quinta-feira, 13 de junho de 2019

A LOGÍSTICA DE PORTUGAL NA GUERRA SUBVERSIVA DE ÁFRICA (1961 A 1974) IIII



3.3. Necessidades em campanha e apoio externo



O valor médio da verba necessária por dia para manter individualmente os militares portugueses nos TO era: 115$00 para o TO de Angola; 105$00 para o TO da Guiné; 125$00 para o TO de Moçambique[138]. Estas eram as necessidades que a estrutura logística de Portugal tinha que garantir a cada militar para que a sustentabilidade das operações militares estivesse assegurada[139]. Na realidade, a Guerra em África exigiu de Portugal um apreciável o esforço financeiro na sustentação da luta[140], pelo que, no seguimento dos planos de reformas, foi implementado um plano intercalar, aprovado pela Lei n.º 2123, de 14 de dezembro de 1964 (1965-1967), no qual a indústria se afirmou como o setor prioritário, apesar do esforço económico estar direcionado para a Guerra em África, e um III e último PF, aprovado pela Lei n.º 2133, de 20 de dezembro de 1967 (1968-1973) [141]. Portugal aderiu ainda ao Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, General Agreement on Tariffs and Trade (GATT)[142], em 1962, com a extensão aos territórios ultramarinos. Neste contexto, começou-se a industrializar e a investir economicamente nas províncias ultramarinas, onde as operações militares desencadearam um surto de desenvolvimento em todas as parcelas ultramarinas, com destaque para Angola e Moçambique. Passou a desenvolver-se e a aproveitar-se a riqueza dos territórios ultramarinos[143], como forma de contribuir para a sustentação das ações militares e psicossociais, foi autorizado um maior investimento estrangeiro, adaptaram-se estruturas, desenvolveram-se métodos e investigação, reformularam-se leis que as necessidades da guerra e a evolução dos tempos impunham e, finalmente, o aumento das migrações internas e o contacto com novas gentes e realidades, provocaram uma evolução na dinâmica social e cultural da sociedade portuguesa. O resultado foi o aumento da população dos territórios ultramarinos, de 12 milhões de habitantes, em 1953, para quase 17 milhões, em 1971[144]. O volume do comércio externo triplicou no mesmo período, de 14 milhões de contos para 45 milhões[145], e o Produto Interno Bruto (PIB) passou de 39 para 130 milhões de contos[146]. As reservas de ouro e divisas somavam cerca de 50 milhões de contos[147] no final de 1973[148].
Apesar destes esforços, o governo português não dispunha dos “meios políticos, económicos e militares para conduzir a sua política isoladamente”, nem conseguiria promover o desenvolvimento económico do país sem o “indispensável apoio externo”[149]. Na realidade, as FA em geral, debatiam-se com uma sistemática carência de viaturas, de rádios capazes e de uma necessária renovação do armamento, face ao material mais variado e moderno que os movimentos independentistas obtinham[150]. O fornecimento de aviões e helicópteros, a maioria dos navios, artilharia, mísseis e equipamentos diversos sofisticados, nomeadamente de transmissões dependia do estrangeiro[151]. Neste campo, a cooperação com a França, que se manteve até meados dos anos de 1960[152], foi bastante benéfica para Portugal e permitiu colmatar algumas necessidades em aparelhos aeronáuticos, que passaram a ser recusados pelos EUA[153]. Desta cooperação, foi ainda possível implementar o plano de renovação naval, que previa a construção de um enorme conjunto de navios de guerra, em França e em Lisboa, iniciada em 1965[154]. Com a RFA, o governo português conseguiu a diminuição do défice da balança comercial, a principal preocupação portuguesa, cuja resolução passava pela produção de armamento em Portugal e a sua exportação para a RFA[155]. As vantagens para Portugal que daí advieram foram muito importantes para a guerra subversiva em África, pois incluíram a concessão de créditos em condições favoráveis, aumento das compras alemãs em Portugal, em particular de munições e armas ligeiras de fabrico português e “o fornecimento, muitas vezes a preços simbólicos, de aviões apropriados à guerra em África, de equipamentos de telecomunicações, de material de guerra diverso, de veículos militares e outros”[156].
O governo português estabeleceu ainda acordos militares de assistência mútua e económicos com alguns países da África Austral, principalmente com a antiga Rodésia e com a RAS[157], resultado da ação política levada a cabo na execução da estratégia contra subversiva materializada por Portugal durante o conflito em Moçambique[158]. Na realidade, as dificuldades logísticas no transporte de abastecimentos de Lourenço Marques para o Norte do território[159], levou a que se preparasse uma operação “na época das chuvas de 1969” com uma coluna “especial”[160]. A “especialidade” resultava do percurso que iria percorrer: “saindo de LMarques incluía a entrada na República da África do Sul, pela Vila Ressano Garcia, atravessar em direção à Rodésia e, depois de ultrapassar Tete, seguiu pelo Malawi, entrando novamente em Moçambique, pela região de Nova Freixo rumo a Nampula”. O sucesso desta “operação”, ao fim de quase um mês de marcha, exigiu “cuidados muito especiais”, nomeadamente contactos com as autoridades dos Estados a atravessar, “alteração das matrículas das viaturas, condutores trajando civilmente, ausência de rastos, etc.”[161]. Com Salisbúria[162], Portugal conseguiu assegurar a ligação terrestre pacífica entre Angola e Moçambique[163] e obteve, na RAS[164], a partir de 1966, o apoio tecnológico e material que lhe começava a faltar da França e da RFA[165]. Na realidade, a RAS atuava com forças aeromóveis em Tete e mantinha forças na faixa de Caprivi e no Transvaal[166], que lhe permitiam apoiar operações militares tanto em Angola como em Moçambique[167].
Com um embargo limitado, foi-se conseguindo um equilíbrio favorável entre as capacidades que se conseguiam desenvolver e o material que se tinha que importar[168]. Esta vantagem só foi posta em causa na Guiné, em 1973, com o aparecimento dos mísseis antiaéreos SAM/7 e o reforço do poder de fogo em artilharia, por parte do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC)[169]. Com uma gestão racionalizada dos recursos humanos, materiais e financeiros, Portugal conseguiu garantir as condições essenciais à sua permanência em África e à concretização de um desenvolvimento evidente nas províncias ultramarinas durante os catorze anos de conflito armado[170]. Apesar de todas as manobras efetuadas, a ONU e outros forainternacionais nunca impuseram sanções que limitassem seriamente a capacidade logística de Portugal prosseguir o esforço de guerra e a pacificação dos territórios ultramarinos[171].



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