Visualizações

domingo, 13 de maio de 2018

Memórias das Guerras Coloniais



Miguel Cardina, investigador do Centro de Estudos Sociais de Coimbra, venceu uma bolsa do Conselho Europeu de Investigação para estudar a evolução das memórias das guerras coloniais e de libertação. (05-09-2016)

Uma bolsa do Conselho Europeu de Investigação no valor de 1,4 milhões de euros foi atribuída ao investigador do Centro de Estudos Sociais (CES) de Coimbra Miguel Cardina para estudar a evolução das memórias das guerras coloniais e de libertação.
A bolsa do Conselho Europeu de Investigação foi atribuída a Miguel Cardina para concretizar o projeto de investigação “Memórias cruzadas, políticas do silêncio: as guerras coloniais e de libertação em tempos pós-coloniais”, que terá uma duração de cinco anos, anunciou esta segunda-feira o CES da Universidade de Coimbra, em nota de imprensa.
O projeto vai ser realizado em Portugal, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, propondo-se fazer uma “história das memórias das guerras coloniais e das guerras de libertação”, disse à agência Lusa o investigador Miguel Cardina.
A guerra e a luta pela independência deixaram “marcos e legados de diferentes naturezas” e que “têm uma história que se prolonga até aos dias de hoje”, sublinhou.
“Vamos analisar as marcas desse passado e a sua evolução ao longo das décadas, fazendo uma história das inscrições memoriais”, bem como “das políticas do silêncio”, analisando aquilo que poderá ter sido “seletivamente” lembrado e o que foi esquecido “em cada um dos países”.
Para isso, será feita uma análise a material tão diverso como manuais escolares, discursos políticos feitos ao longo dos últimos 40 anos, monumentos ou notícias.
Serão também feitas “entrevistas a antigos combatentes das diferentes forças que estavam no terreno” e será analisado “material disponível na internet”, visto que com o surgimento das redes sociais e blogues “democratizou-se a possibilidade de as pessoas contarem a sua história e articularem memórias”, afirmou Miguel Cardina.
O objetivo será fazer “um retrato detalhado de como a memória foi evoluindo ao longo destas quatro décadas” e analisar a relação de cada sociedade com o seu passado, em torno de “fenómenos tão marcantes que acabaram por construir nações e remodelar relações de nações com o território”, realçou o investigador.
Neste concurso para a bolsa “Starting Grant” do Conselho Europeu de Investigação, que procura apoiar jovens cientistas europeus, contabilizaram-se “3.000 candidaturas”, informou o CES.
Miguel Cardina era à data vice-presidente do conselho científico do CES, tendo recebido o prémio CES para Jovens Cientistas e o Prémio Victor de Sá de História Contemporânea pela sua tese de doutoramento Margem de Certa Maneira. O maoísmo em Portugal: 1964-1974.

sexta-feira, 11 de maio de 2018

BCAC2877 no Facebook



Os filhos "proibidos" da guerra colonial





Os filhos "proibidos" da guerra colonial

A guerra colonial foi um dos períodos mais negros da História de Portugal que ceifou a vida a milhares de jovens obrigados a embarcar para África para defender o império, orgulho do regime fascista. Muitos deles deixaram por lá lá filhos, alguns dos quais procuram ainda hoje reconhecimento e cidadania. 
Por Marana Borges.
1 de Março, 2016 

“Os militares eram o símbolo do poder colonial: homens, brancos, fortes; elas, mulheres, africanas, negras".

Eles são filhos da guerra. Têm pais portugueses, mães africanas. Os pais eram jovens soldados ao serviço de um país que, em plena metade do século XX, ainda se esforçava por conservar as colónias em África; as mães, mulheres pobres que em geral lavavam a roupa das tropas portuguesas durante a guerra na Guiné-Bissau, Angola e Moçambique. Por vezes, colonizador e colonizada apaixonavam-se; outras vezes, elas ofereciam serviços sexuais em troca de dinheiro ou comida. Os filhos nascidos dessa situação são muitos. Centenas. Talvez milhares. Nunca ninguém os contou. Sem registo do pai biológico, vivem estigmatizados nos seus países, onde são conhecidos como “restos de tuga”.

