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terça-feira, 21 de julho de 2020

Lisboa - Luanda

Os primeiros momentos da Viagem

Após o desfile militar e o regresso ao navio, onde já tinhamos estado para saber do local de alojamento e colocar as bagagens, a amurada do Vera Cruz, nos seus diversos níveis, ficou repleta.
Foram as derradeiras despedidas, com o barco a largar os cabos e a fazer soar a sua potente ronca, sinal que zarpava definitivamente a caminho do desconhecido.
Aqui vamos nós a caminho de Luanda.
Nestes primeiros momentos da viagem, a novidade e a curiosidade pela viagem por mar, num paquete de grandes dimensões, sobrepunha-se, naturalmente, ao receio da guerra.
Uma passagem pelo Funchal para embarcar mais militares que aí se aprontaram para a ida para o teatro de operações da guerra de Angola, dava tambem, mais alguma folga aos principais temas dos nossos pensamentos - Angola, Guerra, etc.

Para alguns de nós, a possibilidade de desembarcar no Funchal, para dar uma olhadela aos principais pontos de interesse da cidade e arredores mais próximos, a compra dos típicos chapéus de palha e, umas garrafas do afamado vinho Madeira, serviram para amenizar a tensão própria da viagem.
Meia dúzia de horas, não foram muitas, mas o suficiente para conhecer a baixa da cidade do Funchal e alguns locais de interesse na periferia mais chegada do porto onde se encontrava acostado o Vera Cruz.
Regresso a bordo e a viagem a prosseguir, agora sem qualquer outra paragem até Luanda.Para os Sargentos e Furrieis, assim como para os Oficiais, havia uns tanques a que pomposamente chamavam piscina, onde se podia passar um pouco do nosso tempo, amenizando um pouco a experiência da viagem.


Umas brincadeiras e umas fotos sempre serviram também para matar o tempo e fazer esquecer as saudades.

E assim iamos a navegar, muitas horas seguidas, ou quase sempre, com o Vera Cruz adornado para bombardo aproveitando a ajuda dos ventos alíseos que se faziam sentir nos oceano Atlântico Sul. Alguns exercícios de treino para situações de emergência a bordo, também foram efectuados.


De resto, o tempo sempre se ia passando.

Aqui deixamos um exemplar, datado de 18/07/1969, da ementa da 2ª Classe

Porque esta viagem se estava a tornar monótona, sempre alguns foram experimentando umas jogadas de cartas: Sueca, King e Lerpa.

Estes eram os jogos mais difundidos.

Acontece que a tripulação do Vera Cruz, habituada que estava ao transporte de "maçaricos" de e para Lisboa, sempre foi aproveitando para fazer as suas negociatas de contrabando.
Os relógios e outros apetrechos "made in Japan" eram a mercadoria que frequentemente era comercializada.
E  assim ia decorrendo a viagem, felizmente sem quaisquer contratempos meteorológicos.
O tempo foi-se mantendo sempre de feição, sem nuvens, sem "mareta", tendo ocasionado uma viagem sem balanços e sem os habituais "enjoos" de quem tem "medo" do mar.
De quando em vez, os peixes voadores iam acompanhando o Vera Cruz na sua viagem.
Estes peixes, aproveitando a aerodinâmica das suas barbatanas dorsais, faziam longos voos por cima da agua, como se pássaros fossem, ocasionando o espanto da grande maioria de nós.
A chegada a Luanda aconteceu, naturalmente e no meio de grande expectativa.
Uma grande parte da cidade era visível do Vera Cruz, e já na altura, era uma cidade que se apresentava com grandes edifícios e a sua linda marginal e a ilha (restinga) com praia para o lado da marginal e para o Atlântico, lindíssima e de águas quentes.
Durante a viagem e durante a noite fomos tomando consciência de que o primeiro homem tinha chegado à Lua.
Assim, ficará como marca, para sempre na nossa memória a nossa chegada a Luanda e o primeiro homem à Lua.
Pela manha do dia 21/07/1969 o Vera Cruz encostou o seu casco de aço, j+a com alguns anos de viagens por esses mares de Africa, no porto da então Luanda.
Seguiu-se o desembarque, a ida para o Grafanil, um imenso e complexo campo militar, que servia acima de tudo como local de chegada e partida das diversas unidades militares que passavam por Angola.
Foram as vacinas, contra a doença do sono, dadas em quantidade e em função do peso de cada um de nós, e, curiosamente, à sombra de um enorme embondeiro.
Grafanil
Por alí ficamos uns dias, até que iniciamos a viagem para o Norte.


