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terça-feira, 11 de junho de 2019

A LOGÍSTICA DE PORTUGAL NA GUERRA SUBVERSIVA DE ÁFRICA (1961 A 1974) II


2.2. Evolução da logística portuguesa


A logística é a “ciência do planeamento e da execução de movimentos”[56] e sustentação de forças[57], “relacionada com a conceção e desenvolvimento, obtenção, receção, armazenagem, movimentos, distribuição, manutenção, evacuação e alienação de materiais, equipamentos e abastecimentos e com todas as atividades de apoio sanitário”[58]. Contudo, a definição do conceito de logística como ramo autónomo da ciência militar só assumiu expressão assinalável nas Forças Armadas Portuguesas após 1955, nas manobras anuais, em Santa Margarida[59]. O facto de Portugal não ter participado na Segunda Guerra Mundial adiou a necessária renovação nos processos de apoio logístico[60]. Com a adesão de Portugal à OTAN, a estrutura militar portuguesa e as doutrinas por que se regiam sofreram grandes alterações e foram assumidos compromissos internacionais que tiveram reflexo na logística. Em 1950 foi criado o Ministério da Defesa Nacional (MDN), com jurisdição sobre o Ministério do Exército[61] e o Ministério da Marinha e, em 1953, a mudança ao nível do pensamento militar, levou à alteração das unidades operacionais do Exército Português (EP) que passaram a ser de dois tipos: as “tipo português”[62] e as “tipo americano”, com organização semelhante ao Exército dos EUA, equipadas com material moderno e treinadas para o combate contra as forças soviéticas na Europa[63]. Neste sentido, Portugal aperfeiçoou e modernizou o seu conceito de apoio logístico, através do envio de oficiais para frequentar cursos sobre logística nos EUA. A participação nos exercícios de postos de comando na RFA, mentalizou os oficiais portugueses presentes para a importância da logística.
Com um quadro de pessoal instruído ao nível logístico, as doutrinas dos EUA e da OTAN foram reformuladas e adaptadas pelas FA portuguesas ao nível dos conceitos, princípios orientadores da ação da logística[64] e forma de atuação[65]. Estas reorganizações, além de modernizarem as FA portuguesas dentro dos limites dos recursos nacionais, constituíram a “base para a futura expansão” e sustentação, necessária para conduzir as operações militares em África, de 1961 a 1974[66]. Na realidade, em 15 de março de 1961, a estrutura logística do EP, dispunha já de entidades de direção e órgãos de execução em pleno funcionamento que permitiram reagir à situação de emergência que surgiu em Angola[67].

A organização logística estava inserida na quarta repartição (logística), com dependência direta do Quartel-Mestre General. Este dependia hierarquicamente do Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), que assistia o Ministro do Exército ou o Subsecretário de Estado (Ministério do Exército)[68].

Na estrutura logística do EP inseriam-se as indústrias militares[69]. O apoio económico-financeiro dos EUA, decorrente do Plano Marshall, que Portugal recebeu até meados da década de 1950, foi essencial para a criação e modernização da indústria de defesa que iria contribuir para a capacidade de sustentação das operações militares em África[70]. A procura de uma maior autossuficiência na área do armamento e munições levou a um investimento na indústria militar. Embora a ajuda norte-americana tenha ficado aquém do esperado, a Fábrica Militar de Braço de Prata (FMBP) recebeu, em 1952, cerca de 45% do investimento total, conforme planeado na diretiva “O Esforço Militar de Portugal” e a Fábrica Nacional de Munições de Armas Ligeiras (FNMAL) recebeu 11% do investimento total proveniente do auxílio financeiro do Plano Marshall. Portugal recebeu ainda apoio estrangeiro na formação técnica do pessoal das indústrias militares, particularmente de Espanha. No total, o financiamento ao programa industrial militar português, no respeitante à produção de munições, foi na ordem de 7.665.000 dólares, dos quais 26,5% provinham do Plano Marshall[71]. Apesar da indústria militar não ser de elevado nível tecnológico, iria permitir a satisfação das necessidades básicas das FA, em munições e armas ligeiras[72].

