.
No Brinca n’Areia havia um empregado bem simpático que chamávamos de “Carlinhos”, pelos motivos óbvios, e era um bom auxiliar nas escolhas dos clientes mais indecisos. Na altura um bom profissional, digo eu.
Após estabelecer posteriormente contacto com uma das minhas conhecidas de um dos bairros, regressei ao hotel enquanto Ambrizete começava a preparar-se para mais uma noite de rebita, de farra na sanzala, ao som de um grupo musical num dos clubes existentes, ou de um gira discos num dos muitos quintais de aduelas fechado, nos quais alguns “vaidosos” iriam exibir a sua banga na passada.
Bons momentos passei em Ambrizete quando deslocado em Ambriz e depois em Zau-Évua.
Na noite/madrugada de Domingo retomamos a marcha e após termos passado por Tomboco e Quiximba eis que surge Zau-Évua. A tabuleta fixada na estrada assim o dizia.
Penso termos chegado por volta das 14H00.
Tinham-se percorrido cerca de 500 km, distância de Luanda a Zau-Évua e gasto umas 34/35 horas a percorre-los.
A escolta foi refrescar-se com umas cervejas e eu apresentei-me ao comandante da companhia. Deram-me a conhecer as instalações das transmissões (posto rádio e quartos de dormir), verificando, a exemplo de Ambriz. que ficávamos isolados das casernas existentes e, neste caso, também do comando.
Não me lembro de quem fui substituir. Apenas sei que fomos, os “maçaricos”, bastante ovacionados pelos “veteranos de um ano” que esperavam a rendição. Foi uma festa para os que receberam o seu substituto e uma desilusão para os que teriam que aguardar que no próximo M.V.L. chegasse o seu. Se nesse chegasse.
Daquilo que rapidamente vislumbrei Zau-Évua era um aglomerado de barracas militares, com uma capela no alto de uma elevação relativamente perto do Posto de Transmissões. Em redor do aquartelamento não se via vivalma. Apenas éramos nós, os militares, os que davam vida humana àquela imensa zona geográfica.

Nenhuma sanzala, nenhuma aldeia, nenhuma povoação. À vista desarmada era um autêntico deserto [comprovei quando instalado], ou seja, estávamos completamente isolados. Para além da pista de aviação, no exterior, existia bastante capim alto e algumas montanhas.
Mas de pormenores e estórias sobre a minha estada em Zau-Évua debruçar-me-ei em próximos temas.

Este tem apenas como objectivo dar a conhecer como passei o meu 2º Natal fora do seio familiar, já que o anterior tinha sido passado em Ambriz.
Entretanto no decurso dos meses mais camaradas foram chegando até a rendição ter ficado completa.

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