Recordemos o transporte efectuado em camiões de transporte de mercadorias, com enormes taipais, com os militares dispersos por entre as suas bagagens.

Primeira paragem em Ambrizete, c om uma bela praia e o célebre Brinca na Areia, depois Tomboco, onde deixamos parte dos companheiros da CCS e da CCAC 2542 que seguiu a caminho do Norte, para o isolado acampamento do Lufico.

Todos os outros foram seguindo, picada fora, atè Quiximba, ai ficou a 2541, outros pra Zau Evua, o Comando do Batalhao e parte restante da CCS e a CCAC2543.

Assim ficou distribuido nesta fase inicial o BCAC2877


ZAU ÉVUA TOMBOCO LUFICO QUIXIMBA QUIENDE

Lisboa - Luanda - Actualizada em 21/07/2007(12/07/1969)



Grafanil
(Quartel de passagem para o Norte de Angola)

21 de Julho de 1969 - chegada a Luanda


21 de Julho de 1969 a chegada a Luand



Na senda das recordações e, acima de tudo, com a esperança que possamos deixar para o futuro, alguns dados da nossa vivência como militares e combatentes na Guerra de Áfria, vamos , com a nossa modèstia, deixando alguns relatos, opiniões e fotos dessa triste passagem de 2 anos por Angola.
Com Luanda à vista, depois de uma noite em que pelos rádios se ia ouvindo o relato da chegada do primeiro homem ao satélite da nossa Terra, o Vera Cruz, ansiava pelo descanso de uns dias, enquanto não regressava, pelo caminho das mesmas ondas para o Puto. Para lá levava, milhares de militares que iriam cumprir uma parte da sua obrigação de escrever umas tristes páginas da História de Portugal, para cá, o regresso não era tão penoso - uma parte dessas páginas já estava escrita por esses militares que esperavam com ansiedade esses momentos de embarque para casa.
Lentamente o Vera Cruz, como que cansado da longa viagem, foi-se aproximando do cais do Porto de Luanda. A enorme e lindissima baia, aí esta, tambem ela na expectativa de que, muitos dos agora forasteiros a iriam desfrutar em passeios descontraidos à beira mar, lavando o espírito das poeiras das picadas, das emboscadas, das doenças e da infinita tristeza gerada pela distância de familiares e amigos.
Luanda esperou.nos, com aquele calor tropical que desconhecíamos.
Esperou-nos e não foi nada hospitaleira.
Um enorme comboio, velho, mal tratado e nauseabundo, acolheu os militares, um pouco melhor que gado destinado ao matadouro, para nos levar, para o maior aquartelamento de Angola.
Á saída de Luanda, o Grafanil, era assim como uma placa giratória que albergava todos, os que chegavam e os que partiam.

Luanda era uma cidade enorme, com um movimento desusado de militares e civis. Muito civis eram militares, 

Em Luanda, não havia guerra, mas havia o seu cheiro por todo o lado. 

Circulava-se sem problema, a pé ou de transportes. Na cidade não havia guerra. Cafés , bares, restaurantes e cinemas funcionavam. 

Haviam locais específicos para a troca de Escudos por Angolares. 
Havia os bairros e casas do ricos. Havia as casas dos pobres e os bairros, os muceques, com a sua vida e a sua própria filosofia de vida. 
Havia uma enorme rede de cafés, bares restaurantes e locais nocturnos. Estes, frequentados na sua maioria por militares que aí, matavam a sede da bebida e da "carne branca" a troco de muitos e muitos angolares. 
Luanda, tinha uma população que acarinhava os militares. Pudera. Havia bastas razões para o fazer. 
Quem pode fazer uma viagem, durante a noite, pela marginal e pela ilha, teve o previligérios de desfrutar um ambiente fantástico de cor, que muitas fotos atestaram 
Por aí, ficamos, 2 ou 3 dias, antes que a guia de marcha no fizesse obrigar a ser carregados em camiões civis, com enormes taipais, onde fomos misturados com a parca bagagem que nos acompanhava. 
A partir do momento em que foi pisado o solo angolano, não creio que tivesse sido lembrado que nesse mesmo dia, nesses momentos, o homem andava lá pela Lua. Com um pouco de sorte, algum dos 3 astronautas até no poderia ter fotografado (?). 
Não mais foram lembrados. A preocupação de quem chegou era única - saber qual seria o poiso, que foi guardado, bem guardado em segredo. 
Sabíamos que iríamos para o Norte, mas era tão grande esse Norte de Angola que a dúvida ficou sempre até ao final da viagem. 
Ambrizete, foi a primeira paragem, não ficamos por aí, era bom demais para uns maçaricos como nós. 
Até ao Ambrizete, ainda apanhamos uma picada asfaltada, embora com valas e enormes buracos por todo o caminho. 
A partir do Ambrizete, foi só, pó e picada, pó e picada. 
Aqui, por 2 cliques podem ver mais algumas mendsagens que foram publicadas sobre o mesmo tema






