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terça-feira, 30 de outubro de 2018

Salazar e os outros



"Salazar não foi o último político a dar missões incumpríveis aos militares"



A guerra em África foi um momento marcante na vida dos militares portugueses?
Absolutamente marcante. Que começou violentamente em Angola a 15 de Março de 1961, de tal maneira que a população portuguesa reagiu quase da mesma forma como reagiu há tempos com Timor!

Houve muitos heróis nessa guerra. Menos do que Portugal precisava ou demasiados?
Qualquer mãe que vê o filho ir para a guerra sente que partiu um herói. Regresse ou não, para ela é um herói. Se um milhão de portugueses foi para a guerra, para qualquer mãe deste país houve um milhão de heróis. Se a pátria entende que qualquer militar a quem disse "marcha, porque eu preciso de ti", mesmo que morra, desde que tenha cumprido o dever, deve considerá-lo herói. Só que o conceito de herói varia muito, tanto que hoje os heróis são aqueles que a comunicação social faz. São outro tipo de heróis.

Que não os militares?
Os que regressaram mutilados, cegos, stressados e outros mais fortes do que quando partiram; aqueles que não regressaram e que são quase dez mil nomes no monumento aos combatentes do Ultramar e os que têm na Batalha um símbolo, o do soldado desconhecido. Essa pergunta não tem assim tanta importância, porque ninguém vai para a guerra para ser herói - cumpre um dever!

Quando Salazar mandou resistir até à morte em Goa, o que queria era heróis?
Não sei se queria heróis, o que fez foi dar uma ordem estúpida! Eu estava na Academia Militar e alguns dos meus camaradas estavam na Índia. Quando ouvi isso na televisão, em Dezembro de 1961, vi todos os meus camaradas mortos. O grave erro dos políticos é atribuírem aos militares missões completamente inverosímeis e exigirem sacrifícios que ultrapassam o mínimo de exigência e de consciência de um poder político. E não foi o último a dar missões incumpríveis! Depois do Salazar, já houve muitas missões difíceis de cumprir, sem dar os meios necessários.

36 anos depois, a visão da História sobre esses 13 anos em África é justa ou injusta?
É bom que aqueles que viveram a guerra escrevam e falem, mas tenho para mim que a História correcta só se fará dentro de algum tempo, quando os que a fizeram desapareçam e os que se opuseram também. Nós vivemos há 30/40 anos com a síndrome da Guerra Colonial porque quem nos governa hoje foi contra a guerra. O que importa é esquecer quem a fez.

Uma situação quase igual ao esconder da guerra durante os seus 13 anos?
A partir de determinada altura tive a sensação de que não era divulgada como deveria e passou a ser conduzida por uma contra-informação e propaganda que dizia que a guerra não acabava porque os militares não queriam que ela acabasse.

Critica-se o uso de violência por parte dos militares junto das populações. Episódios macabros, napalm... Qual a verdade?
Não vou responder "guerra é guerra", mas a guerra é guerra! Não se vai para lá fazer festas na cara do inimigo porque o inimigo quer matar! E, frente a frente, é quem atirar primeiro! Qual o objectivo da guerra? Em termos militares, é retirar ao inimigo a vontade de combater. Não é destruir o inimigo ou matar tudo. A guerra é violenta! Seja subversiva, clássica, convencional ou nuclear - é um mal infernal que o homem inventou para resolver problemas! A guerra no Ultramar foi a favor das populações, porque não se as conquistam a matar indiscriminadamente.

E quanto à violência?
A violência na guerra começa desde que se trata mal o inimigo até lançar uma bomba de napalm. Lançar napalm é estratégico, quando se encontra o inimigo é táctico. Havia regras rígidas e foram levantados vários autos sobre excessos. Não estou a falar dos primeiros meses de guerra.

Aí não houve controlo?
Não estou a falar na reacção a um ataque suicida que foi feito, com cenas absolutamente inacreditáveis porque tinham de reagir daquela forma. Quanto ao napalm? Enquanto eu lá estive... Pode ser que napalm tenha sido lançado em determinadas situações. Sei que foi empregue, como aconteceu com a destruição de lavras por meio de herbicidas para evitar que as populações se instalassem em determinadas áreas. Agora, um tipo de comportamento das forças armadas de violência não corresponde à realidade.

Qual foi o seu pior momento na guerra?
O meu pior momento? Ter-me nascido um filho enquanto lá estive. Que quando o vi, já sabia andar. Mais nada.

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