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quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Saudade - esquecida dos ex-combatentes

Você na TV
TVI hoje


Disseram-me, não vi nem ouvi:
No dia da "saudade" que em Portugal não se comemora, falou-se de "muita saudade", mas esqueceram-se da SAUDADE DOS QUE ESTIVERAM NA GUERRA DE ÁFRICA E DAQUELES QUE POR CÁ FICARAM.
Estes programas... servem para muita coisa, até para esquecer a saudade causada por um dos períodos mais recentes da nossa história.
Percebe-se porquê!!!!

domingo, 27 de janeiro de 2019

Pensões dos ex-combatentes

Retirado da Net

""A pensão corresponde ao valor mensal de 3,5 por cento da pensão social (actualmente em 151,84 euros) por cada ano de combate e será paga anualmente, sempre em Setembro. Uma medida que vai custar ao Estado mais de 20 milhões de euros por ano. A informação foi avançada ontem pelo primeiro-ministro durante uma visita à Liga dos Combatentes. Durão Barroso explicou ontem, depois de elogiar “o esforço do ministro da Defesa”, quais são os benefícios que a já famosa Lei 9/2002, ontem regulamentada, dá aos ex-combatentes: “Todos os reformados portugueses, incluindo os da função pública e os trabalhadores rurais, que foram antigos combatentes mobilizados para os teatros de guerra no Ultramar, vão ter direito a um Complemento Especial de Pensão, a pagar em Setembro de cada ano, com carácter vitalício”. Na prática, isto significa que um ex-combatente, já pensionista, com um ano de combate no Ultramar, terá direito a 5,3 euros por mês, o que, a multiplicar por 14 meses , dá 74,2 euros. Se esse combatente esteve dois anos no Ultramar (situação mais comum) então recebe 148,4 euros por ano. Neste último caso, se o combatente tiver pago as contribuições referentes ao período militar terá um acréscimo vitalício, elevando a prestação para cerca de 152 euros. No Ministério da Defesa deram entrada cerca de 536 mil requerimentos e o Governo calcula que sejam contemplados cerca de 400 mil ex-combatentes. Relativamente aos antigos militares que ainda não estão reformados, Durão Barroso explicou que estes “poderão contar o tempo no Ultramar para o número de descontos necessários para ter acesso a uma pensão, ou para o número de anos de desconto necessários para antecipar a reforma”. Para não criar discriminações, e de acordo com Durão Barroso, fica também contemplado que os antigos combatentes que tiverem pago o encargo correspondente à bonificação de contagem e tempo, serão resarcidos através de uma compensação também ela vitalícia. Além de beneficiar nos mesmo termos os deficientes das Forças Armadas, Barroso referiu que está na Assembleia da República um diploma que alarga estes benefícios aos emigrantes e grupos profissionais com previdência especial, como é o caso dos solicitadores, advogados, ou jornalistas. Estes, segundo estimativas do Governo, deverão rondar cerca de 150 mil beneficiários. Durão Barroso fez notar que “para muitos reformados este valor significa, para além dos aumentos que se estão a verificar, mais um mês de pensão, como é o caso dos rurais”. Acrescentou ainda que “para muitos pensionistas, os que têm a pensão mínima e estão nestas condições, significa um aumento adicional de seis por cento, a partir deste ano e nos anos que se seguem”. TOME NOTA Os ex-combatentes reformados vão receber um complemento de reforma todos os meses de Setembro. O valor mensal é de 3,5% da pensão social por cada ano de serviço militar no Ultramar. O complemento é vitalício e extensível aos cônjuges e aumenta todos os anos em função da pensão social. Para os ex-combatentes no activo, o tempo de serviço militar conta para a reforma. Os contemplados com este complemento serão informados por carta.""