Mensagem escrita no ano que passou - voltar a recordar

domingo, 19 de julho de 2020

Estatuto e complemento de pensão


Estatuto
Será posto em prática em 2021 se for, como está previsto até ao final deste mês


No próximo mês de Setembro, cerca de 400 mil antigos combatentes vão receber um complemento de pensão até ao fim da sua vida e transmissível aos cônjuges.



A pensão corresponde ao valor mensal de 3,5 por cento da pensão social (actualmente em 151,84 euros) por cada ano de combate e será paga anualmente, sempre em Setembro. Uma medida que vai custar ao Estado mais de 20 milhões de euros por ano. A informação foi avançada ontem pelo primeiro-ministro durante uma visita à Liga dos Combatentes.
Durão Barroso explicou ontem, depois de elogiar “o esforço do ministro da Defesa”, quais são os benefícios que a já famosa Lei 9/2002, ontem regulamentada, dá aos ex-combatentes: “Todos os reformados portugueses, incluindo os da função pública e os trabalhadores rurais, que foram antigos combatentes mobilizados para os teatros de guerra no Ultramar, vão ter direito a um Complemento Especial de Pensão, a pagar em Setembro de cada ano, com carácter vitalício”.
Na prática, isto significa que um ex-combatente, já pensionista, com um ano de combate no Ultramar, terá direito a 5,3 euros por mês, o que, a multiplicar por 14 meses , dá 74,2 euros. Se esse combatente esteve dois anos no Ultramar (situação mais comum) então recebe 148,4 euros por ano. Neste último caso, se o combatente tiver pago as contribuições referentes ao período militar terá um acréscimo vitalício, elevando a prestação para cerca de 152 euros.
No Ministério da Defesa deram entrada cerca de 536 mil requerimentos e o Governo calcula que sejam contemplados cerca de 400 mil ex-combatentes. Relativamente aos antigos militares que ainda não estão reformados, Durão Barroso explicou que estes “poderão contar o tempo no Ultramar para o número de descontos necessários para ter acesso a uma pensão, ou para o número de anos de desconto necessários para antecipar a reforma”.
Para não criar discriminações, e de acordo com Durão Barroso, fica também contemplado que os antigos combatentes que tiverem pago o encargo correspondente à bonificação de contagem e tempo, serão resarcidos através de uma compensação também ela vitalícia.
Além de beneficiar nos mesmo termos os deficientes das Forças Armadas, Barroso referiu que está na Assembleia da República um diploma que alarga estes benefícios aos emigrantes e grupos profissionais com previdência especial, como é o caso dos solicitadores, advogados, ou jornalistas. Estes, segundo estimativas do Governo, deverão rondar cerca de 150 mil beneficiários.
Durão Barroso fez notar que “para muitos reformados este valor significa, para além dos aumentos que se estão a verificar, mais um mês de pensão, como é o caso dos rurais”. Acrescentou ainda que “para muitos pensionistas, os que têm a pensão mínima e estão nestas condições, significa um aumento adicional de seis por cento, a partir deste ano e nos anos que se seguem”.

TOME NOTA
Os ex-combatentes reformados vão receber um complemento de reforma todos os meses de Setembro.
O valor mensal é de 3,5% da pensão social por cada ano de serviço militar no Ultramar.
O complemento é vitalício e extensível aos cônjuges e aumenta todos os anos em função da pensão social.
Para os ex-combatentes no activo, o tempo de serviço militar conta para a reforma.
Os contemplados com este complemento serão informados por carta.

Noticia do CM jornal  em 23 de Abril de 2004

quinta-feira, 16 de julho de 2020

Estatuto dos Antigos Combatentes



Mais uma meia verdade do Correio da Manhã
O texto abaixo repoe a verdade deste título 




O estatuto consagra o alargamento dos benefícios às viúvas/os ou cônjuges sobrevivos, um apoio especial na saúde, como a isenção total das taxas moderadoras, um aumento do complemento especial de pensão e que se aplica a quem recebe a pensão social, por exemplo.

Segundo Diogo Leão, do PS, esta medida faz com que se dupliquem "os valores pagos nesta prestação social" e "auxilia os mais vulneráveis".