A barreira do medo

Quarenta anos após as guerras coloniais travadas por Portugal nos territórios africanos, alguns destes filhos começam a reivindicar suas origens. Tarefa difícil. Com o aumento da violência e a eclosão da guerra civil nos territórios que conquistaram a independência, as mães queimaram a pouca documentação que pudesse servir para identificar os pais dos seus filhos. Cartas, fotos, até certidões. Temiam as perseguições e frequentes assassinatos contra qualquer suspeito de ter colaborado com a ex-metrópole. Dos filhos, geralmente registados em nome de outro pai, também guardaram segredo. Mas se os apelidos podiam esconder a origem portuguesa, a cor da pele denunciava-a. Vistos como “brancos” no país natal, muitos pagaram caro por isso.

O Império português, glorificado até à exaustão pelo fascismo. No mapa de 1934

Um deles é Fernando Hedgar da Silva. Camionista,vive na Guiné-Bissau. Dedicou grande parte de sua vida à procura do paradeiro do pai. Não teve sucesso. Aos 48 anos, ainda se sente discriminado, “meia pessoa”. “Todo o filho tem o direito de conhecer quem o gerou”, disse por telefone ao Opera Mundi. Em 2014, foi à Embaixada de Portugal na Guiné, que lhe comunicou ser o pai quem devia reconhecer o filho, e não o Estado. O cônsul, contudo, prometeu analisar o caso e depois entrar em contato com ele Fernando ainda espera uma resposta. Agora está à frente de uma associação com 50 desses filhos, e reclama o direito à cidadania portuguesa.

Sem registo do pai biológico, vivem estigmatizados nos seus países, onde são conhecidos como “restos de tuga”.

Uma questão particular ou de Estado ?

Esta batalha depende da forma como se interpreta a questão, ou seja, estamos perante um assunto particular ou de Estado. Aosamerasians, como ficaram conhecidos os filhos de mulheres vietnamitas com militares norte-americanos nascidos durante a Guerra do Vietname (1955-1975), a quem os Estados Unidos concederam, nos anos 80, após um intenso debate público, o estatuto de imigrante. Não houve exigência em provar a paternidade – bastavam os traços físicos. Cerca de 26 mil filhos emigraram para os Estados Unidos, apesar de apenas 3% deles terem logrado reencontrar seus progenitores.

Mas em Portugal – que enviou para o continente africano cerca de um milhão de militares durante os 13 anos de guerra colonial (1961-1974) – o assunto ainda é tabu. Contatado pelo Opera Mundi, o ministério de Negócios Estrangeiros, responsável pelas relações externas do país, absteve-se de comentar o caso, alegando que este “nunca foi confrontado com essa questão ou com situações concretas”.

A primeira (e única) pessoa a dar projeção nacional ao tema foi Catarina Gomes, repórter do jornalPúblico, com uma série de reportagens(link is external), uma das quais obteve este ano o Prémio Internacional de Jornalismo Rei da Espanha. Descobriu o assunto por acaso, durante um trabalho de campo para escrever um livro sobre a guerra colonial. Depois, criou um canal online para receber informações sobre pais e filhos(link is external). Assim encontrou António Bento, que aceitou o convite para regressar a Angola e conhecer o filho que deixara ainda na barriga de sua parceira de então, por quem se apaixonara aos 23 anos.

Do machismo às desigualdades sociais e económicas

António é um caso raro de um pai à procura do filho. Procurou-o toda a vida. A maioria dos ex-combatentes colocou uma pedra sobre o assunto. Casado, com duas filhas e residente numa pequena cidade de 11 mil habitantes na região do Alentejo, a 85 km de Lisboa, António fez da sua paternidade um assunto público. Participar na reportagem do jornal foi a única forma de superar os custos de uma viagem impossível para alguém que, aos 63 anos, está desempregado. Do encontro com o primogénito, hoje sargento de 40 anos com quatro filhos, lembra com voz emocionada. “Sou sentimental, choro ao ver o final de uma novela, imagine como fiquei ao conhecer o meu filho depois de tanto tempo?”