3. O início da guerra em Angola, “rapidamente e em força”
Após os incidentes na Baixa de Cassange, em 11 de Janeiro de 1961, foram enviadas para Angola quatro Companhias de Caçadores Especiais e uma Companhia de Polícia Militar, em reforço à guarnição normal, perfazendo um total de cerca de 6.500 militares, dos quais apenas 1.500 eram europeus. Este era o efetivo militar presente em Angola ao eclodir da guerra, que, por ser em de tempo de paz, do ponto de vista logístico, não contemplava uma estrutura devidamente preparada[73]. Com o início da insurreição em Angola, realizada pela União dos Povos de Angola (UPA)[74], em 15 de março de 1961, confirmou-se a ausência de um planeamento logístico no TO, capaz de apoiar a manobra em terreno acidentado. A área afetada era cerca de 100 mil quilómetros quadrados, várias vezes superior à Metrópole, desde as margens do Rio Zaire até ao sul dos Dembos. Cerca de 1.000 colonos brancos e 6.000 negros bailundos, homens, mulheres e crianças são mortos nas seguintes áreas: junto à fronteira norte, em Bueda, Luvaca, Cuimba, Mandimba e Canda, e no interior, em Bessa, Monteiro, Quibala, Cambamba, Quitexe, Zalala e Nova Caipemba[75]. “Em nenhuma das localidades com guarnições militares houve quaisquer assaltos ou massacres”[76]. O ataque foi planeado para a época das chuvas e, na realidade, em março, as estradas estavam alagadas e nem uma era alcatroada. A via principal que ligava Carmona a Luanda, por onde era escoado o café, estava intransitável e as FA, em número reduzido e mal distribuídas no terreno, não tinham os meios necessários para proteger a população[77].

A primeira operação logística, após os ataques de 15 de março de 1961, foi uma operação de evacuação da população do Norte de Angola para Luanda, caracterizada pela carência de meios aeronáuticos da Força Aérea Portuguesa (FAP). Assim, foram requisitados aviões da Divisão de Transportes Aéreos (DTA), uma companhia provincial de transportes, e foram também autorizados a participar nas missões pilotos particulares que formaram a Esquadrilha de Voluntários do Ar (EVA). Embora a EVA estivesse equipada apenas com monomotores, formou uma verdadeira ponte aérea[78].
Após controlada a tentativa de golpe de Estado protagonizada por Botelho Moniz, Salazar assume a pasta da defesa nacional, em 13 de abril de 1961, e remodela o governo em 4 de maio, sob o argumento: “Angola, andar rapidamente e em força”[79]. Logo em 19 de abril, por via aérea e, em 21 de abril, por via marítima, seguem os primeiros contingentes para o TO de Angola. Estes últimos embarcaram no paquete Niassa, no cais da Rocha do Conde de Óbidos, em Lisboa[80], e chegaram a Luanda no dia 1 de maio, uma segunda-feira[81]. Em 13 de maio inicia-se a reconquista do norte de Angola[82] e, em menos de quatro meses, as FA reocuparam toda a região afetada[83]. Os êxitos fáceis obtidos nos primeiros combates, perante um inimigo ainda mal armado, que atacava em massa e a descoberto, o reduzido tempo que demorou a reocupação, e a ignorância acerca dos territórios e populações africanas, contribuíram para criar em alguns responsáveis em Lisboa a errada convicção que, em Angola, a guerra era de catanas “ao nível da Secção”.
Deste modo, compreende-se que a necessidade de repor urgentemente a situação no Norte do paralelo de Luanda tenha levado Lisboa, em 1961, a preferir a quantidade em detrimento de qualidade dos efetivos militares de reforço para Angola e também para a Guiné e Moçambique, com uma instrução insuficiente e inadequada. Na realidade, os efetivos militares mobilizados para os três TO passaram de 40.422 militares, em 31 de dezembro de 1961, para 75.829, em 1966, e 81.549, em 1972, o que aumentou consideravelmente as despesas e as dificuldades logísticas[84].

3.1. Dificuldades logísticas impostas a Portugal

A Guerra Subversiva de África iria ser caracterizada pelo isolamento crescente de Portugal, “um Estado de modesta presença na hierarquia de potências[85], e pela sua política de defesa do território nacional, que incluía as províncias ultramarinas, um centro fulcral para a vitalidade económica da nação, não hesitando em defender uma ocupação de 500 anos em África[86], fundamental para a segurança nacional. A política nacional manteve-se inalterada, mesmo após Marcelo Caetano ter tomado posse do governo, apelando à “continuidade e renovação”[87]. No entanto, a campanha internacional contra a política ultramarina portuguesa manteve-se acesa através de debates e resoluções condenatórias na ONU[88], embargo na venda de armamento de países ocidentais, corte nas relações diplomáticas e proibição de navegação aérea e marítima por parte de alguns países afro-asiáticos, aumento de incidentes nas fronteiras africanas, críticas de Estados membros da OTAN, entre outros. Para além da conjuntura internacional desfavorável a Portugal, resultado das críticas ao ultramar português, lideradas pelos blocos comunista e afro-asiático, inserido no confronto global da Guerra Fria, outros problemas tornariam a permanência em África numa missão extremamente ambiciosa: (1) insuficiência em recursos naturais, demográficos e financeiros; (2) guerra de cariz subversivo; (3) três TO distintos e separados por milhares de quilómetros; (4) manutenção de uma média anual acima de 100.000 homens em armas com os equipamentos associados; (5) conflito prolongado no tempo, de março de 1961 a abril 1974[89].