A lei irá igualmente prever a possibilidade de utilização gratuita de transportes, livre acesso a museus e monumentos nacionais.

O texto de substituição acolheu, segundo explicou Diogo Leão, grande parte das propostas dos cinco projetos dos partidos (PS, PCP, PSD, BE, PAN, CDS), tendo por base a proposta de lei do Governo, que retirou o seu texto a favor do texto comum.

De fora, ficaram propostas do PCP que previam um complemento de pensão no valor de 50 euros/mês para os antigos combatentes com uma carreira contributiva normal.

O que ficou previsto no texto aprovado foi um suplemento de 7% para os antigos combatentes com as pensões mais baixas.

Reprovado pelo PS e PSD foi também a proposta do BE para que os antigos combatentes nunca auferissem menos do que o Salário Mínimo Nacional, embora esse valor fosse atingido de forma gradual.

Face ao "chumbo" destas medidas, segundo disse António Filipe à Lusa, o PCP vai avaliar o seu sentido de voto na votação final global.

João Vasconcelos, do BE, afirmou à Lusa que o Estatuto "podia ter ficado melhor" e que já vem "com muito atraso", mas que, em princípio, os bloquistas irão votar a favor do texto final em plenário.

O novo estatuto responde a uma antiga reivindicação dos deficientes das Forças Armadas, que os retira do decreto-lei 503/99 e os equiparava o seu regime aos dos acidentes em serviço e das doenças profissionais.

Diogo Leão salientou esse facto e também o resultado conseguido, para uma "plataforma alargada de entendimento" entre partidos e Governo, com um objetivo: dar "dignidade e fazer a dignificação dos antigos combatentes."

Apesar de reconhecer que "chegar à perfeição é um exercício muito complexo se não impossível", o deputado do PS afirmou que a nova lei "pode tranquilizar os seus beneficiários" e que existe um "compromisso" alargado, tendo em conta "a situação geral do país", com a crise causada pela pandemia de covid-19.

A lei também prevê um cartão especial para os beneficiários, a quem é conferida a designação de "Titular de Reconhecimento da Nação" e é criado o dia do antigo combatente, "celebrado anualmente no dia 09 de abril, data em que se comemoram os feitos históricos dos antigos combatentes por Portugal".

É ainda criada a "insígnia nacional do antigo combatente, símbolo identitário da situação de Antigo Combatente das Forças Armadas Portuguesas", um plano de ação para apoio aos deficientes militares e outro plano de apoio aos antigos combatentes em situação de sem-abrigo.
Aos antigos combatentes, "aquando do seu falecimento", é dado o "direito a ser velados com a bandeira nacional, mediante pedido deixado expresso pelo próprio ou a pedido do cônjuge sobrevivo, de ascendentes ou descendentes diretos".

Está ainda previsto o "auxílio do Estado", em molde, a regulamentar, no repatriamento, a pedido do "cônjuge sobrevivo, de ascendentes ou descendentes diretos", dos "corpos dos antigos combatentes falecidos em teatros de guerra, sepultados em cemitérios no estrangeiro".
A lei entrará em vigor no próximo ano, com o Orçamento do Estado de 2021.

quarta-feira, 15 de julho de 2020

Escravatura em África

Avivando a memória, sem mais comentários, conforme abaixo se escreve, texto extraído daqui - https://pt.wikipedia.org  e que pode interessar a alguém consultar um pouco da história da zona onde nós estivemos em Angola


## O período de aproximação comercial, política e econômica com os portugueses também foi marcado pela própria expansão territorial do reino do Congo, onde, nas guerras empreendidas contra os reinos e povos vizinhos, angariava-se a principal matéria de exportação congolesa, o trabalhador escravo
O principal entreposto de comércio de Portugal com o Congo era São Tomé e Príncipe.[7] ##

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Estatuto - vai a votos dia 15 de Julho de 2020


COMISSÃO DE DEFESA NACIONAL

 10:00 Horas [presencialmente e por videoconferência] (para acompanhar a reunião, enviar o pedido através do endereço 3cdn@ar.parlamento.pt)

Estatuto do combatente


terça-feira, 23 de junho de 2020



A noite de 23 de Junho, Véspera de São João é a celebração que ocorre antes do dia de Nascimento de João Batista. O Evangelho de Lucas (Lucas 1:36, 56-57) afirma que João nasceu cerca de seis meses antes de Jesus; portanto, a festa de São João Batista foi fixada em 24 de junho, seis meses antes da Véspera de Natal. Este dia de festa é um dos poucos dias dedicados a santos que celebra o nascimento do homenageado, ao invés de sua morte.[1]
A Festa de São João coincide estreitamente com a comemoração do solstício de verão, referido como midsummer no hemisfério norte. Apesar do dia santo cristão ter sido fixado em 24 de Junho, na maioria dos países as festividades são realizadas na noite anterior. In "Wikipédia"