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Historia na primeira pessoa


Gil Manuel Pereira Francisco tem 64 anos e é natural da Póvoa do Forno, conselho de Oliveira do Bairro. Filho de um casal bairradino com oito filhos, foi militar na tropa portuguesa durante dois anos e nove meses. Em 1972 foi combater para a Guerra do Ultramar, na Guiné-Bissau, onde esteve durante dois anos. Atualmente está reformado, depois de ter tido uma empresa de construção civil, e reside na freguesia da Palhaça, também pertencente ao Conselho de Oliveira do Bairro. É casado, tem três filhos e três netos. De uma forma sucinta, a guerra da Guiné corresponde ao período de confrontos entre as Forças Armadas Portuguesas e as Forças organizadas pelos movimentos de libertação das antigas Províncias Ultramarinas de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique entre 1963 e 1974. Esta é a história de um ex –  combatente da Guerra do Ultramar.
O que o levou a entrar na Tropa Portuguesa?
Nada me levou a entrar para a tropa, entrei porque fui obrigado. Naquela altura eramos obrigados a ir à tropa. Toda a gente, ninguém escapava.
O que é que se sente quando se é chamado para combater no Ultramar? 
A minha primeira reação foi, com certeza, um bocado assustadora. Tive muito medo porque aquilo não era brincadeira, já era uma guerra a sério. No ano em que eu fui, em dezembro de 1972, a Guiné já estava numa guerra a sério.
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Mas algum dia pensou em ir combater para guerra?
Depois de lá estar, combater era o meu papel. Mas antes de ir para lá nunca me passou pela cabeça. Aliás, naquela altura, se pudesse fugir antes de ir, não ia. Alguns iam como voluntários, mas eu não, eu ia como combatente obrigado.
Ir para a guerra e pensar que podia não voltar vivo é, com certeza, um pensamento difícil e assustador. Pensou nisso muitas vezes?
Ai quantas vezes! Pensava nisso principalmente quando saíamos. Quando íamos para saídas perigosas para o mato pensava nisso muitas vezes, tanto eu como os meus colegas. Era muito complicado, mas tentávamos abstrairmos disso apoiando-nos uns aos outros.
Ao chegar ao local e ver o quão diferente é de Portugal, o que lhe passou pela cabeça?
Ora bem, aquilo a única diferença que tem de Portugal é o calor. A Guiné a nível de província era muito pobrezinho, não tinha nada. As populações viviam praticamente à custa da tropa, era a tropa que lhes fornecia o arroz, açúcar, enfim, os bens alimentares necessários. E isto tudo porque eles não podiam semear nada. Os terroristas destruíam tudo, portanto eles não cultivavam e o governo português é que lhes fornecia a comida praticamente toda.
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Quanto tempo, no total, esteve na Guerra da Guiné?
Estive na guerra exatamente 21 meses.
O que é que mais lhe custou fazer enquanto esteve a combater?
O que mais me custou foram as saídas noturnas para o mato. Sempre que ia podia estar à espera de encontrar ou não o inimigo. Também foi muito difícil a altura dos bombardeamentos, tínhamos muito medo, porque não sabíamos quando íamos ser bombardeados. Quando as bombas começavam a cair ao pé de nós, muitas das vezes perdíamos a noção do tempo, foi muito complicado e assustador.
No que é que pensava nos momentos de maior aflição?
Pensava sempre na minha família, porque tinha sempre aquele medo enorme de não conseguir chegar vivo para junto das pessoas que mais gostava, daquelas que são mais importantes para mim (silêncio). Agarrava-me também muito à Nossa Senhora, porque, ainda hoje, tenho fé e sou muito crente. Mas pronto, tinha que me habituar a estar longe e mentalizar-me de que as coisas podiam correr bem ou mal. Depois de lá estar já estava pronto para tudo e por tudo, tinha e não tinha medo, ia em frente como se nada fosse. Lá no fundo tinha sempre um bocadinho de receio, mas de qualquer das maneiras tinha que me habituar.
Há imagem que nos chocam e nos marcam para o resto da vida. Viu muita gente morrer?
Morrer não vi, porque na altura em que a minha companhia esteve nos ataques a sério eu estava em Bissau, então fui simplesmente visitar alguns companheiros ao hospital, onde um deles inclusivamente já não tinha pernas nem braços. Mas ver morrer, não vi ninguém.
E momentos de descontração, havia? 
Ah isso havia muito. Era mais ao fim do dia, nós fazíamos as nossas farras para esquecer tudo (risos).
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Como é que vivia o povo da Guiné? 
O povo da Guiné estava praticamente sempre com a tropa. Quem dá pão é amigo, nós dávamos e eles estavam connosco. Aliás, quando viemos embora, depois do 25 abril, houveram pessoas pretas, pertencentes ao povo da Guiné, que disseram que se matavam se viéssemos, porque, no fundo, éramos nós que os ajudávamos.
Achou a guerra justa? 
