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segunda-feira, 25 de julho de 2011

Moita Flores - A Guerra vista por quem lá não foi

Parte de uma entrevista de Moita Flores ao Jornal I de hoje

Depois veio para Lisboa e casou muito cedo. Porquê?

A guerra, nessa altura, fazia dessas coisas. Era o medo de morrer. O medo da morte. O desejo de deixar um legado. A guerra transtorna por completo as nossas relações com o mundo. Vocês têm uma sorte dos diabos por não saberem o que é isso.

Esteve na guerra?
Não. Cheguei a ir, mas não cheguei a estar na guerra, porque entretanto deu--se o 25 de Abril. De qualquer forma, a guerra estava muito presente na nossa vida. Tinha dez anos quando começou e durou até ter 22. Por outro lado, a guerra também nos ensina a sentir como é bom não viver em guerra. Às vezes, quando me deparo com pessoas belicosas, sobretudo as mais jovens, não há paciência... porque... a morte cheira mal, sabe? Os cadáveres cheiram mal. O que nos afasta da morte é o caminho que nos pode dar felicidade e permite que a gente se encontre de uma forma amistosa. A morte traz-nos sempre uma mágoa, seja directa seja indirecta. Magoa sempre, é uma amputação. Por isso as guerras e o crime violento são coisas que precisamos de resolver. Hoje tenho a minha memória cheia de mortos, de cadáveres, de gente podre. Só no cemitério de Macedo de Cavaleiros identificámos e levantámos 1400 cadáveres. Na Aldeia da Luz, 600. Aprendi uma coisa decisiva: não podemos perder um minuto da nossa vida, porque tudo é rápido e efémero. Devemos tentar fazer que a vida seja um minuto de construção de coisas que agradem aos outros e a nós também. A nossa relação com quem nos rodeia tem de ser pautada por aquilo que a morte nos tira: o toque com o outro, o corpo. A relação com o corpo. Morrer não é fechar os olhos e parar o coração. Morrer é a ausência do abraço e das palavras. Isso é que é morrer.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

21 de Julho de 1969


Não custa muito, nos dias que correm, ainda com tantas memórias a passarem pelo ecram das  recordações, escrever umas linhas sobre a viagem do BCAC2877 no então paquete Vera Cruz, transformado em navio de transporte de tropas e  iniciada a 12 de Julho de 1969, com o seu término em Luanda, ao romper da aurora do dia 21 do mesmo mês.
Uma paragem na Pérola do Atlântico, nos primeiros momentos da viagem, não chegou para para acalmar as imensas dúvidas que pairavam sobre o espírito dos então militares.
Depois do desfile pelos cais dessa Lisboa, cantados em tantos fados, calhou aos militares terem o seu fado, o seu fadário por terras de Angola, sem nada saberem  do seu futuro. Saboreiam apenas que aquele seria incerto e que o regresso ao passado poderia não ser esse futuro. Para alguns camaradas tal veio a acontecer.
Quem vai para a guerra, vive a esperança e a incerteza. Na esperança de que nada lhe aconteça e que a roleta da guerra não pare sobre cada um em mau momento. Na incerteza, de igual modo e pelos mesmos motivos, pois ambas andam sempre e a todo o momento de mãos dadas.
Por muito más que teriam sido estas viagens de ida para a Guerra, a vida a bordo, afinal uma pequena prisão em forma de pequena ilhota navegante, era suportável.  Para quem ia melhor instalado, oficiais e alguns sargentos".
Havia alguma dificuldade em fornecer alimentos a uma imensa população de militares, que tornaram o Vera Cruz superlotado.
A falta de água era uma das condicionantes.
Foram frequentes as vezes que muitos "praças" tomaram banho nas instalações dos sargentos.Os jogos de cartas costumeiros entre os militares foram os grandes companheiros na viagem.
Dum modo geral a alimentação não apresentava razão de queixa.
Com as habituais brincadeiras que sempre acontecem quando da passagem pelo equador, este já bem próximo do nosso ponto de chegada. Recodar-se  o que se dizia acerca dos enchidos, que sempre fazem parte do burnal dos militares - que se estragavam e que teriam todos que ser comidos para que não se estragassem.
Na verdade, mesmo que se tivesse esquecido, o Vera Cruz continuava a sua marcha a caminho de Luanda, indiferente às  preocupações e sentimentos dos seus viajantes. Vera Cruz viajou em grande parte do seu trajecto adornado. A sua inclinação, contudo não molestava em nada os peixes voadores que o acompanharam durante muitas centenas de milhas.
Alguns exercícios de salvamento, serviram igualmente para matar o tempo da viagem.
Com todo este exercício de recuperação de memórias, por pouco nos esquecíamos de mencionar que foi já durante a viagem que se começou a falar do local de Angola onde o BCAC2877 iria trocar de argumentos bélicos com os então terroristas, hoje nacionalistas.  O local ficou durante muito tempo, bem guardado.
Assim, com alguns enjoo e vómitos  se acercou o Vera Cruz das terras da Luanda Angolana.
Era o 21 de Julho.
Armstrong chegava à Lua.  pela primeira vez um homem pisava a Lua.


