quarta-feira, 17 de junho de 2020

Racal - TR 28

Para a recordação dos nossos camaradas das transmissões e que utilizaram esta rádio em substituição do ANGR C9




Artº do nosso leitor João Freitas, recebido por msg:

O artigo que vos trazemos é muito importante. Não o será devido à prosa, mas porque tomámos a liberdade de vos falar sobre um dos mais significativos aparelhos usados pelas nossas FA e em situação de combate real. Daqui a muitos anos, se pudermos voltar cá para lermos o que hipoteticamente se escrever sobre o conflito colonial de 61 a 74, verificaremos, certamente que haverá ainda referências ao avião “T-6”, à espingarda “G-3” e ao rádio “TR-28”. Talvez nessa altura, devido ao espaçamento do tempo, se possa fazer de forma desapaixonada a história do que se passou nas picadas e nos salões. Agora achamos que ainda é cedo.

Como já referimos em outras ocasiões, as dificuldades enfrentadas na obtenção de material de guerra durante o conflito colonial da década de sessenta e setenta, levou Portugal a demandar mercados que se distanciavam dos seus usuais fornecedores. Assim, procurámos apoio em países fora do âmbito da NATO. Alguns, como a África do Sul, reconheceram no esforço português a possibilidade de juntarem um bom negócio à protecção dos seus próprios interesses geopolíticos e estratégicos do momento.

Durante esses anos a fábrica Racal em Inglaterra e as suas empresas agregadas, das quais se destaca a “Racal SMD” (1) na República da África do Sul, estão intimamente ligadas ao fornecimento de aparelhos de comunicações, seus diversos acessórios, assim como aparelhagem de teste para as Forças Armadas portuguesas. Destes fornecimentos sobressaem os aparelhos que hoje vos trazemos – os TR-28.

Ainda sobre as relações entre a “Racal” sede e a sua filial sul-africana, a seu tempo o governo inglês pressionará a primeira a largar esta filial, por causa do problema racial então vigente naquele país africano. Muitos engenheiros regressarão então a Inglaterra, em nada afectando a produção e a criação de novos modelos, pois o material humano sul-africano era de primeiríssima qualidade. Já com nova denominação e provando o que foi dito, emerge como grande fabricante de aparelhagem electrónica para diversos fins, incluindo o militar (para a aeronáutica).

Com o TR-28 deixamos de andar com as válvulas às costas, por muito pequenas que fossem. Com a sua originalidade e tecnologia entramos decididamente numa nova era. Portugal começa a receber estes receptores/transmissores para os três ramos das forças armadas em finais da década de sessenta. Permanecerão em serviço cerca de vinte cinco anos.

TR-28 do 1º modelo no leste de Angola



Os TR-28 (Transmitter-Receiver 28) são uma evolução dos conturbados RT-14B (da SMD) sendo este um dos primeiros aparelhos militares a utilizarem bandas laterais. Este tipo de modulação já era nessa altura (1965/66) um sucesso junto dos civis, mas era vista como uma curiosidade pela sociedade castrense, sendo a “Racal SMD” uma das responsáveis pelo seu desenvolvimento e aplicação táctica graças a um conjunto de engenheiros notáveis. Podemos dizer que o TR-28 é de facto idealizado numa noite, em Março de 1966 (2), sobre a mesa da casa de jantar de Ken Clayton – um dos responsáveis pelo seu desenvolvimento eletrónico- tendo por base os elementos do referido RT-14. Dessa noite até ao aparecimento do protótipo decorrerá uma semana! Nesse ano são feitos testes (de fábrica) em Angola no vale do Zambese e em redor da cidade de Salazar. Os primeiros modelos serão entregues a tropas da Rodésia em 1967 (3).

TR-28 do 2º modelo no norte de Moçambique

Sendo o TR-28 um rádio excepcional, é no entanto um aparelho desconhecido internacionalmente. A explicação para esta realidade reside, em nossa opinião, em diversos factos dos quais podemos realçar a já citada desconfiança com que então eram sentidas as bandas laterais aplicadas a aparelhos militares, e a pouca penetração no mercado internacional de aparelhos oriundos da África do Sul, quer fossem da Racal ou não! A utilização intensiva dada a este aparelho em Portugal (praticamente o seu único grande utilizador) não o ajuda a criar um lugar de destaque na história das comunicações militares, pois… a descolonização portuguesa era a última, e a novidade das independências já tinha perdido impacto, relegando para o esquecimento as armas os barões assinalados e os rádios.

