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segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Desertores - na Guerra Colonial


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O número de militares do Exército Português que desertaram entre 1961 e 1973 ultrapassou os oito mil, segundo uma investigação que vai ser apresentada num colóquio sobre deserção e exílio.
O número de militares do Exército Português que desertaram entre 1961 e 1973 ultrapassou os oito mil, segundo uma investigação dos historiadores Miguel Cardina e Susana Martins que vai ser apresentada num colóquio sobre deserção e exílio.
“Este número, baseado em fontes militares, é um número que peca por defeito e refere-se ao período entre 1961 e 1973. É bastante acima de oito mil e é um número importante porque, até agora, não tínhamos dados sobre o pessoal já incorporado”, disse à Lusa Miguel Cardina, um dos autores da análise histórica sobre o fenómeno da deserção da Guerra Colonial.
Miguel Cardina antecipou à Lusa algumas das conclusões do estudo apresentado na na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, em Lisboa.
Tínhamos algumas referências a números mas eram parcelares e faziam eco de um certo tipo de deserções. O que nós vamos mostrar é que a deserção é um fenómeno mais complexo do que aquilo que se considerava”, explicou.
Os historiadores do Centro de Estudos Sociais (CES), da Universidade de Coimbra, apresentaram os dados finais do estudo no colóquio “O (as)salto da memória: histórias, narrativas e silenciamentos da deserção e do exílio”, que se realiza na quinta-feira.
De acordo com os investigadores, o número definitivo do novo estudo sobre militares que desertaram da Guerra Colonial “pode pecar por defeito” porque ainda não é possível contabilizar os dados referentes a todos os territórios e o estudo tem como base apenas fontes do Exército.
O Código de Justiça Militar definia como desertor aquele que não comparecia na instalação militar a que pertencia num prazo limite de oito dias.
Segundo Miguel Cardina, para compreender o fenómeno da recusa de ir à guerra, além dos militares que desertaram, é preciso também considerar os refratários – jovens que faziam a inspecção mas que fugiam antes da incorporação – e os faltosos, que nem sequer faziam a inspeção militar.
“Temos dados que indicam que entre 1967 e 1969 cerca de dois por cento dos jovens que são chamados à inspecção foram refratários. Este número é certamente superior ao número dos desertores. Os faltosos são aqueles que nem sequer se apresentam à inspeção. Dados de 1985 do Estado-Maior do Exército indicam que cerca de 200 mil terão abandonado o país. Na década de 1970, cerca de vinte por cento dos jovens que deveriam fazer a inspeção já não se encontravam no país”, indicou o historiador do CES.
Para Miguel Cardina, o “processo de afastamento e fuga” da estrutura militar deve ser estudado com profundidade e, por isso, o estudo começa pelos desertores – porque não existiam números conhecidos até ao momento – mas frisou que é preciso considerar as outras categorias: os refratários e os faltosos.
“Temos de colocar estas três categorias na mesma equação, sabendo que elas são diferentes e têm uma ligação com o fenómeno da guerra, também ela diferente. É natural que, no quadro dos faltosos, a guerra possa estar presente mas não tem o mesmo peso que tem nos refratários e também nos desertores”, explicou.
Segundo o historiador, o “fenómeno dos faltosos” cruza-se com o fenómeno da emigração, sendo que uma boa parte destes jovens não estavam a “fugir da guerra” mas também da falta de perspetivas de futuro, ou seja, “a guerra podia ser” uma das motivações para o ato de emigrar.
A primeira conclusão do estudo indica, sobretudo, que a Guerra Colonial tem ainda aspetos de natureza historiográfica que é preciso aprofundar e torna evidente que a temática do exílio, da deserção e da recusa da guerra precisa de ser estudada.
Para o historiador, a ação do Movimento das Forças Armadas (MFA), em 1974, “é sem dúvida central” mas o processo revolucionário que se desencadeia logo a seguir só pode ser compreendido se percebermos que havia forças políticas e sociais que vinham a construir uma outra forma de olhar o país e a construir uma contestação à ditadura e à guerra colonial.
Sobre os militares que desertaram, Miguel Cardina indicou que “todas as histórias de fuga são individuais” e que, por isso, devem ser tidos em conta os portugueses que vão para a África e que desertam das colónias, refugiando-se em Argel ou na Europa, assim como os africanos incorporados nas forças portuguesas.
Cardina frisou que, nos anos finais do conflito colonial, há um fenómeno de africanização das tropas, “porque havia pouca gente e, por isso, havia necessidade de soldados para a guerra”, verificando-se que muitos africanos incorporados na tropa portuguesa constituem, em muitos casos, um fluxo específico de deserção.

