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domingo, 13 de maio de 2018

Memórias das Guerras Coloniais



Miguel Cardina, investigador do Centro de Estudos Sociais de Coimbra, venceu uma bolsa do Conselho Europeu de Investigação para estudar a evolução das memórias das guerras coloniais e de libertação. (05-09-2016)

Uma bolsa do Conselho Europeu de Investigação no valor de 1,4 milhões de euros foi atribuída ao investigador do Centro de Estudos Sociais (CES) de Coimbra Miguel Cardina para estudar a evolução das memórias das guerras coloniais e de libertação.
A bolsa do Conselho Europeu de Investigação foi atribuída a Miguel Cardina para concretizar o projeto de investigação “Memórias cruzadas, políticas do silêncio: as guerras coloniais e de libertação em tempos pós-coloniais”, que terá uma duração de cinco anos, anunciou esta segunda-feira o CES da Universidade de Coimbra, em nota de imprensa.
O projeto vai ser realizado em Portugal, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, propondo-se fazer uma “história das memórias das guerras coloniais e das guerras de libertação”, disse à agência Lusa o investigador Miguel Cardina.
A guerra e a luta pela independência deixaram “marcos e legados de diferentes naturezas” e que “têm uma história que se prolonga até aos dias de hoje”, sublinhou.
“Vamos analisar as marcas desse passado e a sua evolução ao longo das décadas, fazendo uma história das inscrições memoriais”, bem como “das políticas do silêncio”, analisando aquilo que poderá ter sido “seletivamente” lembrado e o que foi esquecido “em cada um dos países”.
Para isso, será feita uma análise a material tão diverso como manuais escolares, discursos políticos feitos ao longo dos últimos 40 anos, monumentos ou notícias.
Serão também feitas “entrevistas a antigos combatentes das diferentes forças que estavam no terreno” e será analisado “material disponível na internet”, visto que com o surgimento das redes sociais e blogues “democratizou-se a possibilidade de as pessoas contarem a sua história e articularem memórias”, afirmou Miguel Cardina.
O objetivo será fazer “um retrato detalhado de como a memória foi evoluindo ao longo destas quatro décadas” e analisar a relação de cada sociedade com o seu passado, em torno de “fenómenos tão marcantes que acabaram por construir nações e remodelar relações de nações com o território”, realçou o investigador.
Neste concurso para a bolsa “Starting Grant” do Conselho Europeu de Investigação, que procura apoiar jovens cientistas europeus, contabilizaram-se “3.000 candidaturas”, informou o CES.
Miguel Cardina era à data vice-presidente do conselho científico do CES, tendo recebido o prémio CES para Jovens Cientistas e o Prémio Victor de Sá de História Contemporânea pela sua tese de doutoramento Margem de Certa Maneira. O maoísmo em Portugal: 1964-1974.

sexta-feira, 11 de maio de 2018

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Os filhos "proibidos" da guerra colonial





Os filhos "proibidos" da guerra colonial

A guerra colonial foi um dos períodos mais negros da História de Portugal que ceifou a vida a milhares de jovens obrigados a embarcar para África para defender o império, orgulho do regime fascista. Muitos deles deixaram por lá lá filhos, alguns dos quais procuram ainda hoje reconhecimento e cidadania. 
Por Marana Borges.
1 de Março, 2016 

“Os militares eram o símbolo do poder colonial: homens, brancos, fortes; elas, mulheres, africanas, negras".

Eles são filhos da guerra. Têm pais portugueses, mães africanas. Os pais eram jovens soldados ao serviço de um país que, em plena metade do século XX, ainda se esforçava por conservar as colónias em África; as mães, mulheres pobres que em geral lavavam a roupa das tropas portuguesas durante a guerra na Guiné-Bissau, Angola e Moçambique. Por vezes, colonizador e colonizada apaixonavam-se; outras vezes, elas ofereciam serviços sexuais em troca de dinheiro ou comida. Os filhos nascidos dessa situação são muitos. Centenas. Talvez milhares. Nunca ninguém os contou. Sem registo do pai biológico, vivem estigmatizados nos seus países, onde são conhecidos como “restos de tuga”.