Pela primeira vez, muitos dos militares pisaram solo africano.

 Depois o Grafanil, um daqueles quartéis militares que ficam para sempre na memória de um qualquer mortal, para onde a tropa foi transportada em comboio estilo de transporte de gado.

Zau Évua, já se sentia.







Nota:
Não apresentamos fotos de Tomboco, Lufico, Quiximba e Quiende por não as termos nos nossos arquivos
QUIENDE
 
QUIXIMBA

Mais fotos de Qiximba (Clique aqui)

terça-feira, 5 de julho de 2011

12 de Julho de 1969

Esta foi a foto que o DN publicou a 13 de Julho de 1969.O Vera Cruz já sulcava as agiuas do Atlântico na sua passagem pela Ilha da Madeira, onde embarcou militares que formaram compabhia naquela ilha.
Foram 12 dias a caminho de Angola, para que a nossa chegada fosse assinalada com uma data histórica e que será lembrada sempre que se recorde a chegada do primeiro homem à Lua - 21 de Julho de 1969.
Da partida, todos os que passaram por esses momentos, recordam a amargura, a tristeza, a insegurança face ao desconhecido da Guerra e das terras de África e acima de tudo a incertesa do que a cada um e a todos nós poderia vir a acontecer.
Hoje, por muito que queiramos varrer da nossa memória a lembrança desses momentos, em muitas circunstâncias ela volta aos nossos pensamentos e meditações.
Os cheiros das terras quentes de Angola, tinham cheiro próprio quando chuvia.  As paisagens de montes e vales, os arvoredos e as florestas, são ainda hoje recordação quando nos embrenhados por alguns locais deste Portugal.
O roncar dos aviões e helicopteros, recordam as opoerações militares e todo o aparato que era habitual quando eram utilizados este meios aéreos.
A recordação afina as suas matizes quando o barulho das DO 27 ou dos Cessna se sentiam e eram sinal de que os frescos e a correspondência que todos ansiavam estava chegar.
A todos os companheiros da Guerra, em especial os do BCAC2877, aqui lhes deixamos um grande abraço de amizade.
Aqui lhes deixamos um enorme sentimento de solidariedade  para que nos momentos, e muitos serão, em que se sintam mais sós ou deprimidos, mesmo que seja só em pensamento, há sempre alguem que recorda tudo o que de bom e mau se passou na Guerra pelas terras africanas de Angola.
Um abraço especial para os familiares dos que partiram, uns ficando lá, outros depois do regresso.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

23 de Junho de 1969

Para recordar, apenas para esse fim, atodos os que por aqui vão dando uma vista de olhos.
Nos ultimos tempos, não temos tido oportunidada  de passar pelo nosso Blogue e escrever algumas palavras.
Hoje, como em outros dias, e agora começa a ser quase no dia a dia, vamos lá saber porquê, surgem imensas recordações da nossa passagem por Angola.
O barulho de motor de um avião monomotor, faz recordar a chegada do correio ou os DO27 que faziam os Revis na nossa área de actuação. Isto é um exemplo.
Hoje a razão deste "esforço" tem a ver com a recordação dos velhos tempos de jovem, as fogueiras e os bailaricos de rua. Tudo programado com muita atencedência.
Assim também aconteceu no mês de Junho de 1969. Fomos colocados num "hotel" à beira Tejo, ali na margem Sul, por baixo do Cristo Rei, especializado em defesa aérea e pertencente a uma organização empresarial chamada Exercito Português.
Como ainda não estávamos muito bem treinados para a nossa missão em África, era da praxe que fossemos tirar um estágio numa zona que se procurava assemelhar o mais próximo possível das zonas de combate em África.
Nem o Pinhal do Rei, ali por cima das arribas da Fonte da Telha, nem as temperaturas e a flora tinham nada a ver com o que fomos encontrar em África, pelo que depois nos fomos apercebendo.
Fizemos um esforço enorme, naquela noite de véspera de São João, ao caminhar em marcha, com equipamento e espingardas G3 em bandoleira, entre Porto Brandão e a Fonte da Telha, passando por entre as festas das várias localidades por onde fomos passando.
Chamavam a este estágio - IAO - Instrução de Adaptação Operação Operacional.

