quarta-feira, 12 de junho de 2019

A LOGÍSTICA DE PORTUGAL NA GUERRA SUBVERSIVA DE ÁFRICA (1961 A 1974) III

3.2. Projeção da logística para os teatros de operações

“Um apoio logístico eficaz é fundamental para o sucesso de qualquer campanha” e “deve ser parte integrante de todo o planeamento operacional uma vez que pode restringir o objetivo das operações ou possibilitar a liberdade de ação e apoiar o moral”[110]. Embora em conflitos de baixa intensidade existam “poucos exemplos em que a logística tenha desempenhado um papel importante”[111], no caso da Guerra em África o fator distância e o cariz subversivo da guerra tornaram este apoio fundamental para o moral das tropas e para a consecução dos objetivos dos programas psicossociais[112].
O início da guerra em Angola implicou o recurso de elevados efetivos militares da Metrópole, contudo, o fretamento de meios aéreos de transporte, possibilitou a rápida projeção de um quantitativo demasiado elevado para as capacidades da estrutura logística do TO. As características do território agravaram ainda mais a situação, nomeadamente: (1) a sua enorme extensão, (2) a má qualidade das vias de comunicação e (3) a quase ausência de infraestruturas. Na realidade, embora as FA previssem uma guerra subversiva em África[113], o Ministério do Exército não tinha preparado doutrina relativa ao apoio logístico para ações de contrassubversão[114], além de que, parte do armamento e equipamento existente estava obsoleto[115], e o mais moderno, ao abrigo da aliança OTAN, estava condicionado à Europa[116].
Perante a urgente necessidade de material adequado às exigências operacionais, recorreu-se à improvisação e adaptação de meios[117], aproveitou-se armamento disponível e utilizaram-se espingardas automáticas FN cedidas pela RFA e RAS[118]. Para remediar esta situação, foi necessário adquirir diverso material de guerra, e reduzir a dependência do estrangeiro. Neste sentido, a FMBP adquiriu diversa maquinaria destinada à produção da espingarda automática G3, que começaria a ser totalmente produzida ainda em finais de 1962. Contudo, a reação mais imediata foi a expansão para África das atividades da Manutenção Militar (MM)[119], do Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos (LMPQF) e das Oficinas Gerais de Fardamento (OGF)[120], com a criação de várias sucursais, delegações, messes e infraestruturas dispersas por extensas áreas geográficas[121]. Esta implantação em África visava principalmente prestar um apoio logístico mais eficiente às forças militares, através da descentralização da produção, exploração dos recursos locais e construção de depósitos que assegurassem um reabastecimento mais rápido. O desenvolvimento das estruturas criadas incluía, em 1973, estabelecimentos da MM, do LMPQF e das OGF nos três TO, nomeadamente em Angola, em Luanda, Luso e Nova Lisboa, na Guiné, em Bissau e em Moçambique, na Beira, Lourenço Marques, Nampula e Porto Amélia. Apesar de não terem sido criadas delegações das Oficinas Gerais de Material de Engenharia (OGME) em África, este estabelecimento contribuiu com pessoal técnico no apoio em manutenção e reparação de viaturas e equipamentos nos três TO[122].
Para responder às necessidades operacionais criou-se uma base logística em Luanda, devido à abundância de recursos locais, aos desenvolvidos portos, aeroporto e infraestruturas rodoviárias, e dividiu-se o território em duas áreas logísticas: a primeira, englobava a Zona de Intervenção Norte (ZIN), onde a maioria do apoio era necessário, e a segunda, cobria o resto do território nas Zona de Intervenção Centro (ZIC), Zona de Intervenção Sul (ZIS), e Zona de Intervenção Leste (ZIL), menos densamente povoadas e com 50% dos efetivos a viver dos recursos locais[123]. Em 1962, a estrutura logística em Angola aplicou um conceito de apoio logístico que seria a referência para os diversos serviços, e estabelecia os seguintes princípios: (1) os órgãos logísticos a montar seriam da Região Militar de Angola (RMA); (2) os órgãos seriam inamovíveis, dada a excessiva mobilidade das forças a apoiar e prestariam maioritariamente apoio logístico de área; (3) os limites logísticos deveriam coincidir com os limites táticos; (4) as unidades com maior atividade operacional seriam aliviadas das preocupações de reabastecimento, na medida do possível[124].