A barreira do medo

Quarenta anos após as guerras coloniais travadas por Portugal nos territórios africanos, alguns destes filhos começam a reivindicar suas origens. Tarefa difícil. Com o aumento da violência e a eclosão da guerra civil nos territórios que conquistaram a independência, as mães queimaram a pouca documentação que pudesse servir para identificar os pais dos seus filhos. Cartas, fotos, até certidões. Temiam as perseguições e frequentes assassinatos contra qualquer suspeito de ter colaborado com a ex-metrópole. Dos filhos, geralmente registados em nome de outro pai, também guardaram segredo. Mas se os apelidos podiam esconder a origem portuguesa, a cor da pele denunciava-a. Vistos como “brancos” no país natal, muitos pagaram caro por isso.

O Império português, glorificado até à exaustão pelo fascismo. No mapa de 1934

Um deles é Fernando Hedgar da Silva. Camionista,vive na Guiné-Bissau. Dedicou grande parte de sua vida à procura do paradeiro do pai. Não teve sucesso. Aos 48 anos, ainda se sente discriminado, “meia pessoa”. “Todo o filho tem o direito de conhecer quem o gerou”, disse por telefone ao Opera Mundi. Em 2014, foi à Embaixada de Portugal na Guiné, que lhe comunicou ser o pai quem devia reconhecer o filho, e não o Estado. O cônsul, contudo, prometeu analisar o caso e depois entrar em contato com ele Fernando ainda espera uma resposta. Agora está à frente de uma associação com 50 desses filhos, e reclama o direito à cidadania portuguesa.

Sem registo do pai biológico, vivem estigmatizados nos seus países, onde são conhecidos como “restos de tuga”.

Uma questão particular ou de Estado ?

Esta batalha depende da forma como se interpreta a questão, ou seja, estamos perante um assunto particular ou de Estado. Aosamerasians, como ficaram conhecidos os filhos de mulheres vietnamitas com militares norte-americanos nascidos durante a Guerra do Vietname (1955-1975), a quem os Estados Unidos concederam, nos anos 80, após um intenso debate público, o estatuto de imigrante. Não houve exigência em provar a paternidade – bastavam os traços físicos. Cerca de 26 mil filhos emigraram para os Estados Unidos, apesar de apenas 3% deles terem logrado reencontrar seus progenitores.

Mas em Portugal – que enviou para o continente africano cerca de um milhão de militares durante os 13 anos de guerra colonial (1961-1974) – o assunto ainda é tabu. Contatado pelo Opera Mundi, o ministério de Negócios Estrangeiros, responsável pelas relações externas do país, absteve-se de comentar o caso, alegando que este “nunca foi confrontado com essa questão ou com situações concretas”.

A primeira (e única) pessoa a dar projeção nacional ao tema foi Catarina Gomes, repórter do jornalPúblico, com uma série de reportagens(link is external), uma das quais obteve este ano o Prémio Internacional de Jornalismo Rei da Espanha. Descobriu o assunto por acaso, durante um trabalho de campo para escrever um livro sobre a guerra colonial. Depois, criou um canal online para receber informações sobre pais e filhos(link is external). Assim encontrou António Bento, que aceitou o convite para regressar a Angola e conhecer o filho que deixara ainda na barriga de sua parceira de então, por quem se apaixonara aos 23 anos.