Por lá passamos cerca de 10 dias, entre os pinheiros, imenso pó e calor e uns exercicios de adaptação que apenas serviram para nos mentalizar para o que íamos.
Conhecedor daquela zona, desde miúdo, pois imensas vezes, por aí fui de madrugada, com um peixeiro amigo que de burro ia de madrugada comprar peixe aí apanhado durante a noite. Ou então, com o meu saudoso pai, íamos apanhar "cadelinhas" nas praias da zona.
Para tal, fazíamos então a pé, cerca de 10 quilómetros.
Naquela altura, a Fonte da Telha tinha para mim e para todos nós, uma outra função - era um interlúdio, entre os final das recrutas e especialidades e a ida para a Guerra.
Nessa data, enquanto no Posta da Guarda Fiscal, sobranceiro à descida para a Fonte da Telha, recebíamos as primeiras vacinas, ficamos a saber, por portas e travessas qual era o nosso destino.
Angola, esperava por nós.
Esta véspera de São João, apenas foi um aperitivo, para os longos dois anos que passamos no Norte de Angola.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Guerra Colonial - Literatura

Estamos a coleccionar, em cada Domingo, com a compra do DN e do JN uma série de livros que referenciam muitas situações e acontecimentos da Guerra Colonial.

Vamos dando a conhecer neste blog, as passagens desses livros que referenciam situações passadas na area onde esteve o nosso Batalhão.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Guerra de África


Notas para compreender o seu significado e a maneira e o modo de cada um "ver" a Guerra de África.

Cavaco Silva: "Importa que os jovens deste tempo se empenhem em missões e causas essenciais ao futuro do país com a mesma coragem, o mesmo desprendimento e a mesma determinação com que os jovens de há 50 anos assumiram a sua participação na guerra do Ultramar", afirmou o chefe de Estado, Aníbal Cavaco Silva.'
In Bichos do Mato: "Na minha aldeia, a vida e o tempo eram medievos. Ainda antes de os galos acordarem o sol, já os moleiros tocavam as bestas a caminho do Côa, que às vezes corria medonho, aos trambolhões de fraga em fraga. Guiados pelos caseiros, soavam nas calçadas os rodados dos carros de machos e os rebanhos, procissões de campainhas e chocalhos, passavam rua fora, alegrando as madrugadas.
Nas noites longas de inverno, à lareira ou à roda das braseiras, as mulheres mais velhas fiavam a lã áspera de ovelha churra, girando os fusos como peões suspensos entre os dedos mágicos. Outras faziam camisolas e meias de lã grossa, que os homens usavam com as botas cardadas de brochas, chispando nos seixos da calçada.
Em nossa casa, chorava-se pelos cantos, às escondidas. Que podia eu fazer, para além de aparentar boa disposição, não parecendo afectado pela próxima partida para a guerra. Olhando em silêncio para a fogueira que crepitava na lareira, pensava na forma de lhes minorar o sofrimento. As cavacas de pinheiro atiravam-me bocados da casca soltos pelo calor. Cismava: Como é que a gente se despede da mãe para ir para a guerra?"
(In
Bichos do Mato)
Nota: Em Bichos do Mato a ficção confunde-se com a realidade numa união perfeita, cerzida com um estilo sóbrio e elegante que nos cativa desde a primeira frase.
É uma história de homens comuns, jovens acabados de sair da adolescência, brutalmente lançados na fogueira da guerra colonial onde os seus destinos se cruzam e decidem em cenários extremos. Com eles embarcamos em paquetes de fachada, sufocamos na poeira das picadas e perdemo-nos sem esperança na escuridão das matas.
Heróis à força, arrancados aos nossos campos e cidades, lutam pela sobrevivência, prolongando sem querer a agonia de um sistema que os esquece sem remorso mal despem o camuflado.
É quase um relato que nos dá a espaços uma visão humanizada do jogo armadilhado da guerrilha, onde todos fazem de gatos e de ratos conforme a violência da surpresa e o terror do imprevisto.
Sem maniqueísmos nem excessos de violência literária, Bichos do Matos transporta-nos com naturalidade para a época e cenários da guerra colonial, reconstruídos com realismo e invulgar beleza literária.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Stress de Guerra


"O reconhecimento de deficiência incapacitante para os antigos soldados é um calvário. Passm por requerimento de queixa, por juntas de inspecção, por comissões de pareceres, por despachos sucessivos até chegarem ao veredito do Ministro da Defesa.
O tempo médio de espera para cumprir todos estes passos é de cinco anos e meio, com mais de metade do tempo passado na inquirição e de definição da classificação e o restante entre instâncias de verificação e homologação de procedimentos. " in Publica 30-01-2011

segunda-feira, 7 de março de 2011

Stress Pós-traumático – Guerra nunca mais sai do corpo



"Foi o contacto directo e repetido com situações de violência que marcaram estes homens, que não faziam uma guerra ofensiva e eram mais sujeitos a emboscadas e patrulhamentos. O stress de guerra não é fácil de diagnosticar e os estudos dizem que pode manifestar-se entre uma semana e 30 anos após o evento traumático. A lei portuguesa só em 1999 o reconheceu como doença, a geração que passou por ela está a entrar na reforma e a sociedade deixou de discriminar quem se queixava, sendo considerados factores favoráveis ao aumento de casos com esta doença".