Esta série de rádios de utilização ao dorso, veicular e fixa, opera em AM e bandas laterais (sup. /inf.), em voz ou grafia, dos 2 aos 8 Mc/s e com uma potência de 25/30W. A “família” TR-28 compreende cinco modelos principais (ver o quadro abaixo), todos eles com frequências fixadas a cristais. As diferenças, como veremos, não se ficam pelo número de canais e alterações a nível electrónico mas também pela forma exterior e cores com que originalmente vinham pintados.

1º Modelo do TR-28

1º Modelo (pormenor)

1º Modelo (detalhe da caixa de baterias)



Como vemos pelas fotografias, a primeira, segunda e terceira versão do primeiro modelo são todas elas, exteriormente, para além de iguais entre si, ligeiramente mais pequenas e uniformes do que o segundo modelo. Verifica-se então que o primeiro modelo não tem o painel de controlo a sobressair da sua largura geral (junto às pegas). Estas três primeiras versões do modelo inicial usam também uma caixa de bateria diferente (4). Internamente e comparando os diversos modelos, são relativamente pequenas as alterações a nível electrónico, sendo apenas de realçar as modificações realizadas na fonte de alimentação (5) e na adição sucessiva de encaixes para o sempre crescente número de cristais, o que vai obrigando a novas disposições internas.

2º Modelo do TR-28

2º Modelo (pormenor)

2º Modelo (detalhe da caixa de baterias)



Digno de nota e passando despercebido num primeiro olhar, é a curiosa e válida técnica utilizada na fabricação das caixas exteriores de todos eles, incluindo a caixa das baterias do segundo modelo. Se repararmos bem (e sem contarmos com os fechos e painel de comandos) notamos que são basicamente três peças (duas peças para as caixas do 1º modelo, e três + uma aparafusada para a sua caixa das baterias do 2º modelo) em liga leve coladas e prensadas umas às outras! A mesma técnica é empregue na fixação das duas pegas em todos eles. Apesar de parecer uma solução de fraca durabilidade em termos de uso militar, o tempo veio a confirmar amplamente o contrário.

Muitos TR-28 serão montados em Portugal na Standard Electrica/Centrel (sob controle da Direcção da Arma de Transmissões) com inclusão de componentes vindos da África do Sul via Lourenço Marques, tendo Portugal participado no desenvolvimento das versões de 36 canais. Praticamente todos os TR-28 traziam estampado no painel frontal de forma bem notória a indicação “EXÉRCITO PORTUGUÊS”. Assinalamos este facto pois é caso raro. Não podemos confundir esta indicação com as habituais letragens encontradas em pequenos autocolantes ou placas de alumínio, identificativas de outros aparelhos (ex. AVP-1). Esta indicação figurava em todos os aparelhos, independentemente da arma onde estivessem distribuídos. Até à data não vimos, nem tivemos conhecimento por qualquer forma, de nenhum outro rádio com tal menção.

Antena de fita

No que respeita a periféricos, saltam à vista dois sistemas de antena singulares. O primeiro compreendia um rolo de fio metálico, sustentado por um fino cabo sintético, enrolado num pequeno carretel de alumínio. Com a ajuda de um peso, lançava-se o fio de antena sobre uma árvore, sendo a outra extremidade (a do carretel) enfiada no alvéolo destinado à antena. Verdadeiramente original era uma antena baseada numa real fita de medida metálica (em polegadas e da marca “Starett”), rebitada a um suporte especial. Encaixada no alvéolo da antena do rádio, a sua distensão precisa, e posterior suporte num ponto alto, cortava-a de imediato para a frequência pretendida. O seu enrolamento era efectuado com a ajuda de uma pequena manivela exterior, como em qualquer boa fita de pedreiro! Apesar de prática não teve sucesso e foi poucas vezes utilizada, estando hoje em dia quase esquecida.