Do machismo às desigualdades sociais e económicas

António é um caso raro de um pai à procura do filho. Procurou-o toda a vida. A maioria dos ex-combatentes colocou uma pedra sobre o assunto. Casado, com duas filhas e residente numa pequena cidade de 11 mil habitantes na região do Alentejo, a 85 km de Lisboa, António fez da sua paternidade um assunto público. Participar na reportagem do jornal foi a única forma de superar os custos de uma viagem impossível para alguém que, aos 63 anos, está desempregado. Do encontro com o primogénito, hoje sargento de 40 anos com quatro filhos, lembra com voz emocionada. “Sou sentimental, choro ao ver o final de uma novela, imagine como fiquei ao conhecer o meu filho depois de tanto tempo?”


O momento da partida dos militares para a guerra.

A principal razão para a maioria dos pais esconderem o passado, segundo António, é o medo de fragilizar o ambiente familiar atual: “Muitos nunca disseram às suas esposas que tiveram um filho antes”. Ele disse, e não foi fácil. Agora junta as poucas economias e aguarda a reforma para poder ver o filho mais uma vez. Mas fá-lo discretamente: “Esse assunto continua a ser tabu, a ser só meu.”

O drama da paternidade revela outros tabus como o machismo, o racismo, a desigualdade social e económica. “Os militares eram o símbolo do poder colonial: homens, brancos, fortes; elas, mulheres, africanas, negras. Muitas não voltaram a casar ou foram escondidas do meio social”, conta a jornalista Catarina Gomes. Se os “filhos do vento”, como também são chamados, tivessem tido mães brancas, ricas, europeias, continuaria a ser tão difícil encontrar os seus pais portugueses? Ninguém se atreve a responder.

quinta-feira, 10 de maio de 2018


Os factos aqui relatados são verídicos e provenientes do testemunho real de um ex-combatente da Guerra do Ultramar: o meu avô, Fernando da Conceição, que gentilmente se disponibilizou para os relatar, assim como para partilhar algumas das suas recordações desse período em que esteve na Guerra.

Com esta partilha dá-se a conhecer algumas das experiências que, assim como o meu avô, tantos outros homens viveram e que os marcaram para o resto das suas vidas.
Pretendo, deste modo, prestar uma sentida homenagem a todos estes grandes heróis, que são muitas vezes esquecidos, sobretudo pelo passar do tempo que vai deixando essa época cada vez mais longínqua.
Contudo, todos estes homens não deixaram de ser grandes lutadores. Não foi por regressarem do combate que deixaram de lutar, porque ainda hoje todos lutam contra as memórias sangrentas dessa altura! Todos eles são, ainda hoje, os mesmos heróis de antigamente!

Capítulo I – O embarque


Postal ilustrado com o "Paquete Vera Cruz"

