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domingo, 16 de junho de 2019

A LOGÍSTICA DE PORTUGAL NA GUERRA SUBVERSIVA DE ÁFRICA (1961 A 1974) IIIIII



Figura 6: Percentagem de tropas de Serviços nos três TO

 Os princípios gerais estabelecidos no apoio logístico em Angola, passaram a ser: a obtenção dos recursos em condições económicas; fomento do desenvolvimento regional; e o apoio por área o mais “à frente” possível[188]. Neste sentido, a criação de depósitos avançados no interior de Angola permitiu um reabastecimento mais rápido, e assim reduzir a quantidade de material a transportar, aumentando em simultâneo a mobilidade e o poder de fogo. A grande distância que separava as unidades, e a enorme extensão das áreas de apoio, levou a que os pelotões de manutenção fossem reforçados com pessoal técnico e dotações orgânicas, destinados a fazer face a situações de emergência localmente criadas, dispondo de autonomia administrativa, para a exploração dos recursos locais[189]. Apesar de não ter sido possível aplicar sempre o apoio logístico com oportunidade, eficiência e economia até 1969[190], as lacunas foram sendo corrigidas e, “na generalidade, não há combatentes, nos três TO que não sejam unânimes em reconhecer que o apoio logístico funcionou com flexibilidade e rigor”[191].
Na Guiné, o sistema de apoio logístico adotado, baseou-se na experiência de Angola, condicionado pela especificidade do território. O apoio logístico deste TO dependia quase exclusivamente da Metrópole, com Bissau como única “porta de entrada” dos abastecimentos. A “inexistência de povoações que aliviassem Bissau” da função de base logística, levou à centralização dos órgãos logísticos em Bissau, de onde se aplicava o apoio de área, sem depósitos avançados. O reabastecimento da Guiné era mais escasso do que para os outros TO, o que gerou a necessidade de se criarem elevados níveis de abastecimentos. Devido à grande quantidade de minas, e ao “terrorismo ativo em quase todo o território”, os reabastecimentos para o interior do TO eram feitos por via aérea, marítima e fluvial[192]. As condições atmosféricas adversas, tanto para a saúde, conservação dos géneros e manutenção dos materiais, levou a algumas adaptações, como a criação de uma rede de frescos, através da distribuição de meios de frio às unidades, passando o reabastecimento de frescos a ser feito por via aérea[193].
Em Moçambique, a atividade logística desempenhou um papel de relevo, acompanhando as fases de planeamento e respondendo com oportunidade e eficiência às solicitações de ordem operacional[194]. A doutrina adotada foi a seguida em Angola, embora a maior distância da frente à retaguarda tivesse obrigado a alguns ajustamentos. A configuração geográfica, com grande desenvolvimento em latitude, com extensas vias de comunicação terrestres de difícil transitabilidade e descontínuas[195], e com os rios a constituir sérios obstáculos aos movimentos sul-norte, tornava as vias férreas e aérea realmente importantes.
Em 1964, as unidades de apoio existentes eram semelhantes às de Angola, com os Depósitos-Base localizados em Lourenço Marques, onde era desembarcado todo o material. Contudo, a falta de infraestruturas civis nos locais de maior atividade militar, e a excentricidade das fontes de obtenção dos recursos em relação às áreas de esforço militar, constituiu um sério problema. Assim, o material passou a ser também desembarcado na Beira, Nacala e Porto Amélia, onde se estabeleceram novos Depósitos-Base e foram criadas quatro áreas logísticas, diretamente relacionadas com as origens geográficas dos abastecimentos e com as possibilidades de irradiação dos sistemas de transporte, embora subordinadas ao dispositivo operacional[196].
A concentração da guerrilha a norte do TO levou a que, em 1970, todos os órgãos de direção logística e, progressivamente, as infraestruturas militares de apoio de base se deslocassem de Lourenço Marques para Nampula[197]. A execução descentralizada do apoio logístico e as suas características de apoio de área, impuseram uma notável sobrecarga nos sistemas de transportes, pelo que passaram a estruturar-se em: sistema primário, baseado em meios de transporte pesado, como navios e aviões, responsável pela ligação entre os centros logísticas; sistema secundário, baseado na rede ferroviária do centro e do norte do TO, em aviões de transporte médio da FAP e fretados[198] e em meios rodoviários com grande capacidade de carga[199], responsável pela ligação dos centros logísticos com os pontos de destino intermédio[200]; e sistema terciário, baseado em lanchas de desembarque, aviões ligeiros, civis fretados ou da FAP (DO-27 ou helicópteros) e meios rodoviários, que ligam os pontos de destino intermédio às unidades dispersas. Até ao 25 de Abril de 1974, os reabastecimentos decorreram com normalidade, sem faltar nada às unidades que atuavam nos TO, sendo que os efetivos da Marinha e da FAP também se socorriam do apoio do EP quando necessário[201].