A guerra justa ou não justa, era na altura a pressão sob a política. Na altura foi justa porque era para defender o que era português, o resto sobre a política isso aí já era um bocadinho mais complicado, porque nós não tínhamos a abertura e a comunicação que temos hoje, o conhecimento era pouco. As nações unidas não queriam, mas guerra colonial queria que Portugal desistisse. Mas a guerra começou com a morte de muita gente e nós, tropas, tivemos que ir para lá para meter ordem naquilo, para assegurar a segurança da população.
Viveu ou conheceu alguém que tenha tido um problema traumático pós-guerra?
Houve muita gente nessas circunstâncias. Aliás, um colega meu que, infelizmente, já morreu. Quando voltou para Portugal vinha maluco, chegou a andar nu em Lisboa. Com situações deste género foi para o manicómio e, entretanto, morreu.
Foi militar durante quanto tempo?
Fui militar durante 33 meses, ou seja, dois anos e nove meses.
Não viu os seus amigos camaradas morrer, mas se tivesse visto, tinha tido vontade de largar tudo para os conseguir ajudar, mesmo sabendo que podia morrer a qualquer momento?
Eu ia ajudar sem problema nenhum! Uma vez não estava de serviço, era domingo, e na véspera à noite a companhia foi atacada e ao outro dia de manhã foi a tropa africana fazer a segurança à estrada e depois, um colega meu disse-me que um negro se estava a sentir mal e pediu para o ir ajudar, porque dizia que eu era um gajo cheio de sorte. Eu fui sem problema nenhum e fomos 8 num camião Mercedes e nós andamos por ali fora e, ainda por cima, era um dia em que havia futebol. Era um jogo do Sporting contra o Benfica e a malta a ir para o local a discutir o futebol. Não sabiam o sitio para onde iam, só eu e o meu colega é que sabíamos e como eles estavam a fazer muito barulho eu disse-lhes para não fazerem muito barulho, porque o barulho era uma das coisas que nos localizavam e nós tínhamos que ir o mais discretos possível. Fomos andando e nunca encontramos ninguém, até que chegamos ao fim da estrada, que era onde tinham sido atacados à poucas horas, e vimos que os africanos não estavam lá e era ali que deviam estar. Quando voltamos para trás já os fomos apanhar à saída do quartel, não tive medo nenhum em ir socorrer o camarada.
Quando sentiu que a guerra estava a chegar ao fim, qual foi a primeira coisa em que pensou?
Quando senti que a guerra ia acabar deu-se o 25 abril. A partir daí pensamos logo que ela iria acabar e só queríamos vir embora o mais rápido possível, porque nós só queríamos voltar para casa, para ao pé das nossas famílias.
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Como é voltar são e salvo para junto da família?
É, sem dúvida, uma grande alegria. Tanto para nós como para a família. Voltar para casa sãos e salvos é sinónimo de estar em segurança. Chegar a casa e ver que chegamos ao nosso conforto e aos braços daqueles de quem mais gostamos é a melhor sensação que se pode sentir quando se regressa da guerra.
Que género de perguntas lhe faziam quando chegou da guerra?
Normalmente as pessoas pouco ou nada perguntavam, porque não queriam tocar muito no assunto. No fundo sabiam que nós também não gostávamos de falar, porque a guerra é uma coisa que nos marca de uma forma muito profunda.
Nessa altura já namorava?
Não. Só encontrei realmente o amor da minha vida depois de vir da guerra.
Voltava a ir combater para a guerra?
Se fosse necessário e por uma causa justa, com certeza que não tinha problema nenhum em ir, ia com certeza e sem dúvida.
Acha que a guerra de hoje em dia é igual à de antigamente?
Não, é muito diferente. Os anos avançaram e as coisas e métodos também.
O que é que mudou?
Mudou a maneira de fazer a guerra. Atualmente é totalmente diferente. Agora existem máquinas, existe artilharia e outros meios que quando precisam atacam só onde querem. Embora saibam onde estão os inimigos e atirem as bombas para o sítio certo, antigamente não era assim.
Tendo em vista que foi militar, o que mudaria no serviço militar português?
Para o serviço militar de hoje em dia só vão voluntários, por isso devia continuar a ser obrigatório e fazia bem a toda a gente. Agora é diferente, a noção de ir para a guerra ou não já vai de pessoa para pessoa. Pelo menos meio ano devia ser obrigatório, nem que seja só para a disciplina.
Hoje, sendo pai e avô, gostaria que os seus filhos e netos fossem para o serviço militar português?
Para a tropa eu gostava, para a guerra não.
Porque não para a guerra?
Na guerra já se correm muitos riscos e na tropa é diferente. A tropa não fará mal a ninguém, nem que seja apenas meio ano só para se ver e sentir o rigor, a disciplina e o saber e obrigação das coisas. Para a guerra só devem ir os que são obrigados ou então aqueles que têm muita força e valentia para se voluntariar.
Tem alguma história que queira contar? 
Histórias há muitas, mas algumas a gente só quer esquecer (silêncio). Tudo aquilo pelo que passamos na vida são histórias que ficam e que nos marcam, sejam elas positivas ou negativas. Estar na guerra e vivenciar todo aquele ambiente é uma grande história. Mas é uma história que, na maior parte das vezes, queremos guardar só para nós, porque marcou-nos de uma forma muito pessoal e intimista.
Sara Pereira (texto)