Foi no dia 11 de janeiro de 1969. Partiu o meu batalhão juntamente com mais três, com destino a Luanda (Angola). Tudo juventude, cerca de 21 anos. Todos forçados a ir e, quem sabia, não mais voltar. Mas tínhamos de ir e não havia volta a dar. Restava-nos a ínfima esperança de voltar a ver aqueles que ali à nossa frente se encontravam.
Muitos familiares de todos os que partiam, menos os meus... Senti-me sozinho e um pouco desamparado. Aconchegavam-se em abraços apertados, beijos desesperados, choros angustiantes, uma amargura cortante que se impunha em todos os corações. Talvez até fosse melhor estar sozinho... Sim, talvez fosse melhor. Não teria de me despedir novamente de familiares e amigos, porque como diz o velho ditado “longe da vista, longe do coração”. Estivera com eles quinze dias antes, conforme a autorização que tivera para tal. E esses dias tiveram de servir para aproveitar o máximo que pude junto desses meus mais queridos. Confesso que me soube a pouco, mas foi bom. Deu-me algumas forças para regressar à Amadora, para depois seguir viagem. A viagem!... Essa tal que me viria marcar muito mais do que eu esperava, deixando cicatrizes profundas não só no corpo, como também no coração. Ai esse!... Tão mutilado que ele ficou. Nunca mais fui o mesmo e, às vezes, ainda me pergunto quem seria eu sem A viagem!...
Uma vez passados esses quinze dias junto da família e amigos, regressei, então, ao Quartel da Amadora. Todos nós que partiríamos para a guerra estávamos mentalizados do que iria acontecer... Não o suficiente, é certo. Contudo, sabíamos do que poderia suceder e só isso bastava para cortar a nossa respiração. O clima era de tensão e desespero. Só que não adiantava... Iríamos para o combate, independentemente de tudo.
Saí do Quartel para o cais da Rocha, onde já estava o Vera Cruz à nossa espera. Quando lá cheguei, olhei-o e admirei-me com a sua enormidade. Tive medo. Era aquilo que me iria arrancar do meu país, dos meus mais queridos, da minha vida... Para me levar ao meu maior pesadelo! Para me roubar de quem eu era!... Nunca mais fui o mesmo.
Antes de embarcarmos, mandaram-nos formar para ouvirmos um general a falar. Assim o fizemos. Nesse momento, fez-se silêncio. Comoveu-se-me o coração, mas exteriormente não perdi a postura. Olhei pelo canto do olho e vi o comandante do meu batalhão a dirigir-se a nós e a posicionar-se à nossa frente. Foi então que ele começou a falar e proferiu uma frase que me marcou e nunca mais me saiu da cabeça: “Vamos para a guerra.”; eu ouvia-o com atenção. “Nós vamos todos. Mas não voltamos todos.”; arrepiei-me. Todos sabiam bem isso... Mas não esperávamos ouvi-lo em voz alta. Senti um nó a formar-se na garganta e engoli em seco. Seria eu que não voltaria? Seria o meu colega do lado? Seria o meu amigo mesmo à minha frente?... Poderia ser qualquer um de nós.
Desesperei. Mas não havia volta a dar... Íamos mesmo todos. E nem todos regressariam.
No fim desse discurso, fomos entrando no Vera Cruz. Muitos apressavam-se para ir acenar às suas famílias e amigos, num último adeus, lá do cimo do barco. Eu, antes de entrar, hesitei. Benzi-me e, fechando os olhos, ali fiz a minha promessa com todas as minhas forças. Promessa essa que cumpriria assim regressasse. Sim, eu teria de regressar. Tinha deixado muito para trás... Tinha o meu grande amor à minha espera e eu voltaria para ela. Não podia desiludir aquela mulher, porque ela já tinha um pedaço de mim e eu já tinha um pedaço dela. Pensaria no aconchego dos seus abraços, no calor dos seus beijos e na doçura do seu olhar, porque isso me dava alguma esperança. E eu precisava disso, para além de muita fé e coragem!
Entrei e estava pronto a ir (que remédio!). Todos estavam empoleirados na lateral do barco virada para a multidão que estava em terra, de tal modo que o peso daqueles tantos homens fez com que o barco se inclinasse um bocado. Tal era o barulho que se ouvia no exterior, como era o barulho que ecoava por mim adentro, como gritos que ficavam presos no meu corpo, reprimidos por mim.
O Vera Cruz ecoou três apitos ensurdecedores e começou a mover-se. A viagem estava prestes a começar. Os lenços brancos agitavam-se, acenando, nas mãos dos militares e nas mãos das pessoas em terra. Lágrimas. Gritos. Dor. E um vazio gélido e agoniado. Pouco a pouco, afastávamo-nos. Dali a momentos, deixaríamos de ver terra e estaríamos sós, entre céu e mar, rumo a um futuro aterrorizante e desolador. Havia nos nossos corações um frágil fio de esperança, alicerçado na fé de que, talvez dali a dois anos, pudessemos estar de volta à nossa Pátria. Mas também havia muito medo do que ainda teríamos de enfrentar...

