Visualizações

segunda-feira, 25 de junho de 2018

domingo, 24 de junho de 2018


Os morros de Zau Évua

Recordo quando o PELREC ia fazer PO´s  lá bem no alto dos morros e tinham que levar as MG 23  e os cunhetes de munições.
Quem se lembrou deste trabalho foi o Major Ventura Lopes.
Vinha escaldado duma comissão na Guiné
(Nesta fotoactualizada,  a picada já está alcatroada)

Zau Évua I - actual

Por curiosidade temos vindo a procurar documentos actualizados sobre os locais onde o BCAC2877 esteve - no caso actual, mias uma descrição sobre Zau Évua

Documento escrito e fotográfico retirado de : https://vivevence.weebly.com/zau-evua.html

O BCAC2877  esteve sediado aqui entre Julho de 1969 e Julho de m1971
Foto tirada do lado das messes


                                                       Foto tirada do lado das messes





A cerca de meio caminho entre Quiximba e Quiende, Zau Évua era um quartel em parte nenhuma. Uma zona nem muito acidentada nem muito florestada, semeada de lagos e charcos, providenciava abundante caça, e essa era, verdadeiramente, a única actividade a que nos dedicávamos nos longos períodos entre as poucas saídas em operação.
Em tempos não muito remotos tinha sido sede de batalhão, conservando uma dimensão que, apesar da ocupação a dois grupos quase permitia quartos individuais para toda a gente.
A pouca distância, os montes Zau-Évua eram uma estranha formação elevando-se abruptamente do solo por algumas centenas de metros, quase como um gigantesco calhau perdido na savana. Mal nós sonhávamos que esse inexplorado macisso viria a tornar-se num dos mais importantes atractivos turísticos de Angola, a fazer fé no interessante site Welcome to Angola

Para nós a descrição de Zau Évua cinge-se à memória do desolado quartel, onde fez história o primeiro sargento da companhia do Quiende que, tal como todos os outros matava o tempo bebendo e lazendo, e que todas as noites, ao ser escoltado em estado já bastante gasoso pelo cabo escriturário que, pacientemente, o acompanhava e apoiava nos longos 200 metros através do quartel até à cama, lhe ia confidenciando, de 5 em 5 passos, os seus receios:
- Isto é um perigo, escritas... se eles atacam...
Nunca atacaram, e o único perigo real que o quartel enfrentou foi uma pacaça que uma noite entrou numa caserna, e que, quando alguém perguntou, no escuro, "Quem está aí?" fugiu a direito, levando com ela a porta e arredores, incluindo uma vasta secção de arame farpado. 



Carne de Pacaça e de Burro do Mato não faltava

Encontrámos o bicho dias depois, em mais uma bem sucedida caçada, mas acabámos por enterrar a vítima. Os estragos produzidos pelo arame farpado não deixaram dúvidas de que era o nosso visitante nocturno, mas o estado infectado das feridas não aconselhava o consumo.
Perigo não chegou a ser uma imensa cobra de água, muito mal disposta quando transferimos a água do buraco que dominava para a piscina.
Para quebrar a monotonia apenas o estranho caso dos dois soldados angolanos que, ao toque de ordem iam  para o mato a uma centena de metros e voltavam minutos depois perdidos de bêbados. Uma investigação discreta detectou o local onde tinham colocado um garrafão por baixo de uma palmeira cortada, e todos os dias bebiam a colheita e renovavam o corte sangradouro
Foi por descargo de consciência que parti em busca de vestígios actuais de Zau Évua. Era pouco crível que no lugar de um quartel português ermo e abandonado alguma coisa restasse ao fim de 40 anos e uma longa guerra civil, que a fazer fé na interessante foto de José Castilho, obrigou a refazer tudo de novo.
Foi uma surpresa!
O local mudou de grafia, cedendo à tradicional nasalação da consoante inicial, e hoje escreve-se Nzau Évua. A algumas centenas de metros do antigo quartel, essa nova povoação aproxima-se dos 2000 habitantes, mas, mais interessante ainda, notícias locais colocam em Zau Évua o Centro de Instrução da Polícia.
Seria interessante averiguar se eles terão aproveitado o imenso quartel que abandonámos em 1974.

Imagem

As picadas

sábado, 23 de junho de 2018

IAO - antes do embarque


Vespera  de S. João
 a caminho de Angola(?)

