segunda-feira, 28 de agosto de 2006

O ataque ao Lufico - Crónica de João Rego

O ATAQUE AO LUFICO
Ou
A GUERRA DOS PADEIROS

Crónica de um observador mal colocado

Decorria ainda o período de sobreposição, durante o qual o que provavelmente mais nos doía era a inevitável comparação da coloração viva e bem marcada das nossas fardas de maçaricos com a dos velhinhos, já quase sem cor. (Quando é que a nossa iria ficar amarelecida como aquela ?) Era curioso este mecanismo de percepção do tempo que faltava. (Não sei se um painel electrónico dos de agora – Faltam 730 dias para o fim da comissão – teria o mesmo impacte ...)
Já era noite e encontrava-me na companhia dos oficiais, velhos e recém chegados, quando se ouviu uns 2 ou 3 disparos, e, segundos depois, uma salva completa de tiros de espingarda, durante alguns momentos. Nós, os leigos na matéria, de imediato olhámos os nossos “anfitriões” em busca de uma qualquer reacção. E ela veio da boca de um dos “velhinhos” que exclamou: Eh, pá, isto é a sério.
O instinto levou-nos rapidamente a procurar armas e munições e a deslocar-nos para a parada onde se nos deparou uma cena um pouco caricata: todo o pessoal empunhava a sua arma, canos ao alto, (felizmente a instrução revelava-se ter sido útil), todo o pessoal tinha mandado uns tiritos, todo o pessoal andava de um lado para o outro, mas todo o pessoal NÃO sabia o que se tinha passado. Estaríamos, então, perante um caso de alucinação colectiva?
Não faltavam circunstâncias para justificar a reacção: éramos tropa maçarica, de entre a qual apenas o capitão e os sargentos podiam ter já tido experiência de fogo real em cenário real de guerra. Durante a viagem desde Luanda até ao quartel do Lufico fomos escutando uns comentários pouco tranquilizadores sobre o futuro bélico que nos esperava. E acabava-se, efectivamente, ouvido uns primeiros disparos.
Depois de algumas perguntas e trocados alguns comentários, apurou-se que um dos nossos soldados, tendo-se aproximado da cerca de arame farpado, provavelmente para verter águas, lá para os lados do edifício da padaria, vislumbrou duas pernas... e não esteve para meias medidas: prontamente foi buscar a arma. Disparou para as duas pernas que rapidamente se transformaram em quatro, sendo duas dianteiras e duas traseiras. Não terá havido calma para confirmar se havia rabo e cornos ...
E assim começara a guerra dos padeiros que, felizmente, não teve más consequências. Não houve baixas da nossa parte, nem o animal morreu. E o capitão deve ter ficado contente com o grau de pronta reacção da sua tropa ainda que perante um inimigo irracional.
Este episódio tem certamente muitos sub episódios anedóticos que dariam um relato muito mais interessante, decorridos que são tantos anos. Deixo o desafio para quem tomou nele parte desde outras perspectivas e conheceu outras reacções.

João Rego (Lufico)

2 comentários:

  1. Saíu bem a crónica. Esperemos que produza respostas. Saudações. João Rego (Lufico)

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  2. Lembro-me deste episódio, veio-me também á lembrança, de quando acompanhamos, os velhinhos a Tomboco, no regresso a mala que eles deixaram para nos assustar.

    Sou José Monteiro (furriel miliciano), fui evacuado para Luanda em Outubro de 1970, foi o acidente de viatura.

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