Através do testemunho de Fernando da Conceição

terça-feira, 8 de maio de 2018

""Procura‑se traçar as linhas gerais que no discurso crítico histórico, político, sociológico e literário levaram a considerar a guerra como um fenómeno não exclusivamente masculino. Dentro da situação portuguesa, visa‑se interpretar o “papel de apoio” que sempre esteve reservado às mulheres, de um ponto de vista público e privado, e analisar com mais detalhe a situação das mulheres portuguesas que acompanharam os maridos em missão militar em África, durante o período da Guerra Colonial.""




domingo, 6 de maio de 2018

Dia da Mãe na Guerra Colonial



Venceslau Fernandes: "Fui para a guerra colonial e levei a bicicleta numa mala"



Excerto duma entrevista de Venceslau Fernandes


Para onde foi na tropa?

Fui para Lisboa, e daí para o Ultramar. Fui para a guerra em Angola e deu-me na cabeça em levar a bicicleta comigo. Não disse nada a ninguém, desmonteia-a toda e escondia-a numa mala. Fomos no Vera Cruz, em Julho de 1967, fez agora 50 anos.

E como é que foi lá?

Fui para o quartel em Luanda e pus-me a montar a bicicleta cá fora na parada. E nisto passa lá um fulano a levar cervejas para o quartel, ele era o distribuidor da cerveja Nocal e director do ciclismo do Benfica de Luanda. Viu-me lá com a bicicleta, foi ter comigo para saber quem eu era e quando lhe disse que já tinha feito duas Voltas a Portugal foi falar com o capitão para eu ficar pela cidade e correr pelo Benfica de Luanda. Ele falou com o comandante do destacamento, que era irmão do Mendes Pedroso, o director da equipa de ciclismo do FC Porto, e lá fui correr. Comecei a treinar de manhã e à tarde fazia os meus serviços no quartel. Fui ao GP Nocal e fiquei em 2º lugar, a chegada foi no estádio dos Coqueiros. A partir daí praticamente tinha tudo para poder dedicar-me ao ciclismo. Também estive no mato, debaixo de fogo, mas ficava quase sempre em Luanda. Participei em várias corridas e no ano seguinte ganhei o GP Nocal.

Depois voltou para Portugal?

Sim. O major Mendes Pedroso propôs-me um contrato com o FC Porto para ir correr a Volta a Portugal, ia ganhar 3.500 escudos por mês, o que era uma fortuna. Estava a preparar as coisas para ir correr pelo FC Porto, no Verão de 1969, e vim mais cedo para Portugal para ir correr o GP Robbialac. Só que a descer a serra da Arrábida, vinha fugido com mais dois corredores, estava muito nevoeiro e fomos contra um carro parado numa curva. Caí e parti o úmero. Fui para o Hospital Militar e fiquei lá 60 dias. Já não fui para a Volta a Portugal e acabei por não assinar contrato pelo FC Porto, porque o Mendes Pedroso já não estava lá.

sábado, 5 de maio de 2018

Ex-combatentes guineenses com dificuldades de sobrevivência em Portugal

Não se sabe ao certo quantos são os que estão em Portugal. Entre os antigos combatentes guineenses que, nos anos 60 e 70, participaram ao lado das tropas portuguesas na guerra colonial, há quem esteja a viver na miséria.
A propósito do quadragésimo aniversário da independência da Guiné-Bissau, que se assinala dia 24 de setembro, a DW África foi conhecer a história de alguns antigos combatentes guineenses que vivem em Portugal. Um deles é Racido Bari. Vive sozinho em Queluz-Belas, nos arredores de Lisboa. Foi soldado, telegrafista de Infantaria "na área das comunicações militares. Esta era a minha especialidade. Vim para aqui em 1989".
Veio de Bissau com o objetivo de reunir os documentos necessários e requerer ao Ministério do Exército a constituição de um processo sumário por ter sido ferido em combate. Mas a resposta dada pela instituição portuguesa foi que "não podiamos ter a documentação, como bilhete de identidade. Teriamos que ficar aqui 6 anos, como cidadãos estrangeiros", conta Racido Bari.