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Dia de Finados e Fiéis Defuntos



Nestes dias de Finados e de Fieis Defuntos muita gente aproveita para ir ao Cemitérios homenagear recordando parentes e amigos que já partiram. Outros, apenas relembram deles com carinho e saudade ou fazem uma oração.
Nós queremos recordar aqui, todos os nossos camaradas que no cumprimentos da sua missão ou quando já depois do regresso faleceram

quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Guerra de África - Contributos

"Às tantas, até eu comecei a fazer a guerra contrafeito. Só que temos dignidade militar"


Fez ao longo de uma vida militar o pleno na defesa do império colonial português: da Índia a África. Depois, participou activamente a norte no 25 de Abril de 1974, onde era o único que não era capitão. Crítico dos tempos revolucionários do PREC, considera que se andou depressa de mais na descolonização e acabou-se por "abandonar a população, permitindo que os estrangeiros que foram para lá fizessem o que nós deveríamos". Contesta a política de Salazar, designadamente nos discursos em que afirmava que "do alto destas muralhas defenderemos o império". Porque falar em muralhas no século XX é fora de propósito: "A Inglaterra fez a mesma tentativa, viu que não era possível e conversou. Por isso, os ingleses mantêm-se em todo o sítio onde estiveram e beneficiam-se dessa situação."


Porque é que três chefes militares como Kaúlza de Arriaga, Spínola e Costa Gomes não conseguiram pressionar Salazar e Caetano a encontrar uma solução política?
Enquanto foi vivo, Salazar era inamovível. Depois, Marcelo Caetano era um homem permeável às nossas reivindicações, de que a guerra era uma estupidez, mas tinha por trás o presidente da República, Américo Tomás. Quando Spínola tentou convencer Salazar, a resposta foi: "Não percebo como com tantos homens não ganhamos a meia dúzia de terroristas!" Nunca percebeu o que era a Guerra do Ultramar.
Um dos motivos para os militares fazerem o 25 de Abril era acabar com uma guerra de 13 anos.

Perderam a confiança?
Porque sabíamos que a guerra levava a um desastre. A Guiné acabou com armas teleguiadas que nós nunca tivemos, com artilharia superior à nossa... Salazar deixava-nos nesta situação com toneladas de ouro guardadas nos cofres. A única coisa que fez foi dar-nos uma espingarda nova.
Foi chefe da Casa Militar do presidente Mário Soares. Como conviveu com o político e o homem que fez uma descolonização sempre tão criticada?
Fez mal a descolonização, mas não foi por sua culpa. Teve de acudir a situações incríveis de portugueses fardados com uniforme do Exército que se entregaram aos inimigos. É preciso saber isso e fazer-lhe justiça.

Não tinha outra hipótese para avançar na descolonização?
Naquela altura não. Tentou-se mandar tropa para lá, impor uma certa ordem, mas venceu aquele slogan "Nem mais um para África". Foi algo incrível o que se passou cá e lá, com o Rosa Coutinho a fazer um serviço à União Soviética impensável. Deveria ter sido condecorado por eles!
Também existia um divórcio entre os civis e os militares no Ultramar?
Não. Pensavam apenas que os militares deviam matar para continuar aquela situação.

Qual a razão desse divórcio tão grande?
Foi mais em Angola, porque aí havia muito mais brancos do que nas outras províncias. Como estavam a ganhar bom dinheiro nas propriedades - quase do tamanho de alguns distritos de Portugal -, não as queriam perder.
Nunca olharam para os militares como sendo uma parte da solução?
A princípio sim, porque fomos salvar alguns da boca do lobo. Depois, quando os militares começaram a dizer "eu cumpro a minha obrigação de militar enquanto o Estado quiser, mas estou convicto de que cometemos um erro", a situação mudou.