Conjunto das antenas mais usuais



Ainda sobre os acessórios, além das referidas antenas de fio, podíamos encontrar um dipolo, uma antena vertical de elementos de encaixar, um pescoço de pato, dois tipos de microtelefone/auscultadores, uma chave de Morse, um suporte veicular/fixo e diversos tipos de carregadores de baterias. Quanto a estes packs de baterias recarregáveis (Ni/Cad), eram compostos por 10 baterias de 1,2V, sendo possível o seu carregamento sem serem removidos do rc/tr, e com este em funcionamento. Não nos vamos esquecer de mencionar os excepcionais manuais de fábrica (em português), com esquemas diversos em papel vegetal para se poderem sobrepor a outros, de modo a determinar-se a posição dos inúmeros componentes eletrónicos. Ainda sobre os acessórios conhecemos cinco tipos de sacos de transporte, os primeiros em lona castanha (tipicamente inglesa) de fabricação sul-africana e de fraca qualidade, três de fabricação nacional em diversos tons de verde oliva e em lonas de padrões diferentes e um também nacional em “nylon” verde oliva. De todos eles fazia parte indissociável o alvéolo para guardar as varetas da antena.

Estes aparelhos vinham equipados com dois modelos de “placas capacitivas” – uma fazendo parte integrante das “costas” da mochila de transporte e outra destacada podendo ser guardada num bolso ou deixada por terra. Sem esta placa bem ligada à massa do rádio (servindo de plano de terra), prejudicava-se nitidamente os alcances esperados. Ainda sobre a sua potência relativa e apenas como mera curiosidade, e uma vez que a distância de quarenta anos os torna eternamente impunes de uma reprimenda, foi-nos dito por antigos operadores de rádio, que era possível acender um cigarrito na antena, quando em emissão.

Modelo sul-africano (diferentes botões, fichas e micro-telefone)

Sobre as cores com que eram pintados originalmente realça-se, nos modelos iniciais (Sul-Africanos), um verde-escuro brilhante (bronze green) característico das forças armadas britânicas. Na produção nacional e posteriores repinturas foram utilizados variados “verdes militares”, que vão de um “olive drab” escuro e brilhante a cores próximas do “RAL-6018”, sendo utilizadas em grande parte dos modelos nacionais tintas texturadas de qualidade. Como curiosidade já deparámos com exemplares repintados (?) de cinzento claro “Marinha” e azul “Força Aérea”.

Com um exterior completamente diferente, mas com componentes internos similares à versão militar “TR-28”, a Racal fez uma versão civil com a designação “TR-38D”. Chegámos a ela, a partir do seu manual técnico e de textos em folhetos oriundos do seu antigo representante em Moçambique (6), e por indicação de um técnico português que trabalhou na referida fábrica. Esta versão tinha frequências do espectro atribuído a civis, tendo sido utilizada por fazendeiros do interior das antigas províncias ultramarinas.



Na linha do natural desenvolvimento do TR-28 estaria em vias de concretização uma versão sintetizada (7), ideia germinada em Portugal por engenheiros da Standart Electrica/Centrel, mas que terá sido abandonada por causa de Abril de 1974 e o consequente fim das hostilidades em África.

Caminhando para o fim deste artigo, não vamos deixar de mencionar uma informação que nos foi dada há alguns anos, até porque um dos nossos leitores poderá ser a chave para a solução do mistério: de que a Força Aérea (Corpo de Tropas Pára-quedistas) teria tido uma versão específica do TR-28B2 (ver quadro abaixo), com uma caixa de bateria mais pequena, para tornar o rádio mais leve! Até ver, esta interessante indicação – apesar da veemência incontornável com que nos foi dada – nunca obteve confirmação por parte de fontes seguras pertencentes às Tropas Aerotransportadas e com responsabilidade nos seus antigos sistemas de transmissões, nem em militares ou civis ligados à linha de montagem portuguesa.

Os rádios que hoje utilizamos não são de geração espontânea. Tiveram toda uma evolução e essa evolução marcos de referência, como o aparelho de que tratámos hoje. Basta reparar, apesar da distância no tempo, na origem e na técnica, nas semelhanças físicas existentes entre o TR-28 e o “nosso” recente P/PRC-425 que o vem, em parte, substituir, para verificarmos que quem concebeu esteticamente este último deveria ter tido como referência sobre o estirador um velho TR-28!