BCAC2877 - Recordar as datas


Recordamos aqui, pela data do dia, véspera do Dia de S João, a caminhada feita a pé, em marcha, desde o Porto Brandão, junto ao rio Tejo, até à mata da Fonte da Telha.
Estava parte do BCAC2877 nas instalações da antiga bateria de Artilharia Anti.Aérea situada naquela povoação
Recordemos que também foi nessa altura que levamos as primeiras vacinas antes de embarcar, nas instalações duma Bateria de Artilharia de Costa, que ainda hoje existe, no morro sobranceiro à praia da Fonte da Telha. ( à data, uma praia de pescadores)

Transcrevemos da Historia do BCAC2877 o seguinte:

" f. Em 09Jun69 deveria ter inicio a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional ( IAO), cujo calendario foi antecipado em relação ao planeamento inicial do EME.

Em 11JUN69 o Bat caç. foi transfrerido para a margem Sul do Tejo para efeito do IAO tendo ficado o Comando e a CCS, CCAÇ2542 e 2543 aquarteladas em isntalações do 3º Grupo Mixto da RAAF e a CCAÇ 2541 nas do RAAC em Brancanes (Setubal)."

"g. A 1ºparte do IAO que teve a duração de 3 semanas terminou em 28JUN69. Os exercicios de campo realizados na 2ª e 3ª semanas decortreram na região da Fonte da Telha e na Quinta do Lagar nas imediações de Setúbal (CCAC2541)"

Zau Évua III - e arredores


Ao fim de um ano rumámos ao Zaire.

Com armas e (poucas) bagagens fizemos o caminho inverso até ao Caxito, e sem cheirarmos sequer os arredores de Luanda, tomámos a outra estrada asfaltada que rumava a norte.
Ambriz e Musserra foram apenas terras de passagem, até à paragem em Ambrizete, que passou a ser a nova sede do batalhão. Os desterrados de Zalala tiveram a sorte grande da instalação também na cidade, a companhia de Aldeia Viçosa teve a terminação do Tomboco, e a nossa, para compensar o privilégio das lagostas que o comandante ia comer a Santa Isabel, foi desterrada para Quiximba.
Mas nem tudo era mau: para contrabalançar o desterro penal da Vamba, o nosso universo de um ano era completado pela colónia de férias rurais em Zau Évua.
Alguns se libertavam a espaço desse confinamento, quando eram chamados a cooperar na segurança do MVL. Aí, o mundo crescia, estendendo-se de Ambrizete a São Salvador do Congo, com passagem pelo Quiende, e contactos com pessoal doutros remotos paradeiros nunca visitados, que davam pelo nome de Lussenga, Lufico, Soyo, Quinzau, Xamindele e pouco mais.

Qual a história destas paragens, até ao perigoso isolamento que vivemos nos anos 70? Qual o seu futuro passado, neste quase meio século que já levamos de recuperada normalidade? O que é hoje este cantinho de África que partilhámos, e a que inapelavelmente ficámos ligados?

É com curiosidade que vamos vascular registos históricos e geográficos, que, na inviabilidade duma visita, nos poderão dar uma ideia do que foi, porque foi e como foi a Angola da nossa guerra, e o seu percurso, depois da nossa libertação.

sexta-feira, 22 de junho de 2018

Zau Évua II - agora Nzau Évua

Notícias de Zau  Évua


Zaire: Centro de instrução de Nzau-Evua satisfaz responsável
Mbanza Congo - O segundo comandante-geral da polícia nacional, comissário-chefe Paulo Gaspar de Almeida, expressou hoje, sexta-feira, a sua satisfação pelas condições de trabalho no centro de instrução de Nzau-Evua, 64 quilómetros da cidade de Mbanza Congo, província do Zaire.

2º COMANDANTE-GERAL DA POLÍCIA NACIONAL

O oficial da corporação teceu estas considerações quando se dirigia a 615 novos efectivos da polícia nacional em formação no referido centro, no quadro da sua visita de trabalho de 48 horas à província do Zaire.
Segundo o responsável, as condições que o centro apresenta em termos de organização e dimensão das suas instalações proporcionam um ambiente salutar para a instrução e formação de todos quantos queiram incorporar-se na polícia nacional.
“Para já, agradecemos os esforços do governo provincial do Zaire de nos ter cedido essas instalações, que consideramos, de momento, as melhores que a polícia nacional tem a nível do país”, assinalou.
Assegurou que o comando-geral da polícia nacional em colaboração com o governo provincial vai envidar esforços para colmatar algumas dificuldades que o centro atravessa, com maior realce para um posto médico.
O centro de instrução de Nzau-Evua abriu as portas em Maio último e comporta, entre outras áreas, direcção, área pedagógica, de apoio e corpo de instruendos.