Alguma vez acreditou que a guerra podia ser ganha ou que estava ganha?
Em Angola, praticamente acabou-se o terrorismo. Já na Guiné não, aí o mundo soviético fez uma força enorme. Em Moçambique, foi uma guerra que se perdeu porque o Kaúlza era um bom militar mas de guerra clássica. Já o Spínola, que sabia bem o que era guerrilha, nunca deixou de afirmar "toda a guerra tem que acabar em conversações. Vamos demorando para ver se Lisboa cede e se eles também cedem, mas temos que conversar. Temos que ir para a mesa de conversações."

Os militares debatiam entre si sobre uma solução política para o conflito?
Havia os que tinham medo, porque se dizia que a PIDE tinha metido elementos fardados na tropa. E os que falavam abertamente.

Mas não havia muita consciência política?
Ela criou-se de repente e mais na oficialidade. Até porque muitos dos soldados eram analfabetos.

A consciência política surge mais para o fim da guerra?
Às tantas, até eu comecei a fazer a guerra contrafeito! Só que nós temos dignidade militar e se o comandante me manda fazer uma coisa, eu - que jurei bandeira - sou obrigado a executar. Fazíamo-la contrafeitos, mas o melhor que podíamos.


Se tivesse de fazer um perfil desses três chefes militares, qual seria o de cada um?
Costa Gomes foi um homem lúcido. Viu que estávamos numa desgraça mas calava-se. O seu trabalho era de gabinete e nunca foi um comandante como Spínola, que andava sempre no mato. Que era o único chefe que fazia isto! Havia tiros, nós agachavamo-nos e ele ficava de pé!

Os oficiais estavam preparados para aquele tipo de guerra?
Para aquele tipo de guerra - subversiva - a maioria não estava. A formação era a guerra táctica de 1939-45, e muito da parte alemã. Porque os melhores tácticos da Segunda Guerra Mundial eram os alemães, que perderam porque os seus meios eram muito menores do que os dos outros todos juntos, sobretudo com a América e a Rússia contra.

Por que razão houve tanta violência inútil cometida pelos soldados portugueses junto das populações. Qual é a sua opinião sobre isso?
O que houve foi que o Antoninho da Calçada [Salazar] deixou de poder mandar os tipos mais fracos embora. Antes de começar a guerra, todos os anos as admissões à Academia Militar eram de várias centenas e podia-se escolher os melhores. Começou a guerra e, no segundo ano de admissões, foi zero! Por isso, aqueles que não tiveram como eu quatro anos de formação militar fizeram coisas incríveis a prisioneiros. Eles tiveram meio ano de formação, portanto não tinham ética, e fizeram-se judiarias!

A que nível?
Quando se é militar, luta-se sem ódio. O pior é quando ele entra na guerra, o que aconteceu em muitos casos. Quando se apanhava massacrava-se. De parte a parte!


Mas a seguir ao 15 de Março de 1961 a resposta branca foi muito violenta?
Foi uma resposta por parte de civis e de alguns militares que lá estavam. Havia, infelizmente, muito pouca tropa em Angola.

Como se portou o militar português?
Houve bons, maus e péssimos, mas a grande maioria foi boa. O que também houve foram coisas que me revoltam, como quando os soldados morriam e eram enterrados cá de noite para não se ver. No estrangeiro, fazem festas de homenagem aos que morrem pela Pátria - porque quem combate fá-lo pela Pátria e não por Angola. Só um homem que não tinha formação de ética militar, como Salazar, era capaz de fazer uma coisa dessas.

terça-feira, 30 de outubro de 2018

Salazar e os outros



"Salazar não foi o último político a dar missões incumpríveis aos militares"



A guerra em África foi um momento marcante na vida dos militares portugueses?
Absolutamente marcante. Que começou violentamente em Angola a 15 de Março de 1961, de tal maneira que a população portuguesa reagiu quase da mesma forma como reagiu há tempos com Timor!

Houve muitos heróis nessa guerra. Menos do que Portugal precisava ou demasiados?
Qualquer mãe que vê o filho ir para a guerra sente que partiu um herói. Regresse ou não, para ela é um herói. Se um milhão de portugueses foi para a guerra, para qualquer mãe deste país houve um milhão de heróis. Se a pátria entende que qualquer militar a quem disse "marcha, porque eu preciso de ti", mesmo que morra, desde que tenha cumprido o dever, deve considerá-lo herói. Só que o conceito de herói varia muito, tanto que hoje os heróis são aqueles que a comunicação social faz. São outro tipo de heróis.