Foi nesta noite, em 1969 que parte do BCAC 2877 se deslocou pela noite, em marcha, até à Fonte da Telha onde ficou, para fazer a tal IAO Instrução de Adaptação Operacional.
Ali foram dadas no quartel da antiga Guarda Fiscal da Fonte da Telha, as habituais vacinas e a alimentação era confeccionada na antiga bateria de Artilharia ali existente

quinta-feira, 18 de junho de 2020

Amizades - ficaram

Alguns furrieis da CC do BCAC2877


Em cima - Silva, Melancia, Amandio Antonio Amaral, João, Madruga e Pimenta (grande camarada já falecido)
Em baixo - Joao Marques, Braz e Adelino

LUFICO

LUFICO - o desterro no Norte de Angola
CCAC2542 - BCAC2877
24 meses de comissão nestas paragens
Foto "roubada " em LUFICO no Facebook na CCAC4742



quarta-feira, 17 de junho de 2020

Racal - TR 28

Para a recordação dos nossos camaradas das transmissões e que utilizaram esta rádio em substituição do ANGR C9




Artº do nosso leitor João Freitas, recebido por msg:

O artigo que vos trazemos é muito importante. Não o será devido à prosa, mas porque tomámos a liberdade de vos falar sobre um dos mais significativos aparelhos usados pelas nossas FA e em situação de combate real. Daqui a muitos anos, se pudermos voltar cá para lermos o que hipoteticamente se escrever sobre o conflito colonial de 61 a 74, verificaremos, certamente que haverá ainda referências ao avião “T-6”, à espingarda “G-3” e ao rádio “TR-28”. Talvez nessa altura, devido ao espaçamento do tempo, se possa fazer de forma desapaixonada a história do que se passou nas picadas e nos salões. Agora achamos que ainda é cedo.

Como já referimos em outras ocasiões, as dificuldades enfrentadas na obtenção de material de guerra durante o conflito colonial da década de sessenta e setenta, levou Portugal a demandar mercados que se distanciavam dos seus usuais fornecedores. Assim, procurámos apoio em países fora do âmbito da NATO. Alguns, como a África do Sul, reconheceram no esforço português a possibilidade de juntarem um bom negócio à protecção dos seus próprios interesses geopolíticos e estratégicos do momento.

Durante esses anos a fábrica Racal em Inglaterra e as suas empresas agregadas, das quais se destaca a “Racal SMD” (1) na República da África do Sul, estão intimamente ligadas ao fornecimento de aparelhos de comunicações, seus diversos acessórios, assim como aparelhagem de teste para as Forças Armadas portuguesas. Destes fornecimentos sobressaem os aparelhos que hoje vos trazemos – os TR-28.

Ainda sobre as relações entre a “Racal” sede e a sua filial sul-africana, a seu tempo o governo inglês pressionará a primeira a largar esta filial, por causa do problema racial então vigente naquele país africano. Muitos engenheiros regressarão então a Inglaterra, em nada afectando a produção e a criação de novos modelos, pois o material humano sul-africano era de primeiríssima qualidade. Já com nova denominação e provando o que foi dito, emerge como grande fabricante de aparelhagem electrónica para diversos fins, incluindo o militar (para a aeronáutica).

Com o TR-28 deixamos de andar com as válvulas às costas, por muito pequenas que fossem. Com a sua originalidade e tecnologia entramos decididamente numa nova era. Portugal começa a receber estes receptores/transmissores para os três ramos das forças armadas em finais da década de sessenta. Permanecerão em serviço cerca de vinte cinco anos.

TR-28 do 1º modelo no leste de Angola



Os TR-28 (Transmitter-Receiver 28) são uma evolução dos conturbados RT-14B (da SMD) sendo este um dos primeiros aparelhos militares a utilizarem bandas laterais. Este tipo de modulação já era nessa altura (1965/66) um sucesso junto dos civis, mas era vista como uma curiosidade pela sociedade castrense, sendo a “Racal SMD” uma das responsáveis pelo seu desenvolvimento e aplicação táctica graças a um conjunto de engenheiros notáveis. Podemos dizer que o TR-28 é de facto idealizado numa noite, em Março de 1966 (2), sobre a mesa da casa de jantar de Ken Clayton – um dos responsáveis pelo seu desenvolvimento eletrónico- tendo por base os elementos do referido RT-14. Dessa noite até ao aparecimento do protótipo decorrerá uma semana! Nesse ano são feitos testes (de fábrica) em Angola no vale do Zambese e em redor da cidade de Salazar. Os primeiros modelos serão entregues a tropas da Rodésia em 1967 (3).