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Relatos, com interesse para compreender a "guerra"

Texto retirado daqui:

SPÍNOLA E A OPERAÇÃO DOS MAJORES
Morte dos 3 Majores e 1 Alferes 1970 - Operação Chão Manjaco Guiné -

Na parte guerreira, vários oficiais fuzas, todos eles recheados de condecorações por bravura em combate. A seguir ao almoço, havia sempre um convívio relax no bar de oficiais, onde dava para se descontraírem as conversas, pondo-se a escrita em dia enquanto se bebiam uns (infindáveis) digestivos.
Não me diziam grande coisa os oficiais de combate. Com eles, as histórias andavam por repetição de feitos em golpes de mão ocorridos algures. Ainda por cima, agora tinham pouco para contar, porque a zona estava tranquila e as operações especiais eram só de quando em vez para os casos de haver informações de movimentos entre bases da guerrilha ou de infiltração desta nalguma aldeia. Até se mostravam um pouco nervosos com a inércia a que estavam amarrados.
Um dos dois tenentes fuzileiros (ia na terceira comissão na Guiné, sempre como voluntário) dizia até que, se aquilo continuasse assim, não queria mais Guiné e ia mas era oferecer-se como voluntário para o Vietname. Ele gostava e queria guerra. Ambos os tenentes fuzileiros (Brito e Benjamim) haveriam de fazer, mais tarde, outras guerras em serviço spinolista como a célebre sublevação de 11 de Março de 1975 e, depois, entrariam nas operações do MDLP sob a direcção de Alpoim Galvão.
Quanto ao Major Osório, sempre de t-shirt branca, pouco falava mas era muito respeitado. Aquilo era gente de acção e quando a não tinham, cediam à espera tensa e ansiosa de mais acção. Em resumo, eram guerreiros em descanso forçado.
O Major Pereira da Silva, de enormes bigodes revirados, não parecia um militar. Mal enfiado dentro da farda, o homem era um intelectual. Falava todos os dialectos usados na zona, conhecia de fio a pavio todos os usos e costumes das tribos da Guiné, andava sempre pelas aldeia a completar os seus conhecimentos e a farejar informações úteis. Em colaboração com a Pide, dirigia a rede de informadores e era o negociador com os cisionistas do PAIGC, dispostos a entregarem-se. Era um comunicador excelente e um homem completíssimo em cultura(s) africana(s). Dava gosto ouvi-lo e aprender com ele, tanto mais que tinha, para com os africanos, uma autêntica reverência cultural, particularmente quando se tratava dos manjacos.
O Major Passos Ramos era o crâneo do comando militar. O pensador de toda a estratégia e o homem que fazia as sínteses do cumprimento da missão para toda a zona.
Excelente conversador e homem culto, o Major Passos Ramos irradiava encanto e inteligência. Era um oposicionista manifesto e assumido ao regime e tinha, inclusive, participado na Revolta da Sé. Quando encontrava um miliciano chegado de fresco ou vindo de férias, ele imediatamente rumava a conversa para as actividades oposicionistas e pedia previsões sobre quando o regime iria cair.Spínola estava encantado com o andamento das coisas no “chão manjaco”.
Tudo ia bem ou parecia andar. E os oficias de Teixeira Pinto eram mesmo a sua nata. Eram militares profissionais de primeira água que faziam a guerra o melhor que sabiam e podiam. A meio da tarde, regressei a Pelundo. Sem problemas. Apenas com mais suor que aquele que tinha levado na ida. Mas sem rolas, porque faltara pachorra para caçadas. Passado pouco tempo, desterraram-me para o Sul da Guiné, onde a guerra era bem mais quente. Efeito subsidiário da pena de prisão de três dias que apanhara por me ter recusado a cumprir a ordem de um Tenente-Coronel para bater num Cabo.
Fiz, então, a última viagem de jipe do Pelundo até Teixeira Pinto para apanhar o avião que me levaria, em trânsito, até Bissau. Mas, antes de embarcar no avião, não faltaram os três majores na pista para darem abraços de despedida (e de solidariedade).
O adeus do major Passos Ramos foi o mais emotivo porque tinha ganho uma especial empatia comigo, alimentada de cumplicidade política e de estima pessoal. Ainda hoje me parece sentir nas costas o toque afectivo das palmas das suas mãos. Foi a última vez que vi Pelundo e Teixeira Pinto. E os três majores.