Que não os militares?
Os que regressaram mutilados, cegos, stressados e outros mais fortes do que quando partiram; aqueles que não regressaram e que são quase dez mil nomes no monumento aos combatentes do Ultramar e os que têm na Batalha um símbolo, o do soldado desconhecido. Essa pergunta não tem assim tanta importância, porque ninguém vai para a guerra para ser herói - cumpre um dever!

Quando Salazar mandou resistir até à morte em Goa, o que queria era heróis?
Não sei se queria heróis, o que fez foi dar uma ordem estúpida! Eu estava na Academia Militar e alguns dos meus camaradas estavam na Índia. Quando ouvi isso na televisão, em Dezembro de 1961, vi todos os meus camaradas mortos. O grave erro dos políticos é atribuírem aos militares missões completamente inverosímeis e exigirem sacrifícios que ultrapassam o mínimo de exigência e de consciência de um poder político. E não foi o último a dar missões incumpríveis! Depois do Salazar, já houve muitas missões difíceis de cumprir, sem dar os meios necessários.

36 anos depois, a visão da História sobre esses 13 anos em África é justa ou injusta?
É bom que aqueles que viveram a guerra escrevam e falem, mas tenho para mim que a História correcta só se fará dentro de algum tempo, quando os que a fizeram desapareçam e os que se opuseram também. Nós vivemos há 30/40 anos com a síndrome da Guerra Colonial porque quem nos governa hoje foi contra a guerra. O que importa é esquecer quem a fez.

Uma situação quase igual ao esconder da guerra durante os seus 13 anos?
A partir de determinada altura tive a sensação de que não era divulgada como deveria e passou a ser conduzida por uma contra-informação e propaganda que dizia que a guerra não acabava porque os militares não queriam que ela acabasse.

Critica-se o uso de violência por parte dos militares junto das populações. Episódios macabros, napalm... Qual a verdade?
Não vou responder "guerra é guerra", mas a guerra é guerra! Não se vai para lá fazer festas na cara do inimigo porque o inimigo quer matar! E, frente a frente, é quem atirar primeiro! Qual o objectivo da guerra? Em termos militares, é retirar ao inimigo a vontade de combater. Não é destruir o inimigo ou matar tudo. A guerra é violenta! Seja subversiva, clássica, convencional ou nuclear - é um mal infernal que o homem inventou para resolver problemas! A guerra no Ultramar foi a favor das populações, porque não se as conquistam a matar indiscriminadamente.

E quanto à violência?
A violência na guerra começa desde que se trata mal o inimigo até lançar uma bomba de napalm. Lançar napalm é estratégico, quando se encontra o inimigo é táctico. Havia regras rígidas e foram levantados vários autos sobre excessos. Não estou a falar dos primeiros meses de guerra.

Aí não houve controlo?
Não estou a falar na reacção a um ataque suicida que foi feito, com cenas absolutamente inacreditáveis porque tinham de reagir daquela forma. Quanto ao napalm? Enquanto eu lá estive... Pode ser que napalm tenha sido lançado em determinadas situações. Sei que foi empregue, como aconteceu com a destruição de lavras por meio de herbicidas para evitar que as populações se instalassem em determinadas áreas. Agora, um tipo de comportamento das forças armadas de violência não corresponde à realidade.

Qual foi o seu pior momento na guerra?
O meu pior momento? Ter-me nascido um filho enquanto lá estive. Que quando o vi, já sabia andar. Mais nada.

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Guerra é Guerra

"Guerra é guerra!"

O massacre de 15 de Março de 1961 dá a machadada final nos bons costumes coloniais portugueses. Oitocentos mortos, brancos selvaticamente esquartejados, serrados e incendiados, mulheres e crianças violadas, bens destruídos e a implosão definitiva da paz podre com 500 anos exigiam a resposta que Salazar não queria dar perante a pressão da ONU, dos EUA e de novas nações livres.


É uma das expressões que mais se ouvem na boca dos ex-combatentes: "Guerra é guerra." Poderia ser "quem vai à guerra dá e leva", mas não é isso que dizem ainda hoje, muito pelo contrário, porque o envio de um milhão de militares portugueses para a Guerra Colonial - ou guerra do Ultramar ou em África - parte da premissa de dar muito e levar pouco.