Uma causa menos justa
Já Julde Jakuité, outro dos feridos de guerra, mora com a mulher no concelho do Seixal, na outra margem do rio Tejo. "Sou furriel graduado no Exército Português e na altura, no tempo da guerra, diziam que o furriel recebe um ordenado compatível com o dos brancos". Jaquité faz parte da Associação dos Antigos Combatentes da Guiné-Bissau em Portugal. Como ele, há colegas seus que vivem também em situações difíceis. Conta que "muita gente está a morrer. Alguns estão com problemas de trombose por causa dos nervos". Outros sofrem "de traumas de guerra". Jaquité afirma que "é a dificuldade que faz isso".
Julde e Racido são dois antigos combatentes guineenses que serviram o Exército Português na guerra colonial. Na altura, a Guiné-Bissau era uma província de Portugal, considerada a mais difícil das três frentes de operações das Forças Armadas Portuguesas, onde estiveram 42 mil soldados. Entre estes, os guineenses que lutaram juntos no mesmo cenário de guerra contra as tropas do PAIGC (Partido para a Independência da Guiné e Cabo Verde).

Os relatos de então confirmam isso, onde se pode perceber que a diferença de cor não contava porque o ideal era o mesmo. "Os primeiros homens seguem os guias naturais da Guiné. São voluntários como os outros. Vieram oferecer-se às nossas tropas e passaram a lutar ao seu lado convencidos de que estavam a servir uma causa justa", ouve-se no relato.

Mas, passados estes anos todos, os direitos de muitos dos soldados ou milícias recrutados localmente foram ignorados. Desprezados até, como nos diz Luís Graça, furriel do exército português na companhia africana, entre 1969 e 1971. A falta de reconhecimento dos direitos dos militares guineenses é para Luís Graça " uma coisa que me doi a mim enquanto português e antigo combatente e amigo dos guineenses". Para ele "esse problema não foi resolvido e portanto, há muitas situações dramáticas lá e cá. Lá ainda pior..."

Fotografia de época do antigo combatente Luís Graça com os seus colegas guineenses.

Governo Português não cumpriu o Acordo
Lamentam os militares guineenses que o Governo português não cumpriu o Acordo de Argel de 1974. O acordo diz que Portugal pagará as pensões de sangue, de invalidez e de reforma a quaisquer cidadãos da República da Guiné-Bissau por motivos de serviços prestados às Forças Armadas Portuguesas. Devido às alterações da lei ao longo dos anos, há casos de ex-militares portugueses, angolanos, moçambicanos e guineenses que não são considerados deficientes das Forças Armadas, consoante o grau de invalidez, refere Jakuité. "Alguns até não conseguem resolver os problemas da junta médica," porque apesar do hospital militar ter dado a confirmação na altura que essa pessoa esteve internada, o governo exige testemunhas.
Mas Jakuité questiona o motivo do governo as exigir, "quando a maioria dos comandantes já morreu, os sargentos, os alferes morreram", então "como é que esta pessoa vai resolver o problema dele?" E por este condicionamento, o antigo combatente afirma que "há algumas pessoas que ficam ali 4, 5, 6 anos à espera que a pensão seja paga".

O antigo combatente guineense, Racido Bari, foi soldado, telegrafista de Infantaria "na área das comunicações militares" e hoje vive com dificuldades.

Pensões de invalidez na ordem dos 400 euros

Há companheiros há vários anos à espera que o Governo Português lhes atribua uma pensão de invalidez. Alguns recebem na ordem dos 400 euros mensais. É o caso de Racido Bari. "Eu vivo aqui com dificuldades enormes, porque eu pago a renda sozinho, só para mim, 150 euros. Mas o que posso fazer? Não tenho outra alternativa".


Jakuité vive com 530 euros e tem o seu processo arquivado na Procuradoria Geral da República. Considera que tem havido um tratamento de injustiça comparado com colegas portugueses. Conta que "hoje um posto de furriel ganha à volta de 1000 euros, e a mim, nem me pagam o posto que eu tinha. Estou mesmo revoltado com isso".