Acompanhou a visita, a vice-governadora do Zaire para o sector técnico e infra-estruturas, Ângela Digo.

Zau Évua - Os morros


A picada de Zau Évua para SSalvador, passando pelo Quiende

 Outra foto dos morros



Os morros  actuais(?)

terça-feira, 19 de junho de 2018

Quiximba - um testemunho


CCAC3532


Imagem







Depois de um ano no relativo conforto de Santa Isabel, onde os riscos de guerra eram iminentes mas as acomodações e abastecimentos bastante seguros e confortáveis, no segundo ano de comissão fomos transferidos para o Zaire, com características geográficas e demográficas completamente diferentes. De comum, apenas a hostilidade mais ou menos disfarçada da população local, distribuída de forma diferente. No Uíge, pese embora a dispersão das populações provocada pela guerra, encontrávamos pequenos povoados dispersos, alguns sem qualquer presença militar ou autoridade civil visível, para além das autoridades tribais. No Zaire isso não acontecia, e os pouco povoados que vimos colavam-se a unidades militares estrategicamente distribuídas.
​Ambrizete parecia um paraíso, onde o refrigério do mar beijava uma larga e livre praia, tornando duro o virar de costas e rumar ao mato, mais do que uma centena de quilómetros inóspitos, apenas interrompidos por um "acidente" chamado Tomboco, onde se instalou a segunda companhia. Começava-se com alcatrão mas rapidamente ele cedia lugar à picada, valha a verdade que cuidadosamente mantida pela JAEA, e permitindo durante todo o ano o trânsito de todo o género de viaturas.
Quarenta quilómetros depois do Tomboco, no topo de uma colina, a estrada entalava-se entre um quartel e uma pista de aviação, e estávamos chegados a Quiximba.
A povoação seguia-se ao quartel, alongando-se pelos 600 metros da pista em descida suave, e um pouco mais longe, subindo a pequena encosta seguinte.
Havia uma simples lógica urbana na povoação: encostados ao quartel o posto do administrador local e a cantina do comerciante branco. Depois descendo a ligeira inclinação algumas filas de cubatas paralelas à estrada, voltando a subir ligeiramente na escosta seguinte cujo topo era ocupado por uma capela regularmente fechada.


Numa terra onde o único acontecimento digno de relevo era o milagre da sobrevivência diária, a nossa chegada alvoroçou tudo, e fomos surpreendidos por uma legião de mulheres à porta de armas, que se agitavam em algazarra e corriam gesticulando por fora do arame, enquanto as viaturas entravam no perímetro que lhes estava vedado, estabelecendo à distância contacto visual com os militares que desciam das viaturas, e se dirigiam aos camaradas instalados, que se preparavam para sair.
Dos primeiros contactos entre militares nasceu a explicação da agitação civil: as mulheres eram as lavadeiras que, na rendição da tropa, procuravam novos patrões.
A organização sócio-económica daquela comunidade era um caso sui-generis resultante da combinação dos poderes arbitrários duma administração autoritária com a adaptabilidade imposta pelo instinto de sobrevivência.
Tal como nos foi contada, a história de Quiximba começou alguns anos antes no Quanza-Sul, quando uma violenta sublevação dos nativos levou as autoridades a tentar cortar o apoio de retaguarda aos revoltosos, limitando-lhes o acesso às famílias,
Mulheres e crianças foram carregadas em vários camiões, e transferidas para mais de 300 km de distância, para uma terra de ninguém, suficientemente isolada para ser fácil o seu controlo.
Assim nasceu Quiximba, que, quando lá chegámos, registava uma população de cerca de mil mulheres, outras tantas crianças, e cinco ou seis dezenas de homens, maioritariamente velhos.​
Estava naturalmente instalada uma economia de sobrevivência, onde as mulheres retiravam das lavras os géneros de que subsistiam. 
Dinheiro só entrava de duas maneiras: o pagamento da lavagem de roupa pela tropa, e a venda de farinha de mandioca ao comerciante branco, que em troca lhes fornecia as outras poucas outras coisas de que dependiam. Cada quilo de farinha era vendido a um escudo e, para a maioria, era o resultado do dia de trabalho que restava depois das lavras e dos filhos