Tudo começa a sério em 1961 em Angola. Há revolta nas plantações de algodão no Cassange, ataques aos portugueses e resposta pronta com a reorganização de companhias militares para executar a repressão. Pouco depois, a 4 de Fevereiro, verifica-se nova acção. Desta vez mais problemática, pois é contra algumas instituições portuguesas em Luanda, de que resultam mortos e feridos. A repressão aumenta de nível e é exigida maior protecção aos colonos portugueses. Mas é o massacre de 15 de Março, perpetrado por movimentos independentistas, que vão obrigar Salazar a mandar avançar para aquela colónia "rápido e em força".
Diga-se que foi mais a comoção popular na sede do império, o continente, que mais obrigou o ditador a agir. Um governante que nunca admitiu que estava perante uma guerra mas antes numa acção policial, mesmo que ela se estendesse nos anos seguintes a mais duas frentes: Moçambique e Guiné.
Não foi de um dia para o outro que os movimentos independentistas se apresentaram ao mundo. Mas, para além de um historial de revoltas, será o 15 de Março de há cinquenta anos que marcará verdadeiramente a existência de um conflito ao verificar-se uma acção violenta e determinada.
À União das Populações de Angola (UPA) foi atribuída muita da autoria do massacre, se bem que já existissem outras organizações como a FNLA e o Partido Democrático de Angola (PDA) no terreno e, a partir de 1961, também o MPLA e a UNITA.
A Salazar, foi exigida uma resposta que salvasse o Império português espalhado pelo mundo. Numa época em que a própria organização das Nações Unidas criticava a política colonial portuguesa e que o presidente norte-americano, o recém-eleito J. F. Kennedy, boicotava abertamente o apoio a Portugal, partilhando o coro de duas dezenas de novos países surgidos após a derrocada dos impérios coloniais francês, belga e inglês.
Para além do cenário internacional negativo, a situação interna de contestação ao regime aumentava e teria em 1961 um ano de grandes actos políticos que abalavam o regime. O desvio do paquete Santa Maria e de um avião da TAP, o golpe de Botelho Moniz e de Beja, a queda de Goa, entre outros casos, infernizaram Salazar no ano de 1961. A guerra em Angola foi a gota de água, uma situação grave que, no entanto, o governante viu voltar-se a seu favor. O povo português uniu-se em sua volta na defesa do Império.
Só meia dúzia de anos mais tarde é que os portugueses iriam começar a contestar a presença militar dos seus filhos em África, num processo em que as colónias se encaminhavam mais para a libertação do que um país que fosse "do Minho até Timor", como queria Salazar. Uma "solução política" era, contudo, defendida por muitos, civis e militares, e o próprio sucessor do ditador, Marcelo Caetano, acreditava que à guerra deveria suceder outro estágio para o império.
Américo Tomás, e outros duros do regime, não partilharam dessa opinião. Milhares de jovens continuaram a embarcar para África enquanto os militares se cansavam de uma guerra sem fim à vista. Por África, a guerrilha fervilhava em todas as frentes.