Já colocado em Catió, tive notícias dos três majores e meus amigos. Notícias que correram mundo. Toda a guerrilha do PAIGC, no 'chão manjaco' e noutras zonas do norte, 'nha decidido'render-se e passar para o lado do exército colonial. Era a cereja no cimo do bolo. Estava tudo tratado até ao pormenor. Havia fardas portuguesas já prontas para os guerrilheiros vestirem logo que chegassem a Teixeira Pinto e estava tudo tratado sobre patentes e instalações das famílias. Cada antigo guerrilheiro teria casa e comida e o soldo correspondente à sua nova patente e em igualdade com os militares europeus. Aquela seria a grande vitória política e militar do General Spínola. Precisamente na altura em que quase toda a gente considerava a guerra na Guiné como já perdida.
Os guerrilheiros colocaram uma única condição. Fariam a sua rendição em plena mata, junto a Pelundo, mas os oficiais portugueses que fossem receber os guerrilheiros teriam de comparecer desarmados. Como prova de confiança. Várias fontes confirmam que Spínola quis ir em pessoa presidir à rendição e só foi disso dissuadido no último minuto. A delegação para aceitar a rendição das forças do PAIGC foi constituída pelos Majores e meus amigos Osório, Pereira da Silva e Passos Ramos. Foram ao encontro dos guerrilheiros, ultraconfiantes, sem armas, num jipe vulgar e sem qualquer escolta. Felizes pelo sucesso iminente.
Chegados ao local de encontro, os três majores foram retalhados a tiro de kalashnikov e acabados de matar à catanada. Sem dignidade e com requintes de barbárie.
Spínola, o seu estado-maior e os majores tinham-se enganado sobre o PAIGC. A manha e a paciência dos guerrilheiros tinha sido maior que as tecidas pelas melhores inteligências do exército colonial e da Pide. Spínola perdeu os seus três melhores oficiais na Guiné de uma única vez. Eu perdi três amigos. Sem honra nem glória.
Dos pormenores que gentilmente me relatou desta trágica ocorrência, constatam-se, por vezes, uma ou outra ligeira divergência ou omissão nas diversas crónicas sobre o assunto.
Referiu-me:
(i) Chegarem ao local, o jipe com os 4 oficiais foi "esburacado" com dezenas/centenas de tiros. Surpreendidos, os oficiais envolveram-se em luta desesperada e como que a quererem interrogá-los para esta conduta. Aí, o confronto desenrolou-se à catanada. A um dos majores foi, sanguinariamente, cortada a cara e o seu tio foi neutralizado com uma catanada no estômago. O outro major ainda conseguiu fugir mas foi apanhado 200/300 metros à frente. or fim deram, a cada um, um tiro na cabeça.
(ii) No dia seguinte, foi Ramalho Eanes que procedeu ao levantamento dos corpos. Li algures que esse levantamento teria sido feito for forças da CCAÇ 2586, sob o comando do Ten-Coronel Romão Loureiro. Como tem uma relação de amizade com o Gen Ramalho Eanes, se se proporcionasse, talvez pudesse averiguar isto, assim como tentar localizar (através do Google Earth) o sítio exacto (na picada Pelundo-Jolmete) onde terá ocorrido este acontecimento. Seria uma informação importantíssima para esta memória da guerra da Guiné. Seria nas proximidades do Pelundo ou de Jolmete ?
(iii) Também uma referência a Spínola que não compareceu a este fatídico encontro, não por prévia intuição ou aconselhamento, mas porque dois dias antes tinha sido chamado a Lisboa, por Marcelo Caetano.
(iv) Referiu-me o seu pai (Professor Primário Aposentado) que o irmão (leia-se Major Pereira da Silva) quando foi para este derradeiro encontro (o décimo, creio eu) teve um pressentimento que algo de mau ia a acontecer e deixou escrita uma carta à esposa com esse presságio. A carta viria depois a ser entregue à sua tia juntamente com o restante espólio. Seria também interessante saber se a viúva estaria concordante com a sua publicação ou apenas a parte onde refere esse sinal de mau prenúncio. É um documento relevante, pois pode ter um significado mais profundo relativamente ao desenvolvimento da Operação Chão Manjaco. Também o seu pai me referiu a possibilidade de me enviar, por seu intermédio (e-mail), a fotografia do Major Joaquim Pereira da Silva.
Para concluir, aproveito para lhe enviar as fotografias que tirei no cemitério bem como outra em que, através do Google Earth, procuro fazer a sua implantação dentro da Freguesia de Galegos.