Lista dos modelos Racal TR-28

(Esta listagem é de nossa responsabilidade, não tendo nós conhecimento de que alguma vez tal tivesse sido feita, apenas foi encontrada informação fidedigna que a advogasse em parte. A conclusão a que chegámos, e que vos apresentamos em 1ª mão, resulta da observação de muitas dezenas de aparelhos e seus acessórios, de vasta literatura técnica e promocional de origem nacional e estrangeira lida nas linhas e entrelinhas, e de indicações amavelmente cedidas por antigos militares de diversa hierarquia ligados à sua montagem, reparação e utilização táctica no continente e no antigo ultramar, assim como de civis relacionados directamente com a produção nacional.)

1º Modelo/1ª versão: RACAL TR-28A, 12 frequências (c/ 12 cristais CR18U), 25W de saída, indicações de comandos em inglês ou português, com ou sem a indicação “Exército Português” no painel.

1º Modelo/2ª versão: RACAL TR-28A2, 12 frequências (c/ 12 cristais CR69U), 25W de saída, indicações de comandos em português, com ou sem a indicação “Exército Português” no painel.

1º Modelo/3ª versão: RACAL TR-28B, 24 frequências (c/ 24 cristais CR69U), 25W de saída, indicações de comandos em português e menção “Exército Português” no painel. Esta legenda aparece também no 2º modelo.

2º Modelo/1ª versão: RACAL TR-28B2, 24 frequências (c/ 24 cristais CR69U), 30W de saída, nova apresentação exterior e modificações a nível electrónico

2º Modelo/2ª versão: RACAL TR-28B2, apesar da mesma nomenclatura, tem 36 frequências (c/36 cristais CR69U), redisposição interior por causa do aumento do nº de cristais, em tudo o mais é idêntico ao 3º modelo. Nestes aparelhos era acrescentado ao painel de comando um pequeno autocolante com a indicação “36 canais”



3º Modelo: RACAL TR-28C (?), possível versão sintetizada, que nunca terá passado da fase conceptual.

Notas:

(1) A firma sul-africana sediada em Durban “Radio Electro-Equipement Co.“, dá lugar em 1937 à firma “S. M. D. Manufacture Co.” (SMD são as iniciais dos nomes dos seus três fundadores: Steel, Madison e Dainty). Em 1963 dá-se a fusão desta casa com a britânica “Racal Electronics”, passando-se a denominar “RACAL SMD”. A esta fusão segue-se a mudança da sede, de Durban para Pretória. Em 1969 muda outra vez de nome, passando a chamar-se “Racal Electronics South Africa Ltd.” ou apenas “R.E.S.A.”. Actualmente estas firmas já não existem, estando a “Racal Electronics” inglesa englobada na “Thales Group”, e a “Racal Electronics South Africa Ltd.” no grupo “Grintek”. Quando em 1963 se deu a fusão da “SMD” com a “Racal”, uma pequena parte da “SMD” constitui uma nova empresa, ligada ao grupo industrial Barlows, dedicando-se ao desenvolvimento e fabricação de aparelhagem para comunicações aeronáuticas e rádios civis de grande qualidade (Barlows Wedley)

(2) “The SSB manpack and his pioneers in South Africa” 2ª parte, em Radio Bygones nº 94

(3) Por tropas denominadas “Rhodesian African Rifles” em “Bush telegraph” de Gordon Munro e Henton Jaaback, de 2002

(4) O segundo e último pack de baterias, apesar de ser feito de três peças coladas (ver texto), era incomparavelmente muito mais robusto do que o primeiro modelo (feito de uma única peça). Devido à sua posição, o pack de baterias é o primeiro a sofrer os impactes no solo, de todo o conjunto.

(5) Talvez a principal fonte de problemas neste aparelho, a par de um relais de fácil substituição e a fusão de cablagens em climas muito quentes, chegando a ser feitas cablagens de recurso em plena zona de operações (Apontamento referido por alguns radio montadores)

(6) Representantes da “Racal Electronics South Africa Ltd.” em 1970:

Portugal continental: Ondex Representações Electrónicas Ldª. (Lisboa)
Angola: Racal Electronica Ldª. (Luanda)
Moçambique: Construtora Rádio Eléctrica Ldª. (Lourenço Marques)

(7) Não sabemos se seria a versão “TR-28C”, referida em boletins da Academia Militar.

João Freitas

(Texto tirado e adaptado de um artigo nosso que saiu na revista “QSP

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