O massacre

A chacina que vitimou 800 portugueses e africanos de várias etnias determinou o desvio de militares em massa para Angola e uma reorganização mínima das Forças Armadas. No entanto, afirmam sempre os responsáveis militares, para além de um maior recrutamento não se verificou o necessário investimento financeiro no apetrechamento da máquina de guerra. Tal como não aconteceu um fortalecimento da solidariedade, também necessária, entre colonos e militares que deveriam defender as suas vidas e a economia colonial.
A investigação definitiva sobre o que se passou exactamente nesses dias ainda está por fazer, se bem que alguns a tentem realizar. Para o historiador Rui Ramos, houve uma "vietnamização desta guerra" e a visão dos acontecimentos é distorcida por um conflito bastante diferente do nosso.
Para o então ministro do Ultramar, Adriano Moreira, a atitude de Salazar face à guerra não poderia ser outra porque "nasce, vive e é educado num período em que a supremacia ocidental e europeia era absolutamente indiscutível em relação a todas as partes do mundo. Ele é surpreendido pela evolução do mundo".
Recentemente, o casal Dalila Cabrita e Álvaro Mateus publicou um volume - Angola 61 - em que dedica grande parte da sua investigação ao massacre de 15 de Março. Entre as teorias apresentadas está a de que esta chacina "não foi surpresa". Justificam com as conclusões nos documentos e alertas reportados pela polícia, militares e civis algum tempo antes. Assim, apontam, a PIDE já informara através um colaborador enviado a Leopoldville que "dentro em breve, explodirá na nossa terra de Luanda uma grande revolta, pois todos os naturais de Angola estão preparados para o assalto". Dois meses antes, um responsável desta polícia política, dizem os investigadores, informaram o "administrador da circunscrição e o comandante militar de que as actividades da UPA se tinham intensificado junto à fronteira". E indicavam a data de 15 de Fevereiro de 1961 como provável.
Também os colonos aguardavam, explicam os autores, por esta situação anunciada: "Demonstra--o a compra maciça de armas." Angola importara, em 1960, 953 toneladas", seis vezes mais do que em 1959.
Quanto aos militares, acrescentam, a desconfiança também existia: "Os militares tinham previsto o que iria acontecer. E Costa Gomes fez questão de assinalar que, 'entre 1958 e 1961, não se tomaram medidas importantes para prevenir uma guerra no Ultramar, antes pelo contrário." E fazem notar que "finalmente, em 15 de Dezembro de 1960, o Comando Militar de Angola, pressentindo que algo grave poderia vir a acontecer, considerou necessário 'intensificar missões de vigilância e de soberania'".
Os generais Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes, que têm estado a fazer a história desta guerra de três frentes e que publicaram um espesso volume intitulado Os Anos da Guerra, não hesitam em retratar Salazar como "um homem cansado", incapaz de enfrentar a situação com uma política de defesa e com "respostas à acção militar (...) sempre insatisfatórias". No livro reproduzem o comunicado publicado dois dias depois do massacre nos jornais de Angola onde se pode confirmar o distanciamento da situação real: "Verificaram--se na zona fronteiriça do Norte de Angola alguns incidentes a que deve atribuir-se gravidade por demonstrarem a veracidade de um plano destinado a promover actos de terrorismo que assegurem, a países bem conhecidos, um pretexto para continuarem a atacar Portugal perante a opinião pública internacional." Da violência do massacre escreve-se apenas: "Sabe-se que há a lamentar a perda de algumas vidas, mas não se conhecem pormenores. As autoridades que procederem a uma rigorosa investigação fornecerão à imprensa mais elementos logo que sejam obtidos. A situação encontra-se inteiramente sob o domínio das autoridades."
Os generais consideram, no entanto, que o ataque foi "uma surpresa completa para os fazendeiros e para os administrativos que viviam na região". Quanto à resposta das autoridades, reportam que "de Lisboa não chega sequer uma palavra de esperança" enquanto "em Luanda foram apressadamente organizados serviços de socorro e de evacuação" a várias regiões do Norte de Angola que "em meia dúzia de dias se transformaram num mar revolto de sangue". As primeiras contas apontavam para a morte, dizem nesta introdução do livro, de "mais de 300 europeus na área de Nambuangongo, outros tantos do Dange ao Quitexe, talvez uns 200 junto à fronteira, no distrito do Congo".
Num dos primeiros trabalhos exaustivos sobre o conflito colonial, A Guerra de África 1961-1974, José Freire Antunes faz uma descrição sucinta desses dias entre 15 e 18 de Março de 1961: "De madrugada, na Fazenda Primavera, perto de São Salvador, grupos de bacongos, empunhando catangas e canhangulos e julgando-se imunes às balas dos brancos, lançam uma ofensiva contra propriedades e povoações na zona de fronteira com o Congo, na Baixa de Cassange, até às cercanias de Vila Carmona. O Norte de Angola é avassalado por uma onda de brutalidade tribal, assassínios em massa, incêndios, destruições e rapina de haveres, violações de mulheres e crianças. Os tumultos espalham-se às plantações de café isoladas, aos postos de abastecimentos e às vias de transporte." A seguir, vários depoimentos mostram a violência do massacre: o "pai que fora espancado com as pernas do próprio filho morto a golpes de catana"; a "inacredidável barbaridade com que foram mortos alguns europeus, serrados vivos numa serra mecânica", entre outros casos. Os culpados são, escreve-se: "rebeldes que foram convencidos por feiticeiros de que podiam matar os portugueses sem perigo e que as terras e propriedades dos brancos ficariam para eles".