TR-28 do 2º modelo no norte de Moçambique

Sendo o TR-28 um rádio excepcional, é no entanto um aparelho desconhecido internacionalmente. A explicação para esta realidade reside, em nossa opinião, em diversos factos dos quais podemos realçar a já citada desconfiança com que então eram sentidas as bandas laterais aplicadas a aparelhos militares, e a pouca penetração no mercado internacional de aparelhos oriundos da África do Sul, quer fossem da Racal ou não! A utilização intensiva dada a este aparelho em Portugal (praticamente o seu único grande utilizador) não o ajuda a criar um lugar de destaque na história das comunicações militares, pois… a descolonização portuguesa era a última, e a novidade das independências já tinha perdido impacto, relegando para o esquecimento as armas os barões assinalados e os rádios.

Esta série de rádios de utilização ao dorso, veicular e fixa, opera em AM e bandas laterais (sup. /inf.), em voz ou grafia, dos 2 aos 8 Mc/s e com uma potência de 25/30W. A “família” TR-28 compreende cinco modelos principais (ver o quadro abaixo), todos eles com frequências fixadas a cristais. As diferenças, como veremos, não se ficam pelo número de canais e alterações a nível electrónico mas também pela forma exterior e cores com que originalmente vinham pintados.

1º Modelo do TR-28

1º Modelo (pormenor)

1º Modelo (detalhe da caixa de baterias)



Como vemos pelas fotografias, a primeira, segunda e terceira versão do primeiro modelo são todas elas, exteriormente, para além de iguais entre si, ligeiramente mais pequenas e uniformes do que o segundo modelo. Verifica-se então que o primeiro modelo não tem o painel de controlo a sobressair da sua largura geral (junto às pegas). Estas três primeiras versões do modelo inicial usam também uma caixa de bateria diferente (4). Internamente e comparando os diversos modelos, são relativamente pequenas as alterações a nível electrónico, sendo apenas de realçar as modificações realizadas na fonte de alimentação (5) e na adição sucessiva de encaixes para o sempre crescente número de cristais, o que vai obrigando a novas disposições internas.

2º Modelo do TR-28

2º Modelo (pormenor)

2º Modelo (detalhe da caixa de baterias)



Digno de nota e passando despercebido num primeiro olhar, é a curiosa e válida técnica utilizada na fabricação das caixas exteriores de todos eles, incluindo a caixa das baterias do segundo modelo. Se repararmos bem (e sem contarmos com os fechos e painel de comandos) notamos que são basicamente três peças (duas peças para as caixas do 1º modelo, e três + uma aparafusada para a sua caixa das baterias do 2º modelo) em liga leve coladas e prensadas umas às outras! A mesma técnica é empregue na fixação das duas pegas em todos eles. Apesar de parecer uma solução de fraca durabilidade em termos de uso militar, o tempo veio a confirmar amplamente o contrário.

Muitos TR-28 serão montados em Portugal na Standard Electrica/Centrel (sob controle da Direcção da Arma de Transmissões) com inclusão de componentes vindos da África do Sul via Lourenço Marques, tendo Portugal participado no desenvolvimento das versões de 36 canais. Praticamente todos os TR-28 traziam estampado no painel frontal de forma bem notória a indicação “EXÉRCITO PORTUGUÊS”. Assinalamos este facto pois é caso raro. Não podemos confundir esta indicação com as habituais letragens encontradas em pequenos autocolantes ou placas de alumínio, identificativas de outros aparelhos (ex. AVP-1). Esta indicação figurava em todos os aparelhos, independentemente da arma onde estivessem distribuídos. Até à data não vimos, nem tivemos conhecimento por qualquer forma, de nenhum outro rádio com tal menção.

Antena de fita

No que respeita a periféricos, saltam à vista dois sistemas de antena singulares. O primeiro compreendia um rolo de fio metálico, sustentado por um fino cabo sintético, enrolado num pequeno carretel de alumínio. Com a ajuda de um peso, lançava-se o fio de antena sobre uma árvore, sendo a outra extremidade (a do carretel) enfiada no alvéolo destinado à antena. Verdadeiramente original era uma antena baseada numa real fita de medida metálica (em polegadas e da marca “Starett”), rebitada a um suporte especial. Encaixada no alvéolo da antena do rádio, a sua distensão precisa, e posterior suporte num ponto alto, cortava-a de imediato para a frequência pretendida. O seu enrolamento era efectuado com a ajuda de uma pequena manivela exterior, como em qualquer boa fita de pedreiro! Apesar de prática não teve sucesso e foi poucas vezes utilizada, estando hoje em dia quase esquecida.