O momento da partida dos militares para a guerra.

A principal razão para a maioria dos pais esconderem o passado, segundo António, é o medo de fragilizar o ambiente familiar atual: “Muitos nunca disseram às suas esposas que tiveram um filho antes”. Ele disse, e não foi fácil. Agora junta as poucas economias e aguarda a reforma para poder ver o filho mais uma vez. Mas fá-lo discretamente: “Esse assunto continua a ser tabu, a ser só meu.”

O drama da paternidade revela outros tabus como o machismo, o racismo, a desigualdade social e económica. “Os militares eram o símbolo do poder colonial: homens, brancos, fortes; elas, mulheres, africanas, negras. Muitas não voltaram a casar ou foram escondidas do meio social”, conta a jornalista Catarina Gomes. Se os “filhos do vento”, como também são chamados, tivessem tido mães brancas, ricas, europeias, continuaria a ser tão difícil encontrar os seus pais portugueses? Ninguém se atreve a responder.

quinta-feira, 10 de maio de 2018


Os factos aqui relatados são verídicos e provenientes do testemunho real de um ex-combatente da Guerra do Ultramar: o meu avô, Fernando da Conceição, que gentilmente se disponibilizou para os relatar, assim como para partilhar algumas das suas recordações desse período em que esteve na Guerra.

Com esta partilha dá-se a conhecer algumas das experiências que, assim como o meu avô, tantos outros homens viveram e que os marcaram para o resto das suas vidas.
Pretendo, deste modo, prestar uma sentida homenagem a todos estes grandes heróis, que são muitas vezes esquecidos, sobretudo pelo passar do tempo que vai deixando essa época cada vez mais longínqua.
Contudo, todos estes homens não deixaram de ser grandes lutadores. Não foi por regressarem do combate que deixaram de lutar, porque ainda hoje todos lutam contra as memórias sangrentas dessa altura! Todos eles são, ainda hoje, os mesmos heróis de antigamente!

Capítulo I – O embarque


Postal ilustrado com o "Paquete Vera Cruz"