Filhos ignoram

O massacre de 15 de Março de 1961 raramente é comentado pelos militares que contam algumas das suas histórias de vida nas páginas que se seguem. Basta-lhes as suas próprias vivências para justificar esses anos de uma vida; o que fizeram lá e o que o Estado português deveria ter feito cá por eles.
Há quem diga que houve três gerações diferentes que foram vingar o massacre original ao longo dos 13 anos de Guerra Colonial. A primeira, entre 1961 e 1965 partiu num contexto de resposta racista. A segunda, de 1965 a 1970, deixou Lisboa preparada para combater com técnica e determinação. A terceira, até à Revolução do 25 de Abril, fez a guerra por obrigação, de forma muitas vezes descuidada e a cumprir uma obrigação que lhes cortava a vida pessoal ao meio, porque estavam já empregados, saíam da universidade ou tinham filhos.
Deste universo de um milhão de homens que foi à guerra num outro continente existe um denominador demasiado comum: a sua experiência em África foi silenciada no regresso. São poucos os militares que contaram o que sofreram/fizeram na guerra aos filhos e, na maior parte deles, só a mulher partilhou de algum conhecimento. Mais estranho é que o relato ultrapassou uma geração e só os netos tiveram direito a escutar o que o avô sofreu/fez durante a comissão em Angola, Moçambique ou Guiné.

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Guerra Colonial em Angola

                  Guerra Colonial em Angola



São 47 apresentações em slide


Um trabalho  de alunos do 9ºano que serviu de base a comunicação oral sobre o tema, que merece ser visto, em slide e que oferece uma visão da Guerra de África na visão dos autores


quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Guerra de África - 1961-1974 - Angola e dados gerais


A guerra de que nos ocuparemos nestes fascículos desenrolou-se nos territórios de Angola, Guiné e Moçambique, no período de 1961 a 1974. Estiveram em confronto as Forças Armadas Portuguesas e as forças organizadas pelos movimentos de libertação de cada uma daquelas colónias. 
Os primeiros incidentes ocorreram em Angola, na zona que a doutrina portuguesa viria a chamar Zona Sublevada do Norte (ZSN), abrangendo especialmente os distritos do Zaire, Uíje e Quanza Norte. A sublevação desta área foi efectuada pela UPA e traduziu-se, a partir de 15 de Março de 1961, em bárbaros massacres de populações brancas e trabalhadores negros oriundos de outras regiões de Angola. A reocupação de toda a região foi conseguida através do empenhamento de forças portuguesas em operações militares de grande envergadura, as quais, apesar do êxito inicial, não puderam impedir o progressivo alastramento das acções de guerrilha a outras regiões de Angola, como Cabinda, o Leste, o Sudeste e o planalto central. Estas acções foram da iniciativa não só da UPA, depois transformada em FNLA, mas também e sobretudo do MPLA e, mais tarde, da UNITA.

Nos três teatros de operações, os efectivos das forças portuguesas foram aumentando constantemente em relação ao alargamento das frentes de combate, atingindo-se, no início da década de 1970, o limite crítico da capacidade de mobilização de recursos. 
Pela parte portuguesa, a guerra era sustentada pelo princípio político de defesa daquilo que era considerado território nacional, baseado no conceito de nação pluricontinental e multirracial. Pela parte dos movimentos de libertação, a guerra justificava-se pelo inalienável princípio da autodeterminação e independência, num quadro internacional de apoio e incentivo à sua luta. O Estado Novo, primeiro com Salazar e depois com Marcelo Caetano, manteve com grande rigidez o essencial da política colonial, fechando todas as portas a uma solução credível para o problema de qualquer dos territórios. Manteve, aliás, como teoria fundamental, a indivisibilidade dos casos, nunca admitindo poder encontrar soluções diferentes para problemas diferentes. 
O 25 de Abril de 1974, alterando a natureza do regime político português, modificou também o suporte do empenhamento militar das Forças Armadas Portuguesas nos territórios coloniais. Os novos dirigentes de Portugal, ao mesmo tempo que anunciavam a democratização do país, aceitavam naturalmente os princípios da autodeterminação e independência, pelo que as fases de transição foram negociadas com os movimentos de libertação empenhados na luta armada, traduzindo-se, mais ou menos rapidamente, no fim das acções militares envolvendo forças portuguesas. Estas iniciaram desde logo o seu regresso a Portugal, regresso que ficou terminado nas datas previstas nos respectivos acordos, com o reconhecimento da independência de cada um dos territórios.