Conjunto das antenas mais usuais



Ainda sobre os acessórios, além das referidas antenas de fio, podíamos encontrar um dipolo, uma antena vertical de elementos de encaixar, um pescoço de pato, dois tipos de microtelefone/auscultadores, uma chave de Morse, um suporte veicular/fixo e diversos tipos de carregadores de baterias. Quanto a estes packs de baterias recarregáveis (Ni/Cad), eram compostos por 10 baterias de 1,2V, sendo possível o seu carregamento sem serem removidos do rc/tr, e com este em funcionamento. Não nos vamos esquecer de mencionar os excepcionais manuais de fábrica (em português), com esquemas diversos em papel vegetal para se poderem sobrepor a outros, de modo a determinar-se a posição dos inúmeros componentes eletrónicos. Ainda sobre os acessórios conhecemos cinco tipos de sacos de transporte, os primeiros em lona castanha (tipicamente inglesa) de fabricação sul-africana e de fraca qualidade, três de fabricação nacional em diversos tons de verde oliva e em lonas de padrões diferentes e um também nacional em “nylon” verde oliva. De todos eles fazia parte indissociável o alvéolo para guardar as varetas da antena.

Estes aparelhos vinham equipados com dois modelos de “placas capacitivas” – uma fazendo parte integrante das “costas” da mochila de transporte e outra destacada podendo ser guardada num bolso ou deixada por terra. Sem esta placa bem ligada à massa do rádio (servindo de plano de terra), prejudicava-se nitidamente os alcances esperados. Ainda sobre a sua potência relativa e apenas como mera curiosidade, e uma vez que a distância de quarenta anos os torna eternamente impunes de uma reprimenda, foi-nos dito por antigos operadores de rádio, que era possível acender um cigarrito na antena, quando em emissão.

Modelo sul-africano (diferentes botões, fichas e micro-telefone)

Sobre as cores com que eram pintados originalmente realça-se, nos modelos iniciais (Sul-Africanos), um verde-escuro brilhante (bronze green) característico das forças armadas britânicas. Na produção nacional e posteriores repinturas foram utilizados variados “verdes militares”, que vão de um “olive drab” escuro e brilhante a cores próximas do “RAL-6018”, sendo utilizadas em grande parte dos modelos nacionais tintas texturadas de qualidade. Como curiosidade já deparámos com exemplares repintados (?) de cinzento claro “Marinha” e azul “Força Aérea”.

Com um exterior completamente diferente, mas com componentes internos similares à versão militar “TR-28”, a Racal fez uma versão civil com a designação “TR-38D”. Chegámos a ela, a partir do seu manual técnico e de textos em folhetos oriundos do seu antigo representante em Moçambique (6), e por indicação de um técnico português que trabalhou na referida fábrica. Esta versão tinha frequências do espectro atribuído a civis, tendo sido utilizada por fazendeiros do interior das antigas províncias ultramarinas.



Na linha do natural desenvolvimento do TR-28 estaria em vias de concretização uma versão sintetizada (7), ideia germinada em Portugal por engenheiros da Standart Electrica/Centrel, mas que terá sido abandonada por causa de Abril de 1974 e o consequente fim das hostilidades em África.

Caminhando para o fim deste artigo, não vamos deixar de mencionar uma informação que nos foi dada há alguns anos, até porque um dos nossos leitores poderá ser a chave para a solução do mistério: de que a Força Aérea (Corpo de Tropas Pára-quedistas) teria tido uma versão específica do TR-28B2 (ver quadro abaixo), com uma caixa de bateria mais pequena, para tornar o rádio mais leve! Até ver, esta interessante indicação – apesar da veemência incontornável com que nos foi dada – nunca obteve confirmação por parte de fontes seguras pertencentes às Tropas Aerotransportadas e com responsabilidade nos seus antigos sistemas de transmissões, nem em militares ou civis ligados à linha de montagem portuguesa.

Os rádios que hoje utilizamos não são de geração espontânea. Tiveram toda uma evolução e essa evolução marcos de referência, como o aparelho de que tratámos hoje. Basta reparar, apesar da distância no tempo, na origem e na técnica, nas semelhanças físicas existentes entre o TR-28 e o “nosso” recente P/PRC-425 que o vem, em parte, substituir, para verificarmos que quem concebeu esteticamente este último deveria ter tido como referência sobre o estirador um velho TR-28!

