sábado, 5 de maio de 2018

Ex-combatentes guineenses com dificuldades de sobrevivência em Portugal

Não se sabe ao certo quantos são os que estão em Portugal. Entre os antigos combatentes guineenses que, nos anos 60 e 70, participaram ao lado das tropas portuguesas na guerra colonial, há quem esteja a viver na miséria.
A propósito do quadragésimo aniversário da independência da Guiné-Bissau, que se assinala dia 24 de setembro, a DW África foi conhecer a história de alguns antigos combatentes guineenses que vivem em Portugal. Um deles é Racido Bari. Vive sozinho em Queluz-Belas, nos arredores de Lisboa. Foi soldado, telegrafista de Infantaria "na área das comunicações militares. Esta era a minha especialidade. Vim para aqui em 1989".
Veio de Bissau com o objetivo de reunir os documentos necessários e requerer ao Ministério do Exército a constituição de um processo sumário por ter sido ferido em combate. Mas a resposta dada pela instituição portuguesa foi que "não podiamos ter a documentação, como bilhete de identidade. Teriamos que ficar aqui 6 anos, como cidadãos estrangeiros", conta Racido Bari.

Uma causa menos justa
Já Julde Jakuité, outro dos feridos de guerra, mora com a mulher no concelho do Seixal, na outra margem do rio Tejo. "Sou furriel graduado no Exército Português e na altura, no tempo da guerra, diziam que o furriel recebe um ordenado compatível com o dos brancos". Jaquité faz parte da Associação dos Antigos Combatentes da Guiné-Bissau em Portugal. Como ele, há colegas seus que vivem também em situações difíceis. Conta que "muita gente está a morrer. Alguns estão com problemas de trombose por causa dos nervos". Outros sofrem "de traumas de guerra". Jaquité afirma que "é a dificuldade que faz isso".
Julde e Racido são dois antigos combatentes guineenses que serviram o Exército Português na guerra colonial. Na altura, a Guiné-Bissau era uma província de Portugal, considerada a mais difícil das três frentes de operações das Forças Armadas Portuguesas, onde estiveram 42 mil soldados. Entre estes, os guineenses que lutaram juntos no mesmo cenário de guerra contra as tropas do PAIGC (Partido para a Independência da Guiné e Cabo Verde).

Os relatos de então confirmam isso, onde se pode perceber que a diferença de cor não contava porque o ideal era o mesmo. "Os primeiros homens seguem os guias naturais da Guiné. São voluntários como os outros. Vieram oferecer-se às nossas tropas e passaram a lutar ao seu lado convencidos de que estavam a servir uma causa justa", ouve-se no relato.

Mas, passados estes anos todos, os direitos de muitos dos soldados ou milícias recrutados localmente foram ignorados. Desprezados até, como nos diz Luís Graça, furriel do exército português na companhia africana, entre 1969 e 1971. A falta de reconhecimento dos direitos dos militares guineenses é para Luís Graça " uma coisa que me doi a mim enquanto português e antigo combatente e amigo dos guineenses". Para ele "esse problema não foi resolvido e portanto, há muitas situações dramáticas lá e cá. Lá ainda pior..."

Fotografia de época do antigo combatente Luís Graça com os seus colegas guineenses.

Governo Português não cumpriu o Acordo
Lamentam os militares guineenses que o Governo português não cumpriu o Acordo de Argel de 1974. O acordo diz que Portugal pagará as pensões de sangue, de invalidez e de reforma a quaisquer cidadãos da República da Guiné-Bissau por motivos de serviços prestados às Forças Armadas Portuguesas. Devido às alterações da lei ao longo dos anos, há casos de ex-militares portugueses, angolanos, moçambicanos e guineenses que não são considerados deficientes das Forças Armadas, consoante o grau de invalidez, refere Jakuité. "Alguns até não conseguem resolver os problemas da junta médica," porque apesar do hospital militar ter dado a confirmação na altura que essa pessoa esteve internada, o governo exige testemunhas.
Mas Jakuité questiona o motivo do governo as exigir, "quando a maioria dos comandantes já morreu, os sargentos, os alferes morreram", então "como é que esta pessoa vai resolver o problema dele?" E por este condicionamento, o antigo combatente afirma que "há algumas pessoas que ficam ali 4, 5, 6 anos à espera que a pensão seja paga".

O antigo combatente guineense, Racido Bari, foi soldado, telegrafista de Infantaria "na área das comunicações militares" e hoje vive com dificuldades.

Pensões de invalidez na ordem dos 400 euros

Há companheiros há vários anos à espera que o Governo Português lhes atribua uma pensão de invalidez. Alguns recebem na ordem dos 400 euros mensais. É o caso de Racido Bari. "Eu vivo aqui com dificuldades enormes, porque eu pago a renda sozinho, só para mim, 150 euros. Mas o que posso fazer? Não tenho outra alternativa".


Jakuité vive com 530 euros e tem o seu processo arquivado na Procuradoria Geral da República. Considera que tem havido um tratamento de injustiça comparado com colegas portugueses. Conta que "hoje um posto de furriel ganha à volta de 1000 euros, e a mim, nem me pagam o posto que eu tinha. Estou mesmo revoltado com isso".

A falta de dignidade depois do serviço cumprido

Depois dos sacrifícios consentidos nos anos dramáticos de guerra, exigem ser tratados com dignidade. Luís Graça refere que não se pode generalizar o problema, mas reafirma que ainda existem cidadãos guineenses que lutam para serem reconhecidos os seus direitos. "O problema mais dramático, até por razões culturais, é o problema de integração dos guineenses, que foram antigos soldados portugueses e nunca houve uma política orientada para os ajudar, para os integrar, para haver um reconhecimento dos seus direitos" como "os direitos de reforma". Afirma que houve alguns que o conseguiram como "Marcelino da Mata, é um exemplo de um homem guineense, militar que acabou por ser integrado, e hoje é coronel do Exército Português." Contudo, Luís Graça sublinha que "o caso do Marcelino da Mata é uma excepção, não é a regra."

Ex-combatentes guineenses com dificuldades de sobrevivência em Portugal

Os antigos combatentes não colhem simpatias no seio do PAIGC (Partido para a Independência da Guiné e Cabo Verde). Das autoridades da Guiné-Bissau não esperam qualquer apoio. A responsabilidade, reafirmam, é do Governo português, através da Direção Geral de Pessoal e Recrutamento Militar do Ministério da Defesa, que acompanha os respetivos processos. A DW África solicitou uma reação a propósito, mas, por razões burocráticas, continua a aguardar por uma resposta.

Entretanto, a DW África apurou, perante o impasse na solução destes casos, que um grupo de antigos combatentes guineenses está a preparar condições para interpor uma ação judicial contra o Estado português junto de instâncias internacionais, entre as quais o Tribunal de Haia.

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