Em 1961, o Serviço de Intendência em Luanda era praticamente inexistente, com, apenas, o Depósito de Intendência de Angola (DIA), e com a aquisição de víveres a ser feita por exploração dos recursos locais. Após 1961, a sucursal da MM em Luanda tornou-se o depósito-base de víveres, e as tropas de intendência que chegaram da Metrópole “montaram e acionaram uma rede de órgãos avançados adaptada ao dispositivo tático”, que passou a fornecer com regularidade os abastecimentos necessários às tropas[125]. Os pelotões de intendência foram assim distribuídos no interior do território, preferencialmente junto das sedes dos setores, com maior concentração na ZIN, onde a atividade operacional era mais ativa. Com a instalação das OGF na RMA, as FA portuguesas passaram a ser autossuficientes em calçado, fardamento[126], equipamento individual do combatente e outro equipamento diverso, assim como em rações de combate e todo o tipo de alimentos, combustíveis e lubrificantes. Enquanto este sistema não foi implementado, em especial durante a reocupação do Norte de Angola, recorreu-se ao reabastecimento aéreo e a fornecedores locais[127].
A escassez de sobressalentes, munições e material diverso levou o Serviço de Material a enviar, em 23 de abril de 1961, o primeiro transporte com diverso material de guerra, no Navio-motor (N/M) “Benguela”, que, só após chegar a Luanda, possibilitou a partida para o Norte do primeiro contingente[128]. O apoio inicial prestado às Unidades Escalão Batalhão (UEB) por destacamentos móveis evoluiu para um apoio de área, a cargo dos Destacamentos de Manutenção de Material, junto dos quais estavam os Depósitos Avançados de Munições, mais tarde substituídos por Pelotões de Apoio Direto, com capacidade de apoio até três UEB. Estes pelotões estavam dispersos pelas zonas de conflito[129] e com “grande proximidade das subunidades do Serviço orgânicas das unidades apoiadas” e eram coordenados por Companhias de Manutenção de Material de Apoio Direto, inseridas num Batalhão de Manutenção de Material. Esta estrutura, criada em 14 de março de 1963, estava centralizada no Agrupamento do Serviço de Material de Angola (ASMA), em Luanda, sobre o qual dependia também um Batalhão de Depósito de Material. Na Guiné, a estrutura estava completamente centralizada num só órgão, o Batalhão de Serviço de Material, localizado em Bissau, contudo, em Moçambique, a estrutura adotada foi muito mais descentralizada, ficando os órgãos de apoio geral dispersos por três localidades, Lourenço Marques, Beira e Nampula, onde operavam diversas subunidades de apoio direto dispersas pelas zonas em conflito[130].
Reconhecendo que “um Serviço de Saúde eficiente é vital para qualquer exército que entre em ação”[131], o EP estabeleceu a “Regra das Seis Horas”[132], cuja maior dificuldade era levar um ferido para o local de tratamento dentro desse período. O tratamento inicial era quase sempre aplicado por pessoal não médico e, mediante o local do incidente, os feridos eram evacuados para as “enfermarias de unidade”, nos comandos das companhias, ou para as “enfermarias de sector”. Em ambos os casos, os hospitais civis serviam de alternativa e, quando “necessário e possível”, os feridos graves eram evacuados por helicópteros diretamente para o Hospital Militar de Luanda (HML), último local de evacuação em Angola[133]. O regime de evacuação estabelecido em Angola definia o máximo de: dez dias de permanência nas “enfermarias de unidade”, vinte dias nas “enfermarias de sector”, trinta dias nos hospitais civis e sessenta dias no HML. Estas diretrizes aplicaram-se em todos os TO, contudo, devido às reduzidas dimensões do TO da Guiné, as enfermarias de sector não existiam, sendo o Hospital Militar de Bissau que desempenhava essas funções. Havia, no entanto, uma rede de enfermarias de unidade e postos de socorros no interior do território. Em Moçambique, havia dois hospitais militares secundários, na Beira e em Nampula, e o Hospital Militar de Lourenço Marques, com capacidades de hospital central. À semelhança de Angola, existia uma rede de enfermarias de sector e de unidade e postos de socorros[134]. Em casos especiais[135], havia acordos com a África do Sul para tratamentos no Hospital Militar de Pretória[136].
Em 1961, a escassez de meios militares de transporte terrestres suficientes, levou ao fretamento de viaturas civis que foram empregues nas primeiras colunas que se deslocaram para a zona afetada. Recorreu-se, ainda, à linha do caminho-de-ferro Luanda-Malange, contudo, foi a necessidade de controlar as requisições relacionadas com o reabastecimento das unidades, e todos os movimentos por via aérea e marítima a partir da base logística de Luanda, que levou à criação de uma Secção de Transportes, em abril de 1962, dentro da quarta repartição do quartel-general[137].

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