Ao nível do potencial humano, na véspera do conflito em África, Portugal dispunha de 8.889.392 habitantes no continente e ilhas adjacentes, 4.830.283 habitantes em Angola, 525.437 na Guiné e 6.603.653 em Moçambique. Reduzindo estes números aos escalões etários mais expressivos em termos militares, dos 20 aos 24 anos, o potencial humano é reduzido a 336.672 habitantes no continente e ilhas adjacentes, 208.853 habitantes em Angola, 21.256 na Guiné e 250.000 habitantes em Moçambique[90]. Neste contexto, em 1961, as FA portuguesas contavam com 79.000 efetivos[91], com um orçamento de defesa de 93 milhões de dólares, francamente diminuto quando comparado com outros Estados que tinham combatido ou combatiam em guerras semelhantes[92].

A natureza subversiva da guerra[93] iria exigir uma reorientação das FA de uma força convencional para outra preparada para a contrassubversão, caracterizada pela adoção de procedimentos táticos de pequenas unidades (PU), adaptadas às forças dos guerrilheiros[94], onde os aspetos tecnológicos eram encarados como fatores de menor importância[95]. De uma forma abreviada, a guerra subversiva é uma guerra interna[96], definida como “luta conduzida no interior de um território, por parte da população, ajudada e reforçada ou não do exterior, contra a autoridade de direito ou de facto, com o fim de, pelo menos, paralisar a sua ação”[97]. É prolongada, metódica e com o objetivo de conquistar o poder, correspondendo à “subversão em armas”[98]. A ausência de uma linha da frente, implicava que as colunas de reabastecimento logísticas podiam sofrer emboscadas e ataques provenientes de minas[99], o que implicou uma necessária implementação de contramedidas, com a modificação de viaturas[100] e dos procedimentos táticos. Desta forma, não admira que, quando se iniciaram as guerras em África, o EP não tivesse qualquer regulamento ou diretiva que apontasse procedimentos e normas logísticas, de uma forma geral, e muito menos sobre conflitos subversivos[101].
A média de efetivos das FA nos três TO, de 1961 a 1974, era de 117.000 militares. Com 49.422 efetivos, em dezembro de 1961, o número foi crescendo de forma exponencialmente inversa até 1970, verificando-se novo incremento até dezembro de 1973, onde foi atingido um máximo de 149.090 efetivos[102]. Este incremento deveu-se ao reforço dos efetivos dos três ramos das FA com recrutamento local que, em 1961, representava apenas 14,9% dos efetivos em Angola, 21,1% na Guiné e 26,8% em Moçambique e, em 1973, atingia 42,4% dos efetivos em Angola, 20,1% na Guiné e 53,6% em Moçambique[103]. Este crescimento, reflete as limitações em recursos demográficos e financeiros, uma vez que a carência de efetivos nunca se deixou de fazer sentir. Na realidade, em 1968, estavam a “atingir-se os limites” do que era razoável “exigir anualmente à nação em homens e dinheiro sem se comprometer a estabilidade presente e as bases do seu progresso económico e social”[104]. Neste contexto, verifica-se uma relação de proporcionalidade entre o fator distância e a percentagem de recrutamento local, ou seja, à medida que aumenta a distância dos TO de Lisboa, aumenta o número de recrutados nos respetivos TO, em proporção aos efetivos totais.
Na realidade, o esforço logístico que Portugal tinha que fazer para sustentar uma guerra nas “províncias ultramarinas” era enorme, devido principalmente ao fator distância: o principal porto de reabastecimento de Angola, em Luanda, dista por via aérea cerca de 7.300 quilómetros de Lisboa, o principal porto de reabastecimento da Guiné, em Bissau, encontra-se aproximadamente a 3.400 quilómetros por via aérea de Lisboa e a mais de 4.000 quilómetros de Luanda, e o principal aeródromo de reabastecimento de Moçambique, na Beira, dista cerca de 10.300 quilómetros de Lisboa, e o principal porto de reabastecimento, em Lourenço Marques[105], encontra-se a mais de 7.000 quilómetros de Bissau[106]. A distância que separava Lisboa dos TO era o principal obstáculo que Portugal enfrentava ao nível do apoio logístico, com o desgaste associado dos meios de transporte necessários, mas a distância dos territórios ultramarinos entre si, a dimensão dos mesmos[107], e as características dos TO, contribuíam para complicar ainda mais a sua defesa e o apoio de serviços[108]. Desta forma, Portugal teve de manter a guerra a um ritmo lento e com custos controlados. O aproveitamento dos recursos humanos e naturais ultramarinos contribuíram também para o desenvolvimento económico e social dos territórios, o que aumentou a capacidade de arcarem com uma parte substancial da defesa e dos custos da guerra[109].

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