A falta de dignidade depois do serviço cumprido

Depois dos sacrifícios consentidos nos anos dramáticos de guerra, exigem ser tratados com dignidade. Luís Graça refere que não se pode generalizar o problema, mas reafirma que ainda existem cidadãos guineenses que lutam para serem reconhecidos os seus direitos. "O problema mais dramático, até por razões culturais, é o problema de integração dos guineenses, que foram antigos soldados portugueses e nunca houve uma política orientada para os ajudar, para os integrar, para haver um reconhecimento dos seus direitos" como "os direitos de reforma". Afirma que houve alguns que o conseguiram como "Marcelino da Mata, é um exemplo de um homem guineense, militar que acabou por ser integrado, e hoje é coronel do Exército Português." Contudo, Luís Graça sublinha que "o caso do Marcelino da Mata é uma excepção, não é a regra."

Ex-combatentes guineenses com dificuldades de sobrevivência em Portugal

Os antigos combatentes não colhem simpatias no seio do PAIGC (Partido para a Independência da Guiné e Cabo Verde). Das autoridades da Guiné-Bissau não esperam qualquer apoio. A responsabilidade, reafirmam, é do Governo português, através da Direção Geral de Pessoal e Recrutamento Militar do Ministério da Defesa, que acompanha os respetivos processos. A DW África solicitou uma reação a propósito, mas, por razões burocráticas, continua a aguardar por uma resposta.

Entretanto, a DW África apurou, perante o impasse na solução destes casos, que um grupo de antigos combatentes guineenses está a preparar condições para interpor uma ação judicial contra o Estado português junto de instâncias internacionais, entre as quais o Tribunal de Haia.

sexta-feira, 4 de maio de 2018

Ex-combatentes angolanos abandonados

Muitos ex-soldados angolanos que combateram contra o colonialismo português e na guerra civil que terminou em 2002 enfrentam hoje sérias dificuldades. Os baixos subsídios que recebem não chegam para as despesas diárias.


O feriado é assinalado todos os anos em Angola. O dia 4 de fevereiro de 1961 é considerado um marco importante no combate ao colonialismo português em África. Mas a data não reúne consenso entre o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e a Frente de Libertação Nacional de Angola (FNLA), dois dos três movimentos que lutaram pela libertação de Angola. O MPLA defende que foi a 4 de fevereiro que começou a luta armada. A Frente de Libertação Nacional de Angola diz que foi a 15 de março.
Polémicas à parte, em comum todos têm uma questão: a valorização dos ex-militares. Cinquenta e seis anos depois do início da luta armada, muitos antigos combatentes vivem praticamente na miséria.
Antigos combatentes angolanos vivem na miséria
Luís José Vatas, de 67 anos, foi guerrilheiro do Exército de Libertação Nacional de Angola (ELNA), o antigo braço armado da FNLA.
Reclama uma maior dignificação dos veteranos da luta armada e considera irrisórios os vinte mil kwanzas (cerca 111 euros) que recebe do Estado.
Diz que não chegam sequer para suprir metade das suas necessidades. "O próprio Presidente disse que os soldados do ELNA não têm direito a estar inscritos na caixa social. Só devem receber vinte mil kwanzas, que não chegam", lamenta o antigo combatente, que dá graças por ter aprendido ainda muito jovem o ofício de sapateiro. Hoje, é isso que o ajuda a sustentar a família.

Abandonados

Luís António combateu pelas FAPLA, Forças Populares de Libertação de Angola, afetas ao MPLA. Hoje diz estar votado ao abandono e sobrevive com a ajuda da família. A esposa deixou-o por causa das dificuldades financeiras. "Ela foi para a casa da mãe dela e levou os dois filhos", conta.
Luís António, ex-soldado das FAPLA

O antigo combatente faz biscates no bairro onde mora. Mas apesar dos esforços que faz para contribuir para as despesas de casa, é a tia, vendedora de carvão com quase 80 anos, que se sacrifica para alimentar a família. "Se ela não vender carvão ou petróleo, não fazemos nada, não podemos fazer refeições", diz.