Cada militar pagava mensalmente umas dezenas de escudos pela lavagem da pouca roupa que mudava regularmente, e sendo um trabalho leve, principescamente pago pelos padrões locais, a disputa de clientes era feroz.​ Um milhar de mulheres disputava uma centena de homens...
​​Gerou-se e sedimentou-se uma ética do negócio, que obrigava cada lavadeira a trabalhar apenas para um cliente. Para valorizar a qualidade do serviço oferecido (e, talvez, compensar a falta de homens na povoação, cujos contactos com o exterior eram muito limitados), convencionou-se que a lavadeira seria também propriedade sexual do patrão, o que, na gíria local era definido como um serviço abrangente, eufemísticamente designado "lavar a roupa e o quico".
Por isso as mulheres, tão produzidas quanto a sua miséria lhes permitia, se mostravam aos recém-chegados, na esperança de que a perspectiva da lavagem do quico se sobrepuzesse à questão da roupa, e lhes garantisse serem escolhidas.
Claro que, as mais velhas nem tentaram misturar-se nessa competição perdida à nascença, ficando à distância a ver o combate, algumas meditando por detrás do seu cachimbo, talvez pensando nas consequências duma rotineira relação entre as mulheres locais e os passantes militares. 
Imagem

Foi um ano sereno, com ambas s partes (militares e nativos) a respeitar as regras do jogo, mas, quando abandonámos o local, já depois do 25 de Abril. e com a descolonização a dar os primeiros passos e a instalar as primeiras confusões entre angolanos, era para nós um dado adquirido que, passado o tempo da ocupação branca, a populaçao dsviada seria devolvida às origens, reconstituindo na medida do possível as famílias desfeitas, e retomando o curso da vida normal.
Quiximba deveria ser hoje uma memória varrida do mapa, um espaço devolvido à natureza pela população realojada.
Não é exactamente assim:
Qualquer pesquisa pelo nome de Quiximba remete-nos para evocações militares, parecendo confirmar o desaparecimento da povoação com o fim da intervenção portuguesa, mas a verdade é que a povoação está lá, embora escondida pela substituição de nomes e grafias levada a efeito pelas autoridades angolanas.
Surgem algumas menções a Kicimba, que parecem referir-se ao mesmo local, e, mais recentemente, a Kinximba, no município do Tomboco, que não pode deixar de ser a "nossa" Quiximba.
Notícias da Angop em 2007 descrevem Kinximba e Kinzau como zonas do Tomboco ainda fortemente minadas, provocando mortes na população, e isso ajuda a perceber porque é que, ao contrário de outros sítios (Santa Isabel, ao que parece) a intervenção dos portugueses na área não foi liminarmente apagada, apenas rebaptizada.
A saída dos portugueses não foi seguida por um período calmo, onde se pudesse pensar e rectificar os desequilíbrios gerados. Pelo contrário, o período subsequente foi convulsivo, descambando numa longa guerra civil que destroçou ainda mais as precárias vias de comunicação e agudizou as divisões internas. Movimentos maciços eram impensáveis, continuando as populações confinadas e ainda mais limitadas.
Tentando adivinhar, a pista aérea é hoje terreiro de cubatas, a pele do comerciante e do administrador mudou de cor, o quartel foi arrasado ou usado para instalar as novas autoridades ou escolas, mas Quiximba continua lá, respondendo hoje pelo nome de Kinximba, e porque foi há pouco festejado o alcatroamento de N'Zeto a Mbanza Kongo, isso significa que os turistas saudosos podem fazer os 217 quilómetros de Ambrizete a São Salvador do Zaire, atravessando Tomboco, Quiximba, Zau Évua e Quiende, sem receio das minas que ainda por lá dormem.
Pelo caminho, podem aproveitar o bónus turístico de saber o que são Quiza, Cana, Finda, Baca, Cumbi, Lemo ou Quindeso, nomes que aparecem no percurso, mas nada dizem à maioria de nós