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25 de abril: Traumas da guerra colonial ainda persistem
25 de abril: Traumas da guerra colonial ainda persistem
João Carlos (Lisboa)25/04/201925 de abril de 2019
Entre 120 e 140 mil militares portugueses ainda sofrem de stress pós-traumático, 45 anos depois da guerra colonial em África. E muitos familiares também são afetados. Estudos ajudam a perceber melhor este problema.
Quarenta e cinco anos depois da Revolução de 25 de abril de 1974 em Portugal, ainda há registos de traumas da guerra colonial em África, que mobilizou cerca de um milhão de homens e fez mais dez mil vítimas, além de ter causado cerca de 120 mil feridos e deficientes físicos.
Estima-se que 120 a 140 mil militares portugueses sofrem de stress pós-traumático. Desse número fazem parte os filhos dos ex-combatentes que cresceram rodeados de objetos e memórias da guerra deixados pela geração dos pais.
Filho de ex-combatente
Paulo Faria nasceu em janeiro de 1967. Quando se deu o 25 de abril de 1974 - a conhecida Revolução dos Cravos em Portugal - ainda era uma criança. Tem agora 52 anos e é um dos filhos de ex-combatentes portugueses que até hoje convivem com os traumas da guerra colonial em África, nomeadamente em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, entre 1961 e 1974.
Paulo Faria: "A guerra colonial esteve sempre presente lá em casa"Foto: João Carlos
"A guerra colonial esteve sempre presente lá em casa. Era o uniforme do meu pai que estava guardado e com o qual nós brincávamos e que mais tarde usei quando andava no liceu. Esse uniforme tinha um cheiro inconfundível que ainda hoje conserva ao fim de tantos anos", recorda.
Também brincavam inconscientemente com fotografias de guerra do pai, Mário Faria, que foi alferes médico em Moçambique, entre 1967 e 1969.
"E eram as histórias de guerra do meu pai, que ele contava. Só mais tarde é que começo a aperceber-me da importância que a guerra teve para ele".
25 de abril: Traumas da guerra colonial ainda persistem
Mas a maior parte dos veteranos nunca falou da guerra à mulher e aos filhos. Era uma experiência que não queriam partilhar. Quando Mário Faria morreu, em 2013, o filho decidiu falar com os veteranos que tinham estado com ele no Ultramar. Isso deu origem mais tarde ao romance, "Estranha Guerra de Uso Comum".
"A maior parte desses veteranos com quem falei disse-me que nunca falaram da guerra à mulher e aos filhos", explica. "Para eles, a guerra era uma experiência que eles não queriam partilhar".
Paulo Faria reconhece, entretanto, que na sociedade portuguesa ainda há traumas como reflexo da guerra colonial. "Esses traumas que eu tentei - e espero ter conseguido - ultrapassar pensando nas coisas e tornando-me, em certa medida, herdeiro da guerra colonial do meu pai estão presentes obviamente".
Estudo sobre traumas de guerra
Este tradutor e escritor faz parte de um grupo de filhos de ex-combatentes ouvidos por investigadores do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Num estudo iniciado em 2008, coordenado por Margarida Calafate Ribeiro, no âmbito do projeto "Filhos da Guerra Colonial e Pós-memórias Europeias", avaliam as marcas que a guerra deixou e, em particular, os traumas herdados pelos filhos no ambiente familiar.
A psiquiatra Luísa Sales, coordenadora do Centro de Trauma do Centro de Estudos Sociais, integra a referida equipa, explica como as memórias passam de geração em geração. "Os filhos dos homens que foram à guerra, uns já nascidos quando os pais partiram, outros nascidos anos após o regresso ou até após o final da guerra, guardam de facto memórias. Não só as memórias familiares, privadas, que vão constituir após memória da guerra colonial - aquilo a que podemos chamar uma memória de segunda geração - como guardam igualmente a capacidade de reelaborarem a partir das suas memórias, de objetos, de narrativas, guardam a capacidade de reelaborar esse período vivido pela geração dos pais".
Psiquiatra Luísa SalesFoto: João Carlos
A chefe de Serviço de Psiquiatria daquele centro acrescenta que estes filhos, já adultos, guardam sobretudo "uma acrescida vulnerabilidade ao trama psicológico, uma vulnerabilidade significativa ao desenvolvimento de sofrimento emocional e stress traumático".
"De facto, não só os filhos, mas também as esposas dos ex-combatentes que regressaram da guerra com trauma psicológico apresentam também elas um acrescido sofrimento emocional e uma maior vulnerabilidade ao trauma", sublinha ainda Luísa Sales.
Elas foram não só guardiãs privilegiadas de memórias privadas da guerra colonial, mas também vítimas de traumas secundários pelas ausências, perdas e dores. Por outro lado, acrescenta a especialista, foi também detetada uma acrescida vulnerabilidade ao sofrimento emocional nas mulheres dos homens que foram à guerra e trouxeram marcas traumáticas.
As mães tiveram uma importância determinante pelo papel que desempenharam ou ainda desempenham para fazer entender aos filhos as razões que levaram os pais a combaterem no Ultramar.
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