Foi no dia 11 de janeiro de 1969. Partiu o meu batalhão juntamente com mais três, com destino a Luanda (Angola). Tudo juventude, cerca de 21 anos. Todos forçados a ir e, quem sabia, não mais voltar. Mas tínhamos de ir e não havia volta a dar. Restava-nos a ínfima esperança de voltar a ver aqueles que ali à nossa frente se encontravam.
Muitos familiares de todos os que partiam, menos os meus... Senti-me sozinho e um pouco desamparado. Aconchegavam-se em abraços apertados, beijos desesperados, choros angustiantes, uma amargura cortante que se impunha em todos os corações. Talvez até fosse melhor estar sozinho... Sim, talvez fosse melhor. Não teria de me despedir novamente de familiares e amigos, porque como diz o velho ditado “longe da vista, longe do coração”. Estivera com eles quinze dias antes, conforme a autorização que tivera para tal. E esses dias tiveram de servir para aproveitar o máximo que pude junto desses meus mais queridos. Confesso que me soube a pouco, mas foi bom. Deu-me algumas forças para regressar à Amadora, para depois seguir viagem. A viagem!... Essa tal que me viria marcar muito mais do que eu esperava, deixando cicatrizes profundas não só no corpo, como também no coração. Ai esse!... Tão mutilado que ele ficou. Nunca mais fui o mesmo e, às vezes, ainda me pergunto quem seria eu sem A viagem!...
Uma vez passados esses quinze dias junto da família e amigos, regressei, então, ao Quartel da Amadora. Todos nós que partiríamos para a guerra estávamos mentalizados do que iria acontecer... Não o suficiente, é certo. Contudo, sabíamos do que poderia suceder e só isso bastava para cortar a nossa respiração. O clima era de tensão e desespero. Só que não adiantava... Iríamos para o combate, independentemente de tudo.
Saí do Quartel para o cais da Rocha, onde já estava o Vera Cruz à nossa espera. Quando lá cheguei, olhei-o e admirei-me com a sua enormidade. Tive medo. Era aquilo que me iria arrancar do meu país, dos meus mais queridos, da minha vida... Para me levar ao meu maior pesadelo! Para me roubar de quem eu era!... Nunca mais fui o mesmo.
Antes de embarcarmos, mandaram-nos formar para ouvirmos um general a falar. Assim o fizemos. Nesse momento, fez-se silêncio. Comoveu-se-me o coração, mas exteriormente não perdi a postura. Olhei pelo canto do olho e vi o comandante do meu batalhão a dirigir-se a nós e a posicionar-se à nossa frente. Foi então que ele começou a falar e proferiu uma frase que me marcou e nunca mais me saiu da cabeça: “Vamos para a guerra.”; eu ouvia-o com atenção. “Nós vamos todos. Mas não voltamos todos.”; arrepiei-me. Todos sabiam bem isso... Mas não esperávamos ouvi-lo em voz alta. Senti um nó a formar-se na garganta e engoli em seco. Seria eu que não voltaria? Seria o meu colega do lado? Seria o meu amigo mesmo à minha frente?... Poderia ser qualquer um de nós.
Desesperei. Mas não havia volta a dar... Íamos mesmo todos. E nem todos regressariam.
No fim desse discurso, fomos entrando no Vera Cruz. Muitos apressavam-se para ir acenar às suas famílias e amigos, num último adeus, lá do cimo do barco. Eu, antes de entrar, hesitei. Benzi-me e, fechando os olhos, ali fiz a minha promessa com todas as minhas forças. Promessa essa que cumpriria assim regressasse. Sim, eu teria de regressar. Tinha deixado muito para trás... Tinha o meu grande amor à minha espera e eu voltaria para ela. Não podia desiludir aquela mulher, porque ela já tinha um pedaço de mim e eu já tinha um pedaço dela. Pensaria no aconchego dos seus abraços, no calor dos seus beijos e na doçura do seu olhar, porque isso me dava alguma esperança. E eu precisava disso, para além de muita fé e coragem!
Entrei e estava pronto a ir (que remédio!). Todos estavam empoleirados na lateral do barco virada para a multidão que estava em terra, de tal modo que o peso daqueles tantos homens fez com que o barco se inclinasse um bocado. Tal era o barulho que se ouvia no exterior, como era o barulho que ecoava por mim adentro, como gritos que ficavam presos no meu corpo, reprimidos por mim.
O Vera Cruz ecoou três apitos ensurdecedores e começou a mover-se. A viagem estava prestes a começar. Os lenços brancos agitavam-se, acenando, nas mãos dos militares e nas mãos das pessoas em terra. Lágrimas. Gritos. Dor. E um vazio gélido e agoniado. Pouco a pouco, afastávamo-nos. Dali a momentos, deixaríamos de ver terra e estaríamos sós, entre céu e mar, rumo a um futuro aterrorizante e desolador. Havia nos nossos corações um frágil fio de esperança, alicerçado na fé de que, talvez dali a dois anos, pudessemos estar de volta à nossa Pátria. Mas também havia muito medo do que ainda teríamos de enfrentar...

Através do testemunho de Fernando da Conceição

terça-feira, 8 de maio de 2018

""Procura‑se traçar as linhas gerais que no discurso crítico histórico, político, sociológico e literário levaram a considerar a guerra como um fenómeno não exclusivamente masculino. Dentro da situação portuguesa, visa‑se interpretar o “papel de apoio” que sempre esteve reservado às mulheres, de um ponto de vista público e privado, e analisar com mais detalhe a situação das mulheres portuguesas que acompanharam os maridos em missão militar em África, durante o período da Guerra Colonial.""