Capa do jornal Diário de Lisboa dia 12 de Julho de 1969
Momentos antes do embarque,
com a minha mulher grávida da minha filha Candida que nasceu em 16 de Setembro de 1969
Pode perceber-se pela quantidade de viaturas da PM, o "cuidado" que havia quando do embarque de tropas para àfrica
Aqui no DN relata-se com o cuidado de então, face ao perigo do lápis azul da censura, a nossa partida para Angola.
Terá sido um dos dias mais quentes desse anos de 1969
Muitas tristezas, incertezas, angústias e medos, transportou este barco nessa longa viagem até Luanda com paragem na Ilha da Madeira, para embarcar aí, mais umas centenas de militares.
Não pensem os nossos leitores, em especial aqueles que não viveram os dramas da ida à guerra nesses tempos, (que nada tem a ver com as idas à guerra nos dias de hoje), que a publicação destes escritos e destas fotos, tem mais a ver com saudades do que com o deixar o testemunho daqueles 3 anos de serviço militar obrigatórios, com 2 anos de passagem por África.
A grande maioria dos militares de então, eram desde o inicio da sua incorporação na fileiras das forças armadas colocados longe das suas famílias e sem qualquer possibilidade de as visitar nos fins de semana que havia licença para tal.
As primeiras impressões da chegada aos quartéis, deixavam para a grande maioria de nós, uma sensação de desprezo e abandono e acima de tudo de medo. Nessa altura ainda não era o medo da guerra, era o medo dessa coisa que se chamava de disciplina militar.
A habituação fazia-se, por obrigação.
As recrutas, uma parte delas eram dadas sob a orientação de alguns oficiais que já tinham estado na guerra e traziam com eles, para aplicar na prática das suas acções como instrutores, as experiências vividas pelo próprios.
O Exército pretendia habituar desde os primeiros dias da entrada nas fileiras, todos os militares. a uma vida desprendida da família e dos lugares de onde tinham vindo. Era a mentalização para a ida. Raros eram os que ficavam perto de casa.
Quando se dava o embarque, uma parte da mentalização já estava feita. A pior parte, já era feita em África, com o dia a dia.
A incerteza e o medo passou a fazer parte do quotidiano de todos nós. Até que a rotina se apoderou das nossas mentes e então, o fim último dos nossos pensamentos passava apenas por ir riscando dia a dia, mais uma folha do calendário.
Uma grande parte da literatura que temos lido sobre a Guerra de África, infelizmente não aprofunda a parte do temor psicológico das tropas em guerra. Na maioria dos casos, limita-se a transcrever passagem da guerra no seu aspecto mais materialista, deixando para trás os dramas individuais e colectivos da tropa.
Nos dias de hoje, passados tantos anos, todos temos que reconhecer que fizemos um feito heróico com a nossa passagem obrigatória por África. Ao tempo, sabíamos o que se passava no Vietnan, uma guerra diferente da nossa. Mas os soldados que por lá andaram, tinham umas condições que me nada se comparavam às nossas.
Não era o mais importante para as chefias militares de então, mas o moral das tropas e o seu estado sanitário, estava incluído, embora com parcas palavras, em todos os relatórios enviados.
Por aquilo que hoje podemos concluir, o BCAC2877, teve a sorte de não estar envolvido em "muitas batalhas". Nada que se adivinhasse quando do nosso embarque, mas tal aconteceu. Como em todas as circunstâncias, tivemos colegas que morreram. Na nossa vida normal, civil, é assim, porque não há-de ser na guerra?
E assim, nós íamos a caminho de Luanda. Doze dias de Vera Cruz, para uma chegada no mesmo momento em que o primeiro Homem chegava à Lua.