Nas noites longas de inverno, à lareira ou à roda das braseiras, as mulheres mais velhas fiavam a lã áspera de ovelha churra, girando os fusos como peões suspensos entre os dedos mágicos. Outras faziam camisolas e meias de lã grossa, que os homens usavam com as botas cardadas de brochas, chispando nos seixos da calçada.
Em nossa casa, chorava-se pelos cantos, às escondidas. Que podia eu fazer, para além de aparentar boa disposição, não parecendo afectado pela próxima partida para a guerra. Olhando em silêncio para a fogueira que crepitava na lareira, pensava na forma de lhes minorar o sofrimento. As cavacas de pinheiro atiravam-me bocados da casca soltos pelo calor. Cismava: Como é que a gente se despede da mãe para ir para a guerra?"
(In Bichos do Mato)
É uma história de homens comuns, jovens acabados de sair da adolescência, brutalmente lançados na fogueira da guerra colonial onde os seus destinos se cruzam e decidem em cenários extremos. Com eles embarcamos em paquetes de fachada, sufocamos na poeira das picadas e perdemo-nos sem esperança na escuridão das matas.
Heróis à força, arrancados aos nossos campos e cidades, lutam pela sobrevivência, prolongando sem querer a agonia de um sistema que os esquece sem remorso mal despem o camuflado.
É quase um relato que nos dá a espaços uma visão humanizada do jogo armadilhado da guerrilha, onde todos fazem de gatos e de ratos conforme a violência da surpresa e o terror do imprevisto.
Sem maniqueísmos nem excessos de violência literária, Bichos do Matos transporta-nos com naturalidade para a época e cenários da guerra colonial, reconstruídos com realismo e invulgar beleza literária.