Lista dos modelos Racal TR-28

(Esta listagem é de nossa responsabilidade, não tendo nós conhecimento de que alguma vez tal tivesse sido feita, apenas foi encontrada informação fidedigna que a advogasse em parte. A conclusão a que chegámos, e que vos apresentamos em 1ª mão, resulta da observação de muitas dezenas de aparelhos e seus acessórios, de vasta literatura técnica e promocional de origem nacional e estrangeira lida nas linhas e entrelinhas, e de indicações amavelmente cedidas por antigos militares de diversa hierarquia ligados à sua montagem, reparação e utilização táctica no continente e no antigo ultramar, assim como de civis relacionados directamente com a produção nacional.)

1º Modelo/1ª versão: RACAL TR-28A, 12 frequências (c/ 12 cristais CR18U), 25W de saída, indicações de comandos em inglês ou português, com ou sem a indicação “Exército Português” no painel.

1º Modelo/2ª versão: RACAL TR-28A2, 12 frequências (c/ 12 cristais CR69U), 25W de saída, indicações de comandos em português, com ou sem a indicação “Exército Português” no painel.

1º Modelo/3ª versão: RACAL TR-28B, 24 frequências (c/ 24 cristais CR69U), 25W de saída, indicações de comandos em português e menção “Exército Português” no painel. Esta legenda aparece também no 2º modelo.

2º Modelo/1ª versão: RACAL TR-28B2, 24 frequências (c/ 24 cristais CR69U), 30W de saída, nova apresentação exterior e modificações a nível electrónico

2º Modelo/2ª versão: RACAL TR-28B2, apesar da mesma nomenclatura, tem 36 frequências (c/36 cristais CR69U), redisposição interior por causa do aumento do nº de cristais, em tudo o mais é idêntico ao 3º modelo. Nestes aparelhos era acrescentado ao painel de comando um pequeno autocolante com a indicação “36 canais”



3º Modelo: RACAL TR-28C (?), possível versão sintetizada, que nunca terá passado da fase conceptual.

Notas:

(1) A firma sul-africana sediada em Durban “Radio Electro-Equipement Co.“, dá lugar em 1937 à firma “S. M. D. Manufacture Co.” (SMD são as iniciais dos nomes dos seus três fundadores: Steel, Madison e Dainty). Em 1963 dá-se a fusão desta casa com a britânica “Racal Electronics”, passando-se a denominar “RACAL SMD”. A esta fusão segue-se a mudança da sede, de Durban para Pretória. Em 1969 muda outra vez de nome, passando a chamar-se “Racal Electronics South Africa Ltd.” ou apenas “R.E.S.A.”. Actualmente estas firmas já não existem, estando a “Racal Electronics” inglesa englobada na “Thales Group”, e a “Racal Electronics South Africa Ltd.” no grupo “Grintek”. Quando em 1963 se deu a fusão da “SMD” com a “Racal”, uma pequena parte da “SMD” constitui uma nova empresa, ligada ao grupo industrial Barlows, dedicando-se ao desenvolvimento e fabricação de aparelhagem para comunicações aeronáuticas e rádios civis de grande qualidade (Barlows Wedley)

(2) “The SSB manpack and his pioneers in South Africa” 2ª parte, em Radio Bygones nº 94

(3) Por tropas denominadas “Rhodesian African Rifles” em “Bush telegraph” de Gordon Munro e Henton Jaaback, de 2002

(4) O segundo e último pack de baterias, apesar de ser feito de três peças coladas (ver texto), era incomparavelmente muito mais robusto do que o primeiro modelo (feito de uma única peça). Devido à sua posição, o pack de baterias é o primeiro a sofrer os impactes no solo, de todo o conjunto.

(5) Talvez a principal fonte de problemas neste aparelho, a par de um relais de fácil substituição e a fusão de cablagens em climas muito quentes, chegando a ser feitas cablagens de recurso em plena zona de operações (Apontamento referido por alguns radio montadores)

(6) Representantes da “Racal Electronics South Africa Ltd.” em 1970:

Portugal continental: Ondex Representações Electrónicas Ldª. (Lisboa)
Angola: Racal Electronica Ldª. (Luanda)
Moçambique: Construtora Rádio Eléctrica Ldª. (Lourenço Marques)

(7) Não sabemos se seria a versão “TR-28C”, referida em boletins da Academia Militar.

João Freitas

(Texto tirado e adaptado de um artigo nosso que saiu na revista “QSP