5. Conclusões

A manobra logística de Portugal, entre 1949 e 1974, teve como objetivo principal reunir condições para apoiar o aparelho militar de Portugal.
A forma como Portugal saiu da Segunda Guerra Mundial, reforçado política e economicamente, com avultadas quantias em reservas de ouro e em divisas acumuladas, juntamente com o apoio económico-financeiro dos EUA, até meados da década de 1950, decorrente do Plano Marshall, foram essenciais para a criação da indústria de defesa que iria contribuir para a capacidade de sustentação portuguesa na guerra subversiva em África. Com a integração de Portugal na aliança OTAN, a estrutura militar portuguesa foi amplamente influenciada. As FA portuguesas foram modernizadas dentro dos limites dos recursos nacionais e passou a existir um quadro de pessoal instruído ao nível logístico, segundo a doutrina dos EUA. Estas reorganizações constituíram a “base para a futura expansão” e sustentação, necessária para conduzir as operações militares em África, de 1961 a 1974.
O crescente isolamento internacional de que Portugal era alvo e o afastamento político dos EUA, iniciado na crise do canal do Suez em 1956, levou a uma reorientação do esforço do governo português para a defesa do império, em detrimento da participação na OTAN. Prevendo a possibilidade iminente de uma guerra subversiva em África, Portugal intensificou o seu esforço no sentido de recolher conhecimentos sobre a nova tipologia de operações, e foi a consciência de que “a luta seria prolongada”, que orientou as operações de contrainsurreição para a manutenção do “conflito a uma escala reduzida, lento e com poucas despesas”, de modo a permitir a sustentação da guerra por um longo período, e ganhar a confiança da população.
Na realidade, apesar de, em 15 de março de 1961, a estrutura logística do EP dispor já de entidades de direção e órgãos de execução em pleno funcionamento, que permitiram reagir à situação de emergência que surgiu em Angola, a doutrina e princípios orientadores da ação da logística tiveram que ser reformulados e adaptados pelas FA para ações de contrassubversão. A insuficiência em recursos naturais, demográficos e financeiros, a natureza subversiva da guerra, a enorme distância dos três TO da Metrópole, a manutenção de uma média anual acima de 100.000 homens em armas e a longa duração do conflito, tornaram a permanência de Portugal em África numa missão extremamente ambiciosa. Perante a urgente necessidade de material adequado às exigências operacionais, recorreu-se à improvisação, através do fretamento de meios de transporte, aproveitamento do armamento disponível e aquisição de diverso material de guerra, visando sempre reduzir a dependência do estrangeiro.
Contudo, foi a expansão das indústrias militares para África que permitiu “acionar uma rede de órgãos avançados adaptada ao dispositivo tático”, que passou a fornecer com regularidade os abastecimentos necessários às tropas. O apoio logístico implementado passou a seguir os seguintes princípios gerais: a obtenção dos recursos em condições económicas; fomento do desenvolvimento regional; e o apoio por área o mais “à frente” possível. Neste sentido, a criação de bases e áreas logísticas nos TO e a descentralização das estruturas de apoio, foram o resultado da adaptação do sistema logístico às características dos territórios, visando responder às necessidades operacionais. Embora a descentralização do apoio logístico e o apoio de área tenham sobrecarregado os sistemas de transportes, estes adaptaram-se e estruturaram-se em três sistemas, dependendo dos locais de destino e cargas a transportar.
A enorme extensão e má qualidade das vias de comunicação, e a quase ausência de infraestruturas nos TO, levaram a um investimento na rede estradal, que, além de ter tido especial importância na luta contra a subversão, contribuiu também para o desenvolvimento económico e melhoria das populações dos territórios ultramarinos. O aproveitamento dos recursos humanos e naturais ultramarinos contribuiu também para o desenvolvimento económico e social dos territórios, o que aumentou a capacidade de arcarem com uma parte substancial da defesa e dos custos da guerra. Para racionalizar as despesas, após 1966, procedeu-se à normalização dos equipamentos, que permitiu reduzir a diversidade dos sobressalentes e, a partir de 1971, o transporte de pessoal da Metrópole para os TO passou a ser feito via FAP, mais cómodo, rápido e económico do que o transporte por via marítima.
Apesar destes esforços, o governo português não dispunha dos “meios políticos, económicos e militares para conduzir a sua política isoladamente”, nem conseguiria promover o desenvolvimento económico do país sem o “indispensável apoio externo”. Neste campo, a cooperação com a França e a RFA assumiram funções de destaque nos apoios financeiros e militares que Portugal necessitava para os conflitos em Angola, Guiné e Moçambique. O governo português estabeleceu ainda acordos militares de assistência mútua e económicos com alguns países da África Austral, principalmente com a antiga Rodésia e com a RAS, que permitiram assegurar a ligação terrestre pacífica entre Angola e Moçambique, a autorização de passagem pelos seus territórios para transportar abastecimentos de Lourenço Marques para o Norte do território, e obter da RAS, a partir de 1966, o apoio tecnológico e material que lhe começava a faltar da França e da RFA. Com um embargo limitado, foi-se conseguindo um equilíbrio favorável entre as capacidades que se conseguiam desenvolver e o material que se tinha que importar.
Apesar de todas as insuficiências e dificuldades, Portugal conseguiu garantir as condições essenciais à sua permanência em África e à concretização de um desenvolvimento evidente nas províncias ultramarinas durante os catorze anos de conflito armado e a manobra logística foi essencial para a realização deste objetivo.



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