O tempo passa e tudo fica igual, como dantes.
“No 10 de Junho, António Barreto disse que o Estado e o povo português não trataram bem os seus veteranos de guerra (que aqui chamamos de "ex-combatentes"). É uma evidência.
Não se trata de um comportamento exclusivamente português. Acontece em todos os países quando as guerras não se ganham ou não se querem. As queixas dos veteranos portugueses da guerra colonial são as queixas dos veteranos americanos da guerra do Vietname e do Iraque: quando voltam a casa não os espera a gratidão dos seus compatriotas. Na melhor das hipóteses, espera-os a indiferença.
Em Portugal, há uma geração inteira que viveu o sofrimento das suas memórias quase em silêncio. Muitos deles nem à família contaram por o que passaram. Quanto muito, dividiram as lembranças com os seus camaradas de armas. E há milhares de homens com mazelas físicas ou psicológicas que o país foi ignorando e, em demasiados casos, deixando no mais absoluto dos abandonos.
Mas a este esquecimento injusto e habitual, juntou-se o contexto político do final da guerra. Se o 25 de Abril, o fim da guerra e a descolonização são largamente consensuais na sociedade portuguesa, o mesmo não podemos dizer da forma como as coisas aconteceram. Não vou lançar mais achas para essa fogueira que aquece ainda tantos ressentimentos. Limito-me a assumir que este é um debate que só agora pode começar a ser feito sem grandes paixões. Pela minha geração, a que não viveu estes acontecimentos.
Até hoje, o "ex-combatente" jogou um papel meramente simbólico em todas as discussões e decisões. Não ele, propriamente dito, mas a expressão que o identifica. Trata-se de um absurdo, já que foi o "ex-combatente" que fez a revolução. Os soldados, os sargentos e os oficiais de baixa patente que fizeram a guerra foram os que nos trouxeram a liberdade - os que foram enviados para África ou os que estavam na iminência de o ser.
Na verdade, a expressão "ex-combatente" foi sempre usada sem nunca se estar realmente a referir a pessoas. Ela foi um conceito político. E as pessoas concretas, com os seus dramas reais, acabaram por ser punidas por isso.
Passados 36 anos, está chegada a hora do País fazer as pazes com a sua memória. E fazer justiça à geração da guerra. Sabendo que a guerra colonial não foi decidida por eles e que eles foram, com os povos das ex-colónias, as suas principais vítimas. São eles que carregam as feridas do nosso passado. E nós falhámos ao ignorá-las.
Tudo isto parece hoje óbvio. Mas nem sempre foi. E é natural que não fosse. Os povos também precisam de tempo para sarar as feridas da guerra e começar a falar do assunto. E quando finalmente o conseguem fazer é muitas vezes tarde demais. “ ( expresso.sapo.pt )