Domingos Maurício fez parte do braço militar da UNITA, as Forças Armadas de Libertação de Angola (FALA), movimento militar criado por Jonas Savimbi. Diz que não se justificam as dificuldades por que têm passado os antigos combatentes dos três movimentos de libertação.

Acusa ainda o Governo de estar a marginalizá-los. "Os antigos combatentes já não têm valor, só estão a valorizar os que estão a entrar agora. Se o Governo soubesse que antes destes estão os que começaram a guerra, deveria resolver a situação dos antigos combatentes"m sublinha Domingos Maurício.

quinta-feira, 3 de maio de 2018

Ex-combatente - algumas das armas que utilizava



Este era o arsenal de armas ligeiras que os militares a título individual tinham que carregar para defender as cores de Portugal na guerra em África. A espingarda G3 com as respectivas munições, 100 cartuchos no total, 1 dilagrama, dispositivo que se colocava na ponta da espingarda para disparar uma granada a uma distância maior da que permite o lançamento manual, com cartucho propulsor sem bala, 1 granada defensiva, 1 granada ofensiva e 1 pistola Walter geralmente utilizada por militares com funções de comando.
Nesse tempo tínhamos a força da juventude e armados assim, éramos respeitados e vangloriados. Hoje, os ex-combatentes são desprezados, descartados, porque as armas que têm são as bengalas, canadianas, andarilhos. Na sua grande maioria, reformados, aposentados, com problemas vários a nível da saúde física e mental, alguns mesmo sem-abrigo e não há quem lhes dê a mão.
Ultimamente, em alguns discursos oficiais têm-se ouvido referências aos ex-combatentes, mas não passam de palavras ocas, sem qualquer consequência na prática. Não conheço um Estado que trate com tanta negligência os seus veteranos de guerra. As Associações de ex-combatentes fazem o que podem, reivindicam os direitos que acham justos, mas o poder político assobia para o lado.s SEP (suplemento especial de pensão) ou CEP (complemento especial de pensão) no valor máximo de 150 euros/ano ainda sujeitos a IRS são uma afronta a toda a classe. Não seria melhor que quando chegasse o mês de Outubro, data em que essa esmola é acrescentada à reforma/pensão, todos os ex-combatentes a devolvessem à procedência, a cada um de nós não faz grande diferença, mas o bolo poderia servir para dar a alguns “pobres” reformados que andam por aí muito queixosos, como o caso dos do BdP (Banco de Portugal) a quem o tribunal mandou devolver com juros os 13º e 14º meses de 2012, porque afinal a Lei que os abrange não permite tal corte.
Que eu saiba, todas as reformas/pensões atribuídas, o foram baseadas em normas legais em vigor, mas por que razões só podem ser alteradas ou revogadas para certas classes deixando outras sagradas, imutáveis, irrevogáveis?

Às bengalas, às canadianas, aos andarilhos …

quarta-feira, 2 de maio de 2018

Zau Évua - Os sons, as imagens e os cheiros

Não custa acreditar que os sons, as imagens e os cheiros da guerra ainda andam por cá.
E assim vão perdurar.
Qualquer avião em todo semelhante aos DO 27 ou aos Cessena que passam frequentemente próximo do local onde vivo, me fazem recordar os Revis ou a chegada dos viveres frescos e do  correio a Zau Évua.
As imagens da planície  alentejana em alguns momentos relembram a imensidão das terras de Angola.

Até o cheiro característico da terra quente quando suporta um aguaceiro. traz viva a recordação dos dias assim em Zau Évua

Como se diz - é a vida no subconsciente.